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Sábado - 19 Julho 2025

EXCLUSIVO: As mulheres das limpezas em Toronto: as ativistas corajosas que mudaram a história da comunidade portuguesa

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No seu livro “Cleaning Up”, a historiadora Susana Paula Miranda conta a luta (entre 1970 e 1990) das mulheres de limpeza portuguesas para terem melhores condições no trabalho. Estivemos à conversa com a Susana para perceber a importância de contar a história destas mulheres.

“A ideia da minha tese, e consequentemente do livro, veio do meu amor e respeito pela minha mãe e pelas mulheres que conheço” explica Susana Miranda. Se ela nunca imaginou ser um dia historiadora, a história foi sempre uma das suas matérias favoritas. E quando começou os estudos na Universidade, ela naturalmente decidiu seguir história, o que a levou a escrever uma tese de doutoramento (e, mais tarde, um livro) sobre as imigrantes portuguesas que faziam limpezas nos prédios e nas casas de Toronto.

Doutora Susana Miranda e Jorge Gabriel

“Quando comecei a minha investigação, houve pessoas da comunidade portuguesa que não percebiam porquê tinha escolhido este tema. Disseram-me que era melhor estudar os doutores e advogados portugueses” conta. Mas para ela, filha de imigrantes nascida no Canadá, o impacto destas mulheres na comunidade portuguesa, nos sindicatos da indústria das limpezas e na sociedade em geral foi demasiado importante para passar despercebido.

“Acho que muitos historiadores estudam temas que estão ligados à vida deles. Pelo menos, foi o meu caso. Quando era criança, acontecia que o meu irmão e eu fossemos com a nossa mãe ao trabalho. Porque estávamos de férias e para não ficarmos sozinhos em casa, íamos com ela e sentávamo-nos no salão dos patrões a ver televisão enquanto ela limpava” descreve com um sorriso nos lábios. Mas a ideia deste tema também veio das suas opiniões políticas e dos seus interesses intelectuais. De fato, ela estudou temas ligados às mulheres, à imigração e ao trabalho na Universidade.

Nos primeiros capítulos, a doutora relata a vida dos portugueses no Portugal do Estado Novo e o choque cultural ao chegarem ao Canadá. “Quis explicar o contexto antes de falar do sindicalismo destas mulheres para mostrar o quão diferente a experiencia delas foi no Canadá em comparação à vida que tinham em Portugal” acrescenta.

Por exemplo, a maioria das mulheres que limpavam em Toronto vinha do campo e também dos Açores e portanto não tinham experiencia prévia de sindicalismo ou ativismo. “O fato de não terem esta experiencia mostra a coragem e força destas mulheres que viviam num pais onde não falavam a língua e onde decidiram tornar-se ativistas e sindicalizarem-se para ter uma vida digna em Toronto” explica. A primeira greve que elas fizeram aconteceu em 1974 durante a revolução em Portugal. “Naquela época, as mulheres em Portugal ainda não faziam greves. Acho que é interessante perceber o quão a imigração mudou estas mulheres” descreve.

“Ao explicar a vida em Portugal, também quis mostrar que elas sempre trabalharam e trabalharam muito! Que seja no campo, na pesca ou em casa, elas sempre trabalharam” continua a doutora. Além de sempre terem tido uma vida difícil, tudo que elas fizeram (em Portugal e em Toronto) foi sempre para a família e os filhos. E de fato, no seu livro, Susana conta que uma das razões da radicalização e do ativismo das mulheres portuguesas foi para os filhos. Elas queriam oferecer uma vida melhor aos filhos. “Mesmo se havia medo de perder o trabalho, havia mais coragem da parte delas. Os valores que elas trouxeram de Portugal juntaram-se ao ativismo delas” detalha.

Além do contexto rural destas mulheres, Susana conta no seu livro o contexto canadiano. Nos anos 70, o feminismo e o sindicalismo no Canadá ocupavam pouco a pouco mais espaço na sociedade. Quando as imigrantes portuguesas receberam apoio das feministas canadianas, houve um choque cultural. Por exemplo, mesmo se as Portuguesas trabalham fora de casa (algo que era visto como feminista pelas ativistas canadianas), elas também faziam o trabalho doméstico sem ajuda dos homens. Para as Canadianas, não fazia sentido. Elas não percebiam a dicotomia destas mulheres.

No seu livro, a doutora Miranda descreve várias greves e ações das Portuguesas. E uma destas greves ocupa bastante espaço no seu livro: a greve do First Canadian Place no centro financeiro de Toronto em 1984. Esta greve foi uma das mais seguidas pelos jornais. “Como historiadora dependo muito da matéria que encontro para contar histórias. E no caso de histórias que falam de mulheres da classe social mais baixa, é geralmente difícil encontrar matéria. Tive muita sorte” explica.

Mas se a greve de 1984 ocupa tanto espaço no livro não é só pela numerosa matéria, mas também pela sua importância na história da indústria das limpezas. A greve durou seis semanas, ou seja um período bastante comprido para estas mulheres que ganhavam salários baixos. E quase todas as trabalhadoras participaram: algo que nem sempre acontece. No total, mais ou menos 250 mulheres e alguns homens meteram-se em frente ao prédio onde limpavam.

“Algo que incomodou bastante os Canadianos, foi ver estas mulheres que sempre foram invisíveis. Elas trabalhavam à noite para limpar os escritórios e portanto ninguém as via. E do nada, estas mulheres encontraram-se em frente a este prédio, no centro financeiro de Toronto, durante o dia, a fazerem muito barulho e criarem problemas” relata a doutora.

Segundo ela, a greve mostrou aos Canadianos a identidade destas mulheres que eles nunca tinham considerado. “As crianças estavam na rua com as mães a brincarem. Elas cantavam, dançavam, mas também expressavam palavrões ou bloqueavam carros, a polícia e as pessoas que queriam entrar no prédio ou tira-las da frente do prédio. Demostraram bastante força física e mental” descreve.

Se as mulheres receberam uma aumentação de salário graças à greve, alguns anos depois, muitas delas perderam o trabalho ou tiveram de aceitar salários mais baixos. Um resultado comum naquela época (e ainda hoje) por causa do funcionamento da indústria das limpezas na América do Norte.

Os proprietários dos prédios em Toronto não têm um contrato direto com as pessoas que fazem as limpezas. Têm contratos com empresas que recrutam as trabalhadoras. Portanto, o contrato entre os proprietários e as empresas tem que ser sempre ao preço mais baixo e os salários das empregadas sofrem muito com esta estratégia de contracting out (contratar fora). “O que aconteceu (e que continua de acontecer) é que quando os salários subirão depois das greves, o contrato com a empresa ficou mais caro e os proprietários dos prédios escolheram outra empresa com quem trabalhar” explica Susana.

No seu livro, ela também fala das Portuguesas que limpavam casas privadas e que, mesmo se não se sindicalizaram, também lutaram pelos seus direitos. Segundo a doutora Miranda, estas mulheres criaram uma identidade como profissionais. “Elas sabiam que tinham uma reputação de trabalhadoras serias, eficazes e boas na limpeza porque limpavam as casas como se fossem as delas. E portanto usaram esta identidade de excelentes profissionais para ganharem direitos e respeito. Há muito orgulho da parte destas mulheres por serem capazes de limpar as casas mesmo bem” acrescenta.

Hoje em dia, bastantes mulheres que fazem limpezas em Toronto ainda são Portuguesas. E se a comunidade portuguesa não prestou muita atenção quando estas mulheres começaram a ser ativistas nos anos 70, tem agora mais orgulho nesta parte da sua história.

“Naquela época, a comunidade portuguesa era maioritariamente formada por homens do continente que tinham uma educação (mesmo se fosse o mínimo). Portanto, tinham pouca consideração pelas mulheres proletárias sobretudo aquelas que vinham dos Açores. A não ser alguns ativistas da esquerda, o resto da comunidade não estava interessada nestas mulheres” explica a doutora.

Para Susana, atualmente “pode-se falar destas coisas sem vergonha. As mentalidades mudaram bastante e as pessoas veem o ativismo destas mulheres como heroísmo”. Em 2021, um mural do artista Vhils (Alexandre Farto) dedicado à luta destas mulheres foi inaugurado no bairro portuguese de Toronto Little Portugal (Pequeno Portugal). E foi, aliás, a doutora Miranda que deu a matéria ao artista para a criação do mural.

“Agora quero traduzir o livro em Português porque acho que a história destas mulheres é importante e gostaria que as pessoas que não falam Inglês possam ler este livro. Também gostaria que as pessoas em Portugal possam um dia ler o livro para perceberem melhor a diáspora portuguesa” finaliza.

Andreia Saraiva / Correspondente em Toronto (Canadá)
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