Brio – o sentimento que induz a cumprir o dever ou a fazer algo com perfeição ou sentido de responsabilidade -, brio, esta palavra que embora pertença ao dicionário e que, eu, aqui transcrevo o seu significado, se pode encontrar em declínio, não por falta de inteligência ou de avanços técnicos e de novas ferramentas, mas porque a velocidade do mundo atual aliada à nossa natureza preguiçosa tornou o nosso trabalho em decorar fórmulas e não em pensar, raciocinar. Brio existe, sobretudo, quando deixamos de lado mantras e tentamos entender como aquilo em que trabalhamos, ou no qual somos profissionais, funciona. Isso é muito importante em todas as áreas desde o atendimento à política, desde o campo à saúde. Mas foquemo-nos, hoje, na última.
É triste que, enquanto farmacêutico, encontre uma classe de vários profissionais de saúde, desde os médicos ao pessoal de farmácia, que vê o doente no espetro de um algoritmo simples, no qual perante uma doença, dor ou urgência, não é tida em conta a sua história de patologias, de medicamentos que toma e, sobretudo, a necessidade de esse mesmo – o paciente – entender a sua terapia no seu porquê. O paciente é como uma história e se ele for visto, somente, como um input para o qual se faz um output terapêutico, mais que o ajudarmos, podemos na verdade estar a perpetuar crenças e incentivos de automedicação e, por conseguinte, de falsa simplicidade. Embora as pessoas se preocupem com o que comem, com os riscos da condução, com o clima e com tudo um pouco, noto que os utentes não estão devidamente consciencializados dos riscos inerentes aos medicamentos que tomam e, essencialmente, sentem-se como médicos do seu corpo, como se um racional terapêutico fosse tão evidente como mudar o canal na TV. Creio que a primeira obrigação do profissional de saúde, mais do que prescrever, executar ou dispensar um determinado tratamento, passe antes por explicar o porquê de o fazer. E como? Salientando a vantagem de o fazer, apontando os efeitos adversos desses fármacos e, por último, e fundamental, tendo presente o risco de eventuais interações medicamentosas que possa resultar desses fármacos. Isto é, qualquer fármaco não pode ser prescrito nem dispensado sem ter, em devida conta, que outros medicamentos ou suplementos o utente toma, bem como patologias que esse apresente.
E pela realidade que presencio isso não acontece como deveria porque a saúde está a tornar-se um mantra, em que simplesmente se repetem prescrições massificadas, e que mostram que os profissionais não conhecem os mecanismos de ação dos fármacos que passam. Ser profissional não devia passar apenas por perceber que determinada patologia exige uma lista x de fármacos, mas antes em conhecer que mecanismos de ação são responsáveis pela atividade desse fármaco e no modo como o nosso organismo absorve, distribui e elimina essa droga. Entender mais que decorar dará ao especialista a capacidade de antever eventuais interações escondidas que poderão ocorrer se o utente tomar no mesmo período um suplemento ou outro medicamento mesmo com um propósito de saúde diferente do primeiro. Perceber isso é tão fundamental que se a qualidade da saúde prestada no nosso país tivesse mais presente esse raciocínio clínico, por conhecimento e não por mero decorar de nomes, seria claramente superior e mais personalizada. Essas ferramentas existem e temo que não estejam a ser usadas porque a atual medicina, farmácia e nutrição que se pratica virou algo tão segmentado que cada especialista trabalha apenas com o seu órgão e não vê a grande imagem. E isso não é por falta de tempo, não é por falta de recursos, é por falta de brio.
Não importa qual seja a área, seja saúde ou outra, o profissional deve ser como o filósofo e ser humilde procurando todos os dias conhecer mais, apesar do caminho de estudo que já fez, porque quanto mais sei mais consciente estou, tal como o pai da Filosofia, Sócrates, “só sei que nada sei”.
Autor: Pedro Miguel Santos