Rua em Moçambique
César Chiyaya, analista político angolano, deu-nos a sua opinião sobre o que se está a passar atualmente em Moçambique e na Guiné-Bissau, dois países, uma realidade idêntica. O investigador refere que este problema já tem pelo menos 50 anos, e que estes dois países dos PALOP e CPLP, radicam da mesma equação: “crise existencial.”
Em breves linhas, diga-nos o que é que está acontecer em Moçambique neste momento? E o porquê da escalada do conflito?

Sou Angolano, residente em Portugal, Analista e Investigador Político, e estou inteiramente ligado ao que está a acontecer em Moçambique. Temos vindo a desenvolver muitos trabalhos no sentido de podermos também ajudar a nossa Comunidade. Afinal, Moçambique é membro da CPLP e dos PALOP e também da Comunidade Económica de Desenvolvimento dos Países da África Austral, (SADC).
O que acontece em Moçambique, acontece em Angola, no Zimbabué, estamos todos envolvidos, de modo a ajudarmos de alguma forma. Diria, que no fundo, é uma crise existencial, ou seja, é um problema que remonta há mais ou menos 50 anos, porque estaríamos a ser redutores se reduzirmos esse problema como se fosse apenas a uma crise pós-eleitoral. Não, é um conjunto de fatores e têm razões antropológicas.

Ou seja, Moçambique é um Estado que nasceu de um conceito pós colonização portuguesa, e que a sua Constituição, enquanto Estado, nasce nas asas, do ponto de vista ideológico Comunista, ou seja, de partido único desde 1975. Só chegou a realizar as primeiras eleições multipartidárias em 1994, mas também as eleições multipartidárias, numa condição quase que imposta por uma questão financeira das Organizações Internacionais Ocidentais, nomeadamente o FMI e o Banco Mundial, que precisou, de ter acesso aos empréstimos para poder sustentar o sistema.
Podemos dizer que esse é um problema que desde então limitou às liberdades individuais do cidadão Moçambicano. A falta dessas liberdades fez com que de 1975 para cá, a situação viesse a piorar aos poucos. De partido Único, constitui o seu multipartidarismo em 1994. De lá para cá, realizaram-se quatro eleições multipartidárias, depois da morte de Samora Machel.
Mas desde então tem vindo a ocorrer fraudes eleitorais escandalosas, ou seja. Este é fruto de uma frustração de várias gerações, por assim dizer, e hoje chegou-se a esse ponto porque a sociedade moçambicana é maioritariamente jovem e surgiram novos atores políticos que querem fazer a diferença, que querem fazer mudanças mediante aquilo que são as condições sociais.
Moçambique está aberto ao mundo. Hoje em dia a juventude tem cesso às redes sociais, e vê o que é que acontece noutras latitudes, a juventude de outros países têm acesso ao desenvolvimento social, económico, e em Moçambique isso não existe. Ou seja há um conjunto de fatores que têm vindo a degradar-se nos últimos 50 anos.
Se quisermos entender esse problema, temos de partir daí. Não reduzir a crise como se fosse uma simples crise pós-eleitoral, não, é um problema que tem mais ou menos meio século e que tem adiado a sua resolução e é mais ou menos por aí que devemos partir na compreensão desse problema.
Qual é a via para a saída desta crise? O que é que no seu entender deve mudar, quer seja em Moçambique, ou na Guiné-Bissau, que enfrenta um problema idêntico? Os países da CPLP, nomeadamente os africanos, têm problemas semelhantes. À exceção de Cabo Verde, o que é que se passa com estes países que estão em constante convulsão política?
A questão da Guiné-Bissau, é bastante peculiar, uma vez que há quase 15 anos que o PAIGC, o partido que liderou o país à independência não consegue governar devido a crises políticas recorrentes ou golpes.
O que está a acontecer na Guiné é uma questão que está ligada ao seu Presidente, que é um militar, e está a tentar instaurar um regime militar, cuja política é baseada no Presidencialismo, inventado por si mesmo, ou seja, acabou com o Parlamento, trancou as portas, comprou correntes, pôs o exército a cuidar das portas, para que o Parlamento não funcionasse, e ele governa o país há três, quatro anos, mediante aquelas medidas presidenciais militarizadas.
A crise na Guiné-Bissau resulta, em grande medida, de alguma falta de responsabilidade e imaturidade política por parte do atual Presidente da República. Que de forma unilateral, decidiu que os partidos políticos não podem exercer os seus direitos democráticos, assumindo-se como a única figura com legitimidade para determinar o que é certo ou errado. Com o consequência, políticos da oposição, incluindo o líder do PAIGC, vivem no exílio, temendo represálias. Caso o presidente do PAIGC retorne à Guiné-Bissau, corre o risco de ser preso.
Eu diria que a crise da Guiné é mesmo uma questão política, ou melhor, um desejo do Presidente atual daquele país, que não tem uma relação direta com o problema de Moçambique, porque o problema de Moçambique tem a ver com uma questão de arrogância do partido libertador que se acha no direito de governar o país, sem perguntar aos cidadãos se concorda com as políticas sociais, económicas, e se quer participar ou não na política ativa do país.
A crise da Guiné-Bissau é essencialmente uma questão de ambição política por parte do Presidente, enquanto que a crise em Moçambique é fruto de um problema estrutural associado ao ego do país libertador, a FRELIMO. Este partido acredita ter o direito absoluto de governar o país, ignorando a vontade dos cidadãos e recusando-se a ouvir as opiniões públicas sobre as políticas sociais, económicas e sobre a sua participação no sistema político.
A saída possível da crise moçambicana passa pela reposição da verdade eleitoral. Fala-se de negociações e de diálogo, mas em que condições isso ocorrerá? O que será negociado? No fundo, os cidadãos apenas exigem que os votos sejam contabilizados de forma justa e que se traduzam nas políticas dos próximos cinco anos. A reivindicação central dos cidadãos é a reposição da verdade eleitoral, algo que, infelizmente, as instituições republicanas de Moçambique têm impedido de concretizar.
A única saída possível, pelo menos naquilo que é dito pelos cidadãos e a pessoa que lidera este movimento. O próprio Venâncio Mondlane se chegue à verdade eleitoral. Contando os votos entregar o poder a quem realmente venceu a eleição. Porque também há outra questão, é muito provável que o próprio Mondlane não tenha ganho as eleições.
Também é possível que a Frelimo tenha ganho as eleições, mas a verdade eleitoral é imperativa, não é só dizer que ganhou, sem que efetivamente se comprove como ganhou, são um conjunto de condições complexas que têm que ter uma resolução, mas não é fácil.
Eu eu acho que a única saída é a verdade eleitora. Se é necessário realizar uma outra eleição. É uma discussão muito complexa porque o próprio Mondlane diz que não, não olha muito bem esta ideia porque ele acredita que venceu as eleições, deve simplesmente contar-se os votos e dar-lhe o poder.
E os cidadãos também não confiam de maneira nenhuma, numa repetição do processo, porque também estarão submetidos no mesmo sistema fraudulento, mas do ponto de vista legal, não há condições institucionais para realizar novas eleições, porque a decisão do Conselho Constitucional é irrecorrível.
Tomou aquela decisão e ponto final, a resistência que está nas ruas e a pessoa que lidera este movimento, é no sentido de, se possível, algum tribunal local possa efetivamente repor algum processo, mas que do ponto de vista técnico também não é fácil.
Eu acho que a única saída que há, podia ser a solução que o ANC encontrou na África do Sul, foi fazer um governo de Unidade Nacional, trazer o pessoal de Venâncio Mondlane ao Governo. Tentar negociar alguns ministérios para que o seu eleitorado se sinta representado neste governo, e ser formado neste Governo de unidade nacional.
A meu ver, esta seria a solução mais ideal, ou pelo menos o caminho mais curto e que pudesse evitar mais sofrimento para os cidadãos, porque as coisas chegaram a um ponto em que não há condição nenhuma de o cidadão simplesmente parar de se manifestar até que chegue uma solução que eles entendam que realmente apesar da fraude, ainda assim minimizou-se o desprezo pelo pelo voto do cidadão. Por isso é que a criação de um governo de unidade nacional seria um saída mais ou menos aceitável .
Para Guiné-Bissau, a solução neste momento, sendo que os partidos políticos estão praticamente proibidos de exercer as suas funções, nomeadamente a Assembleia Popular da República da Guiné-Bissau. A única solução que há, são os tribunais tomarem uma decisão, convocar eleições, que não dependa de uma decisão presidencial, porque o Presidente atual não está mesmo interessado em realizar eleições.
Por isso que a única saída que pode haver, pois já nem sequer permite manifestações de rua, é a resolução via Tribunal, no caso do Tribunal Constitucional tomar uma decisão e determinar por lei. Pois no que depender do atual Presidente Umaro Sissoco Embaló, não se chaga a lado nenhum. Porque sabe que se as eleições se realizarem tal como aconteceu nas eleições legislativas, o povo castigou quase a 100 por cento o seu partido, não conseguindo eleger um único governador nas autárquicas.
Então vai protelando e adiando as eleições para poder manter-se mais algum tempo no poder. Eu penso que só os tribunais podem agir nesse momento, porque os partidos estão mesmo proibidos. Está haver sequestros, aliás em Portugal, um ativista da Guiné-Bissau, foi espancado fortemente por homens desconhecidos e que a polícia está a investigar. Acredita-se que por ser um crítico do regime do atual Presidente guineense, e que sejam homens do Presidente que vieram a Portugal para poder passar uma mensagem, intimidá-lo, para que pare de “atacar” o Governo. Eu acho que ainda está numa fase extremamente difícil, um regime militar e que se os tribunais não agirem pode passar as fases aos níveis de Moçambique.
Uma Mensagem para os países dos PALOP, nomeadamente Guiné-Bissau e Moçambique, que estão a passar uma situação financeira, política e económica menos boa?
A minha mensagem é muito simples e prática. Penso que toda uma crise, seja ela económica ou social, tem sempre a mesma raíz; os nossos países, os problemas que enfrentam são quase os mesmos, são problemas estruturais. Precisamos de tomar a consciência. O cidadão tem de efetivamente começar a exigir os seus direitos para que aqueles que estão a dirigir estes países permitam, respeitem e também incentivem a iniciativa privada, porque estas crises económicas que os países dos PALOP enfrentam, no fundo é a falta de iniciativa do próprio cidadão, porque há muita dependência do Estado, as economias são muito estatizadas.
Os Estados não têm capacidade sequer para a acudir à miséria, à fome e falta de infraestruturas. Penso que tem de haver uma ação cívica por parte do cidadão a exigir mais liberdades para que se possa respeitar a iniciativa privada e que cada cidadão tenha o direito de fazer a sua própria iniciativa e resolver os seus problemas enquanto cidadão, enquanto comunidade.
E da parte das autoridades, aqueles que têm o poder de decisão. Penso que devem pensar e começar a ponderar e perceber, de uma vez por todas, que esta geração é diferente das décadas e 80 e 90, estamos mesmo a lidar com a geração “Z”, preocupada, não com os erros do passado, não com como foi ganha a Independência destes países, mas estão com os problemas do presente e tentar garantir que haja um futuro melhor, é “malta” jovem que quer efetivamente uma vida melhor.
E, devem pensar políticas mais inclusivas, porque a exclusão social tem causado muitos problemas, não só no que diz respeito às liberdades, mas também porque causa de problemas sociais, porque se o cidadão não participa na política do seu país, não tem iniciativa económica nem política. No fundo, está-se a incentivar à pobreza generalizada, deve haver mais abertura por parte dos governos e uma ação cívica da parte do cidadão.
