AMI – hospital-bangladesh-timothy-lima
Quem não conhece Fernando Nobre, o fundador da AMI? É médico, tem duas especialidades: Cirurgia Geral e Urologia. Fez a sua formação académica na Universidade Livre de Bruxelas, onde viveu vinte anos. Foi lá que se licenciou e tirou as duas especialidades médicas. Em termos académicos acabou o seu percurso em Lisboa enquanto professor catedrático convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde em 2001, recebeu o Doutoramento Honoris Causa, pela mesma Faculdade. Foi ao longo dos anos e fruto do seu trabalho agraciado com vários títulos. É grande Oficial da Ordem do Mérito, é Cavaleiro e Oficial da Legião de Honra de França. É Comendador da Ordem da Coroa da Bélgica, Cavaleiro da Ordem Nacional do Leão do Senegal. “Sou o fundador da Fundação AMI que assinala 40 anos em 2024. Presidente desde a primeira hora desta instituição. Antes disso tinha sido administrador da organização Médicos Sem Fronteiras, na Bélgica”, revela-nos Fernando Nobre.
“O que se pode dizer sobre a AMI”?”, interroga-se o médico. “É uma Organização que já esteve presente em termos humanitários em 82 países do mundo, em todos os continentes, África, Ásia, Europa e América (Centro e Sul).”
Em termos nacionais, a AMI começou a sua ação social junto das populações mais desfavorecidas em 1994, dez anos depois da sua fundação. Os primeiros dez anos foram exclusivamente vocacionados para o mundo. E isso tem a ver com o percurso pessoal de Fernando Nobre, porque nasceu em Angola, em 1951. Depois mudou-se para o ex-Congo Belga, “com os meus pais, tinha então 12 anos, e depois com 15 anos, o meu pai enviou-me para estudar para a Bélgica, onde eu acabei por viver 20 anos”.
A AMI, em termos de ação nacional, começa em 1994. Desde então, até agora abriram 15 equipamentos e respostas sociais, os chamados Centros Porta Amiga, “onde os mais desvalidos e pobres do nosso país vão comer, sendo também apoiados em termos psicológicos, jurídicos, médicos, entre outras respostas no âmbito do trabalho de acompanhamento social. “Estão um pouco espalhados por todo o país, nomeadamente em Gaia, no Porto, em Coimbra e em Lisboa. Em Almada também e ainda nas Ilhas. Contam com dois abrigos para os sem abrigo em Lisboa e no Porto, com duas equipas de rua que dão apoio a essa população.
O Presidente da AMI destaca ainda que são também responsáveis pela distribuição alimentar no distrito do Porto. Têm uma obra social em Portugal há 30 anos, vasta, e que se mantém em vigor até hoje. Por outro lado, desenvolvem também uma ação ambiental no país.
Fundou a AMI em 1984, e em 1994, começou a Ação Social em Portugal com a abertura do primeiro centro social em Lisboa, depois estendeu-se a outras cidades. E 10 anos depois, em 2004, foi criado o Departamento Ambiental, que tem múltiplas ações para o país no sentido da recolha de resíduos, como óleo alimentar, as radiografias que são recicladas e de onde se extrai a prata, (desde 1996 a AMI já contribuiu para a reciclagem de 1.726 toneladas de radiografias), a reflorestação, nomeadamente, no Pinhal de Leiria, mas não só. Renovar todos os anos hectares de terreno ardido. E, por isso, “também temos uma atividade ambiental espalhada pelo país. Sinto imenso orgulho em ter fundado esta casa e que ela se tivesse mantido viva e dinâmica estes anos todos”.
Estiveram presentes em vários cenários de grande emergência, sendo de destacar apenas alguns: Primeira Guerra do Golfo, o genocídio no Ruanda, o tsunami no Sri Lanka, o terramoto no Haiti, mais recentemente o terramoto na Turquia e na Síria, o terramoto em Marrocos. Tem sido uma ação muito vasta em termos de emergência médico-humanitária no terreno, o terramoto no Paquistão. O terramoto no Irão em Bam, em 2003, mas, também, na área do desenvolvimento, junto das populações rurais mais pobres, tentando criar nessas regiões modos de melhorar as condições de vida dessas populações, criando postos de saúde, escolas, hortas comunitárias, assegurar a distribuição de água, “uma ação muito diversificada.”
Tudo isto somando mais de 82 países, que vão da Papua Nova Guiné ao Brasil, sobretudo o extremo e médio Oriente e para a faixa de Gaza, através da Cisjordânia, – o Presidente da AMI foi lá pessoalmente entregar três ambulâncias em 2019 – bem como apoio financeiro para a compra de medicamentos para tratamento de pessoas com cancro em 2006. Atualmente, a AMI está também a apoiar uma organização local na Faixa de Gaza, tendo já enviado 10.000 euros que foram aplicados na compra de alimentos.
É uma panóplia vasta de países, “que continuamos a ajudar bem como em países onde Portugal tem uma presença histórica e que não nos esquecemos deles”. Têm uma grande ação no Sri Lanka, na Índia, e no Bangladesh, onde, “espero, ainda este ano, ir inaugurar o segundo hospital. Este hospital fica ao pé da reserva natural do Tigre do Bengal, no Delta do Rio Ganges que vai desaguar uma parte na Índia e outra parte no Bangladesh. Teve o seu início em 2017, que inclui um instituto de formação em diversas áreas da saúde. No Sudoeste do Bangladesh, na região de Satkhira, o hospital público mais perto tem um número bastante reduzido de médicos e enfermeiros para dar resposta às necessidades de 700.000 habitantes, apenas uma ambulância e um número de camas muito insuficiente. O novo hospital compreende outras valências tais como: formação de enfermeiros e de outros técnicos de laboratório.
Desenvolvemos ao longo da nossa história, projetos junto de comunidades de mulheres luso-descendentes na Argentina, e junto da Comunidade portuguesa na Venezuela, nomeadamente apoio médico e acesso a medicamentos. “E na altura, a ajuda nas inundações em Vargas. Também atuamos no Quénia junto das comunidades em Melinde e em Mombaça. Na Argentina, no Chile, Brasil, na Venezuela, e em países em África onde temos comunidades portuguesas.”
Donde veio o desejo de fundar a AMI?
Desde jovem, quando ainda vivia na Bélgica, foi para lá com 15 anos sozinho, “o meu pai mandou-me estudar para lá, e vim para Portugal continental com 35, ou seja, vivi fora 20 anos”.
Quando terminou o liceu, já se avizinhava a sua vocação pela vontade de se envolver em atos de cidadania. Terminou o liceu com 18 anos em Bruxelas, e foi voluntário numa instituição para crianças autistas.
Quando se formou em medicina, começou a participar como médico na Amnistia Internacional. Dois anos depois, “comecei a atuar na associação Médicos Sem Fronteiras”, da qual foi administrador e, é na sequência das suas ações no quadro da associação Médicos sem Fronteiras, em França e na Bélgica, que Portugal vem a tomar conhecimento, que há um médico português “que anda a fazer missões humanitárias enquanto médico”, e em 1983 na sequência de uma reportagem que a “rádio Televisão Portuguesa faz comigo no Chade, o então Ministro da Saúde de Portugal, António Manuel Maldonado Gonelha, toma conhecimento que eu existo.” A atuar em missões pelos Médicos sem Fronteiras.
“O Ministro na altura escreve-me e na sequência dessa carta eu decido vir a Portugal. A primeira vez que eu entrei em Portugal continental foi no Verão de 1975, sendo que eu nasci em 1951.” Veio ao país das suas origens paternas, – as maternas têm várias origens: desde a Holanda, França, Dinamarca, Bélgica, Alemanha, Suíça, Áustria, Escócia, Inglaterra. “Enfim, as origens da minha mãe estão sobretudo aí no norte da Europa.”
“O meu pai não”. Do lado dele, as suas origens são da Beira Alta e do Douro. “Sempre me senti português e nunca me quis naturalizar Belga. Porque sei que o meu pai era muito português na alma, talvez o iria magoar, daí nunca me ter naturalizado. Embora a minha primeira mulher seja belga, os meus filhos mais velhos têm 44 e 42 anos, nasceram em Bruxelas, e também tem duas filhas mais novas de mãe portuguesa, que nasceram em Portugal.”
Em 1983 vai fazer uma missão no Chade, onde já tinha estado em 1981, quando houve a guerra da Líbia e do Chade. Nesse ano, a RTP – Rádio Televisão portuguesa manda uma equipa acompanhá-lo na missão, no Chade. A reportagem teve muito impacto em Portugal. “Daí o Ministro da Saúde, ter-me escrito, decido vir viver para o país de origem do meu pai e mudei-me para Portugal.”
Nasceu na província ultramarina em Angola, em 1951. Decidiu lançar em Portugal um projeto que se assemelhasse aos Médicos sem Fronteiras, já que na altura era o único médico português, a atuar nessas circunstâncias. E assim foi, mudou-se para Portugal simultaneamente, retomou a sua profissão, e recomeçou, anos mais tarde, a sua vida académica na Universidade de Lisboa.
Foi um dos fundadores de um grupo hospitalar privado em Portugal. “Quando cheguei em 1985, as condições para o médico exercer a sua profissão, nomeadamente no Algarve, em clínica privada eram complicadas, devido à certificação profissional. Nunca pertenceu a uma estrutura do Estado em Portugal.
Com a ajuda de todos os voluntários que facilitaram a sua ideia na fundação da AMI, trabalhou em duas causas na AMI e como médico, mas neste momento, há 23 anos que está a tempo inteiro, a trabalhar na Fundação. Deixando a clínica privada com 50 anos, fazendo este ano 73 anos.
A AMI foi-se desenvolvendo, e afirmando como uma presença humanitária portuguesa no mundo, estando presente nos grandes conflitos, nas grandes tragédias naturais. Sejam elas ciclones, terramotos, tsunamis, guerras, genocídios como o de Ruanda em 1994. E como o que está a acontecer agora em Gaza, também enviam financiamento para compra de alimentos aos refugiados de Gaza. Atuam em todos os palcos internacionais, e de tudo fazem para que a ajuda chegue ao destino.
Mensagem aos emigrantes
“Tenho muita admiração pelos emigrantes”. Começa o Presidente da AMI. À entrada da Fundação, em Lisboa, está uma placa de mármore com uma frase que escreveu há muitos anos, onde se lê: «as piores doenças da humanidade são a intolerância e a indiferença» A mensagem que pretende deixar aos emigrantes e às comunidades espalhadas pelo mundo, sejam elas na América do Sul, na América Central, na Ásia, África e noutros países europeus, é dizer-lhes “o quanto os admiro, porque sei o que é a vida numa comunidade, eu, por via dos meus pais, fiz parte da comunidade portuguesa no Zaire, hoje República Democrática do Congo, sei o que é ter uma vida de emigrante. Por outro lado, vivi na Bélgica e por isso também sei o que é viver em comunidades nessa região da Europa. Bem como a Bélgica, França, a Alemanha, a Holanda, conheço-as bem”. “E desde já a minha admiração e um profundo carinho que tenho pelas comunidades de emigrantes.”
O mundo está muito incerto e muito atribulado, cada vez mais as obras sociais e humanísticas e humanitárias são essenciais para combater “o tal egoísmo, indiferença, e intolerância”, preocuparmo-nos com os outros, é um imperativo. “E Nenhum de nós sabe o que poderá advir nesse mundo extremamente perturbado, e o que poderá chegar num prazo de cinco anos, ninguém.”
Sente um enorme carinho e admiração pelos emigrantes. Só tem pena que as nossas comunidades não sejam valorizadas como merecem, porque Portugal teria muito a ganhar com o reconhecimento da existência dessas comunidades e do trabalho extraordinário que fazem cada uma no seu respetivo país. Portugal seria mais forte em termos diplomáticos, em termos geopolíticos, em termos sociais, em termos culturais, em todos os termos que definem uma sociedade humana.
“E não estou a dizer isto por motivos políticos, não sou candidato a coisa nenhuma.” Fernando Nobre só tem duas preocupações essenciais: a Fundação AMI, o meu lar e os meus quatro filhos.” Um rapaz e três raparigas. E Portugal só teria a ganhar se soubesse “acarinhar, valorizar, reconhecer, estimular, as nossas comunidades no mundo.”