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Segunda-feira - 9 Dezembro 2024

Cônsul da Califórnia fala sobre as Comunidades Portuguesas em exclusivo

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O Jornal Comunidades esteve em contacto com o Cônsul, Pedro Pinto, na Califórnia, e fez-nos uma incursão sobre a sua posição naquele Consulado, bem como sobre a Comunidade Portuguesa que lá vive e os grandes feitos em terras Norte-Americanas.

Jornal Comunidades – Como diplomata, e uma carreira tão preenchida, como vê os portugueses nos sítios onde passou?

Cônsul Pedro Pinto – Empreendedores, com notável ética de trabalho, forte ligação a Portugal, assinalável espírito de entreajuda e grande capacidade de adaptação e integração – a propósito disso, lembro-me sempre de uma frase de Fernando Pessoa: “Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo”. A comunidade portuguesa na Califórnia, composta por 350 mil pessoas, é o exemplo de tudo isto. Está muito bem integrada, tem forte relevância política, económica e cultural, e conjuga-o com admirável ligação a Portugal e impressionante espírito associativo, celebrado das “Festas do Espírito Santo” às touradas.

Outro caso que enche de orgulho é o da comunidade de lusodescendentes no Hawaii (que representarão 10 a 20% da população local), em que pessoas que chegam a ser de nona geração – fruto da vaga migratória entre 1878 e 1913 – mantém uma ligação cultural a Portugal que é comovente. A influência portuguesa está por todo o lado no Hawaii, do ukelele (cavaquinho levado por portugueses para aquele arquipélago) à gastronomia (malassadas, pão doce, linguiça, etc.

JC – Que tipo de iniciativas pode um cônsul fazer na sua comunidade?

CPP – A primeira responsabilidade e razão primordial de um consulado é prestar o melhor serviço consular possível à comunidade na sua jurisdição, correspondendo às necessidades dos portugueses que servimos. Para tal há que avaliar constantemente o que podemos fazer melhor com os recursos disponíveis. Por exemplo maximizar as visitas consulares, em que um funcionário do Consulado se desloca a outras cidades da jurisdição para atendimento ao público, evitando que as pessoas se tenham que deslocar, no nosso caso, a São Francisco, que serve quase metade do território dos Estados Unidos.

É também essencial uma relação de proximidade, com consciência que um cônsul representa Portugal para a sua comunidade. Por isso, a presença nas celebrações da comunidade e o contacto direto com as pessoas é muito relevante – neste ano e meio estive um pouco por toda a Califórnia e visitei 11 dos 13 Estados desta jurisdição, com o objetivo prioritário de me encontrar com portugueses que lá vivem e estimular o seu associativismo. A isto acrescem formas criativas de enaltecer no país de acolhimento e em Portugal os feitos de membros da comunidade. Por exemplo, através das redes sociais – tivemos centenas de milhares de visualizações em publicações sobre o basquetebolista Neemias Queta ou o guitarrista Nuno Bettencourt.

A promoção económica e cultural dos interesses portugueses no país de acolhimento cruza-se muitas vezes com ações relevantes para a comunidade portuguesa, por isso há que explorar essas sinergias. Um caso prático recente foi a “Portugal restaurant week” que organizámos na Bay Area de São Francisco e foi um sucesso. Também é importante para a comunidade, promovermos uma boa imagem de Portugal.

Algumas outras iniciativas com impacto na comunidade que estamos a desenvolver na Califórnia são:

– Aumentar o número de escolas que ensinam Português (temos 30 na Califórnia);

– Promover redes informais de contacto e troca de experiências entre portugueses e luso-americanos em diferentes setores, da academia à tecnologia;

– Dinamizar as parcerias de cidades-irmãs e estimular novas geminações (teremos novidades em breve), porque a cooperação a nível local tem impacto direto nas pessoas;

– Apoiar a atividade de organizações comunitárias de cariz social, como a POSSO, a VALER e a Bom Samaritano, que tanto fazem para ajudar os que na nossa comunidade menos têm e mais precisam, e merecem a generosidade de quem pode contribuir.

– Apoiar parcerias entre universidades portuguesas e californianas, incluindo a facilitação do intercâmbio de estudantes da diáspora, tendo também em conta o programa “Study in Portugal” da Fundação Luso-Americana (FLAD); e,

– Promover ações que fomentem a ligação a Portugal das gerações mais novas da comunidade. Por exemplo as “Portuguese Heritage Nights” de grandes clubes desportivos como o Golden State Warriors, os San Francisco Giants, os San Jose Earthquakes ou os San Jose Sharks.

Por fim, quanto ao desafio que algumas associações comunitárias me têm sinalizado devido a escassez de recursos financeiros e humanos, embora a decisão caiba às próprias comunidades, acrescentaria a sugestão que tenho transmitido de que ponderem fusões e consequentes economias de escala. As fraternidades portuguesas na Califórnia são o exemplo.

JC – Gosta da sua profissão, ou havia mais alguma profissão que o apelasse?

CPP – Gosto muito. Apesar dos desafios inerentes, sobretudo no plano familiar, não concebo outra profissão. Cresci com uma certa tradição de diplomacia e serviço público na família. E depois de uma curta experiência no Banco Mundial, tive a certeza que queria ser diplomata. É um privilégio servir Portugal e os portugueses, e ter a experiência de vida que resulta da conjugação entre viver em Portugal – que considero o melhor país do mundo – e em cinco ou seis outros países. Mas se tivesse tido talento suficiente talvez tivesse gostado de ser surfista profissional… E depois de me reformar seria interessante dar aulas, para partilhar experiência e manter contacto próximo com o futuro, através dos jovens estudantes.

JC – Com tantas experiências na bagagem qual foi a coisa mais fácil e difícil de fazer, e a que lhe custou mais, pode partilhar connosco?

CPP – A experiência mais estimulante e que me deu mais satisfação foi ser “election officer” na campanha de Portugal para o mandato no Conselho de Segurança das Nações Unidas em 2011-12. Também gostei muito de trabalhar na pequena equipa da campanha do Eng. António Guterres para Secretário-Geral das Nações Unidas em 2016.

A função mais exigente e em que aprendi mais foi ser “antici” (chefe de gabinete do Representante Permanente) na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia durante a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, em 2021. Exercício de complexidade extrema e intensidade tremenda no qual atingimos resultados excelentes.

O ato mais difícil e muito triste foi, já como cônsul-geral em São Francisco, confirmar ao telefone a uma Mãe em Portugal a morte num desastre de uma Filha que visitara a Califórnia. Jamais esquecerei a sua dignidade perante a dor. É algo que nos faz pôr tudo em perspetiva. Este elemento de relação humana diferencia a função consular das demais experiências diplomáticas e é marcante.

JC – Uma vida sempre com a casa às costas (vida de diplomata), como faz para matar saudades de Portugal?

CPP – Como disse o Senhor Presidente da República na visita à Califórnia em setembro passado: “Onde estiver um português, está Portugal”. Estando com a comunidade portuguesa na Califórnia tenho a sensação de estar perto do nosso país. No dia a dia, a evolução dos meios de comunicação também facilita muito a encurtar a distância. E vou a Portugal uma vez por ano. É essencial para dar raízes aos nossos filhos, estar com família alargada e amigos de toda a vida.

JC – Para finalizar. Que palavra dá ou daria a um português que quisesse emigrar?

CPP – O ideal é que os portugueses se realizem pessoal e profissionalmente em Portugal, país com grande potencial de oportunidades e que proporciona uma qualidade de vida que é reconhecida pelo elevado e crescente número de estrangeiros que o procuram para turismo, negócios ou viver. No mesmo sentido, convidaria os emigrantes portugueses a considerarem regressar a Portugal, aproveitando os vantajosos programas específicos que o nosso país dispõe para tal.

Mas se um português entender que, por um período, o melhor para si e a sua família é emigrar, aconselharia a reconfirmar a solidez do desafio profissional e das condições, e a não subestimar a exigência emocional da mudança. Acrescentaria que, uma vez no destino, vale a pena estabelecer contacto com portugueses que já lá vivam, e poderá contar com a rede consular portuguesa.

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