A portuguesa que fez Doutoramento na Universidade de Harvard está a trabalhar numa Indústria Norte-Americana, há quase dois anos. Foi um longo percurso académico, desde a sua licenciatura em biologia molecular e genética na Universidade de Lisboa e mestrado na mesma Universidade. Está “a colher os seus frutos” após tanto empenho e dedicação em Portugal e Boston.
Fez uma licenciatura em biologia molecular e genética na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e depois um mestrado na mesma Universidade, a “minha tese foi a minha primeira experiência em investigação em ciência e trabalhei no Instituto Ricardo Jorge, no Instituto Gulbenkian Ciência, a desenvolver novos marcadores para diagnóstico de Alzeimer”. Refere Ângela Crespo. Mas depois resolveu que queria fazer algo de diferente, e que gostava de continuar “a minha carreira de investigação, e por isso tomei o passo seguinte e decidi candidatar-me a um programa de Doutoramento”. Concorreu a um programa na Universidade de Coimbra, designada de Programa Doutoral em Biologia experimental e biomedicina.
Foi um passo muito importante porque lhe deu a oportunidade de, primeiro ser exposta a várias áreas da ciência, o programa aceitava 12 pessoas por ano, e tinha aulas durante seis meses, todas as semanas era uma aula diferente, ensinar por professores da Universidade de Coimbra, mas também professores convidados de Universidades estrangeiras. O objetivo desse programa era serem expostos a várias áreas científicas para poderem então escolher em que é que queriam trabalhar “na nossa tese de doutoramento”. Decidiu que nesse programa queria trabalhar em imunologia, e mais especificamente imunologia da gravidez, “que era um tópico que me fascinava bastante.”
Que tinha como objetivo tentar entender como é que uma criança que tem metade do material genético do pai, e não é necessariamente compatível com a mãe – é quase como se fosse um transplante – , não é rejeitado durante a gravidez. Se fosse um fígado, um rim, muito provavelmente seria rejeitado, mas uma placenta que se integra completamente no útero da mãe e que está em contacto com o sistema imunitário da mãe, não é rejeitado durante nove meses, e “eu tinha muito interesse em explorar esse problema”. Foi procurar vários laboratórios no mundo inteiro, que estivessem a trabalhar naquele assunto. Em várias universidades.
Foi a várias entrevistas na Europa e nos Estados Unidos, e acabou por escolher ir trabalhar para Boston, a Universidade de Harvard, tinha um “projeto mais interessante”.
Voltando um pouco atrás, “eu tinha sido aceite num programa em Portugal, com uma bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, tinha o meu próprio salário, o meu próprio financiamento, que me abriu muitas portas, basicamente a escolha foi mais minha do que do próprio laboratório”.
Chegou a Boston em 2010, trabalhou no laboratório de doutoramento com o Professor Jack Strominger, que é “uma lenda viva”, porque vai fazer 98 anos dentro de dias, e “quando comecei o meu Doutoramento ele tinha 85, toda a gente pensou que era uma ideia louca, porque a qualquer momento ele não resistiria”. Mas acabou por escolhe-lo porque gostava muito dos projetos que ele tinha. “E foi uma escolha acertada.”
A escolha Académica
Contactou com pessoas fantásticas, que lhe deram todo o apoio que precisava, os doutoramento em regra geral nos Estados Unidos demoram mais tempo. Voltou a Coimbra, em 2016, para a defesa, e depois como “eu queria voltar para a minha carreira de investigação, já sabia que não queria ficar numa posição académica, não queria tornar-me professora, ter o meu próprio laboratório, porque a área académica não era de facto a área que queria seguir, para além de ser muito instável requer que constantemente estejamos a candidatar-nos a financiamentos para que o laboratório possa funcionar. Chega a um ponto, é demasiado stress, para quem quer ter família, é muito stressante, “são muitas horas de trabalho, não é impossível, mas não queria isso para mim, não queria ficar nessa área”.
Queria continuar a fazer investigação, mas queria ir para a Indústria de Biotecnologia. Na altura “que eu terminei o Doutoramento estava com um visto de estudante, para entrar numa empresa nos Estados Unidos com um visto é muito difícil.”
Porque é complicado justificar a uma empresa contratar alguém que precisa, há muita burocracia implicada, precisa do patrocínio, uma empresa grande consegue, mas precisa que essa pessoa, tenha um currículo que o distingue, tem uma certa lista de aptidões que justificam, que é difícil encontrar um cidadão americano que o consiga fazer.
Então decidiu ficar na academia durante mais algum tempo, “consegui uma posição de pós-doutoramento, num laboratório diferente, onde tive a oportunidade de fazer um projeto muito semelhante. “Porque eu comecei a trabalhar em colaboração, com o meu laboratório de “pós-doc” quando ainda estava a terminar o Doutoramento”. Quando “acabei, passei para o novo laboratório, com uma posição de Pós-Doutoramento, e “continuei a colaborar com o meu laboratório antigo em imunologia durante a gravidez, trabalhei em infeções em Listeria, e em vírus da Zika, na gravidez.”
As dificuldades de obter o “Greencard” para trabalhar
Esse projeto depois levou-me mais quatro anos, fiquei como investigadora mais quatro anos como académica, demorou mais tempo do que o que eu desejava, porque entretanto estava mais ou menos a meio do trabalho e “consegui o meu “Greencard”, a minha autorização permanente de residência, que já me dava para eu ir trabalhar para onde eu quisesse, porque já não havia o problema dos vistos.”
Mas também “queria terminar o meu projeto, queria publicar, e no fim acabou por ser uma escolha acertada, porque consegui publicar numa revista científica de alto impacto, que depois abriu-me portas para conseguir a posição que ainda estou hoje”. É cientista Sénior, numa empresa de Biotecnologia, a empresa chama-se Dragonfly Therapeutics . “A nossa empresa desenvolve medicamentos para combater o cancro, e está também a desenvolver medicamentos contra doenças auto-imunes”.
A forma como trabalham, que estimulam o sistema imunitário, a atacar o cancro, ou neste caso das doenças auto-imunes, estará a tentar reduzir um bocadinho a atividade do sistema auto-imunitário, porque os auto-imunes, “o problema é que está demasiado ativo, está a atacar o próprio corpo, então neste caso queremos reduzir a atividade”, afirma a Ciêntista.
O trabalho consiste em modelar o sistema imunitário, as células do sistema imunitário com que nós trabalhamos, “são sempre as mesmas, com que sempre trabalhei toda a minha carreira académica”. Portanto “deu-me um perfil muito adequado para esta empresa. E foi assim que eu vim parar, e estou nesta empresa há quase dois anos, e estou muito feliz ter passado para a Indústria, de facto tenho um equilíbrio entre vida pessoal e do que quando estava na vida académica. E o salário também é muito mais alto.”
Não “estou a desmerecer a vida académica, eu já sabia que não era para mim”. Mas sem investigação académica, as empresas também não existiriam. Porque todos os princípios que estas empresas usam para fabricar os seus próprios medicamentos, “são o resultado das investigações das descobertas que vieram das Universidades.” Portanto tem de haver esta atitude de inovação. Eu só sabia que não era o caminho para mim.
O Covid-19
No último ano “do meu pós-doutoramento, que foi na altura do Covid, em 2020, como o nosso laboratório já trabalhava com o sistema imunitário, nós começámos a trabalhar num projeto Covid.” O que aconteceu no final do meu pós-doutoramento, eu estava grávida, de sete meses, e decidi ir para Portugal. Ficar lá “com os meus pais, até a minha filha nascer, e depois tive alguns convites, para falar num PodCast do Jornal Público, do David Marçal”, comunicador de Ciência, “Assim fala a Ciência”, “falei um pouco sobre vacinas, tratamentos para o Covid, e da investigação que estava a desenvolver. Depois também tive um convite para falar no Jornal 2, na RTP 2, falar um pouco sobre o Covid, acho que falei, duas ou três vezes na RTP 2. Também fui convidada pelo Comité Olímpico, porque estavam, a fazer uma série de palestras para atletas sobre o Covid e vacinas. Foi nessa altura que eu tive mais convites.”
Regresso a Portugal
Para já eu não se vê a trabalhar em Portugal, por razões pessoais e profissionais. “O meu marido não é português, para o meu companheiro seria muito difícil arranjar emprego na área dele, e para mim, a posição, os recursos, o salário, a influência que eu consigo ter aqui, não conseguia ter em Portugal. Não conseguia o que tenho aqui, não há o mesmo investimento na ciência, não há o mesmo desenvolvimento na Indústria de Biotecnologia, toda a minha carreira foi desenvolvida aqui, tudo aquilo que eu trabalhei, os frutos que estou agora a consegui-los é por continuar aqui em Boston, e Boston, é a melhor cidade do mundo para trabalhar em Biotecnologia.” Há centenas de empresas, há centenas de Universidades, e “para a minha carreira faz todo o sentido continuar aqui.
Não significa que “vá ficar sempre nesta empresa, porque há também sempre muita mobilidade, há tantas empresas aqui, que se virmos que não há progressão de carreira, ou se há outra empresa que eu possa trabalhar, eu vejo-me a trabalhar aqui.”
A Portuguese American Post-Graduate Society
A PAPS é uma Associação sem fins lucrativos, foi fundada em Boston em 1998, tem vinte cinco anos, foi fundada com o intuito de acolher cientistas e estudantes pós graduados que vinham para Boston. Que depois se espalhou por todo resto dos Estados Unidos e Canadá, existem vários núcleos espalhados pelos dois países.
Os objetivos da PAPS é criar uma rede de profissionais e académicos portugueses que estão qualificados, que estão a trabalhar ou a estudar nos Estados Unidos, e que através desta rede tem acesso a empresas ou instituições. E empresas e universidades de renome, que estas pessoas estão a trabalhar, entrar em contacto com elas, estabelecer colaborações, e a nível local, “nós acolhemos os novos membros que chegam, temos um documento o “Welcome Package”, que tem “muitas dicas”, para pessoas que acabam por se mudar para cá.” E para além deste apoio inicial, temos atividades que fazemos com o grupo, seja eventos de “Networking”, mini-conferências, ou atividades mais sociais, como jantares, piqueniques. “Colaboramos muito com o Consulado de Portugal, aqui em Boston, há uma comunidade muito grande de portugueses e há muita atividade no Consulado de Boston.
E também “nos ajuda a sentir-nos mais em casa”, há os clubes portugueses, os restaurantes portugueses, e podemos encontrar-nos nestes lugares, como vem muita gente com uma carreira semelhante à minha e como há muitas empresas nesta região, muita gente vem para um pós-doutoramento, ou vem para um estágio curto através da Fullbright, e FLAD. Alguns acabam por ficar, outros vão-se embora. “Mas temos sempre um grupo sempre muito dinâmico, tenho um papel ativo na PAPS desde 2012, quando me tornei líder do núcleo de Boston, fiz também uma parte executiva, como há mais núcleos, há uma comissão que gere toda a rede e organiza o encontro anual, onde tentamos juntar todos os membros.”
Cada ano é num lugar diferente, mas por causa da pandemia não se realiza há alguns anos. Tem sido muito benéfico. Têm uma rede de segurança, porque acabam por conhecer pessoas que passaram o mesmo que eles estão a passar, pessoas acabam por encontrar empregos porque conhecem outras pessoas que estão dentro desta rede, que depois os referenciam para um emprego, ou encontrar estágios. Tem tido um papel fundamental no apoio aos portugueses aqui nos Estados Unidos.