Foto: Andreia Saraiva. Na imagem, Cristina Marques, responsável dos projetos de residências da Luso.
De acordo com o Relatório Mundial sobre Deficiência da OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 16% da população vive com algum tipo de deficiência, ou seja 1,3 miliares de pessoas no mundo. Certas pessoas têm deficiência múltipla o que quer dizer que têm duas ou mais deficiências presentes simultaneamente. E em Toronto, a Luso Canadian Chartiable Society ajuda estas pessoas que precisam de um apoio quotidiano específico. A associação acabou umas obras para melhorar os seus serviços e o Jornal Comunidades Lusófonas foi convidado para ver o que foi feito.
Ao chegar no prédio da Luso Canadian Chartiable Society na rua St. Clair em Toronto, já há bastantes pessoas a falar com muita energia. Também há muitos sorrisos porque a associação abriu as portas aos médias e a várias pessoas do governo provincial para mostrar as obras que foram feitas graças a uma subvenção do estado. Depois de uma pequena apresentação da parte da Heather Grand, a diretora executiva da Luso, começa então uma visita às salas onde foram realizadas as obras e os utentes dizem “Olá!” e acolhem todas as pessoas com sorrisos no espaço que se tornou a segunda casa deles.
No final da visita, Cristina Marques, a responsável dos projetos de residências da Luso, está à espera na biblioteca para uma entrevista exclusiva com o Jornal Comunidades Lusófonas. Ela nasceu em Lisboa e viveu em Canas de Senhorim até aos 10 anos antes de emigrar com os pais para o Canadá sempre esteve muito próxima da comunidade portuguesa de Toronto. Já fez parte do conselho de administração da associação mas desde de 2022 decidiu focar-se nos projetos de residências. “Faço parte da comunidade há muitos anos. O Jack Prazeres que é o presidente da Luso mas também o nosso capitão convidou-me para fazer parte do conselho de administração e eu, com muita honra, aceitei. Entretanto houve a pandemia, tinha acabado uma função com o estado e descobri que eu não sei estar em casa, que preciso de me manter ativa. A melhor maneira que eu encontrei para me manter ativa foi de trabalhar ainda mais para a Luso. E tenho uma gratidão enorme por eles me aturarem todos os dias e me deixarem fazer parte deste projeto”, conta um sorriso nos lábios.
A subvenção que receberam da parte do governo provincial tinha como objetivo de melhorar o consumo energética do prédio, fazer com que seja mais sustentável e sobretudo melhorar o prédio para os utentes e as suas necessidades futuras. “Na sala principal, criamos muros transparentes que podem mover-se para dividir a sala quando for preciso. Durante a pandemia foi difícil isolar os utentes uns dos outros e portanto tínhamos mesmo que fazer essa modificação. No piso de baixo não havia luz que chegue e então adicionamos paneis luminosos para uma melhor perceção sensorial dos pacientes”, explica Cristina Marques.
Mas se esta subvenção foi útil para a Luso, Cristina sabe que não pode contar com as ajudas do estado para “manter as portas abertas”. “O único apoio que nos vem do governo é quando nós fazemos um pedido de subvenção. E isso só acontece quando o estado se lembra que tem dinheiro a mais e então decide distribui-lo. É como se dermos a cem cães um osso: se tivermos sorte somos aprovados para receber uma subvenção, senão temos que ir à procura de fundos a outros lados”, esclarece.
A associação recebe donativos da parte da comunidade, nomeadamente da parte das empresas, durante o ano inteiro e também através de eventos para angariar fundos. Por exemplo, A Volta que acontece no verão é uma caminhada onde as pessoas prometem um certo montante por uma certa distância percorrida a caminhar, a andar de bicicleta, a correr, etc. Este evento que decorre todos os anos, juntou 1000 participantes em 2023. Além da Volta, também há um torneio anual de golfe, o festival Taste of Portugal e outros eventos que permitem à associação de funcionar.
“Os nossos utentes todos pagam uma mensalidade modesta porque têm as suas pensões e algum apoio do estado mas também têm que comer, comprar medicamentos e pagar as despesas. Por isso, somos muito calculosos da maneira com que lidamos com os nossos utentes e uns precisam mais do que outros. Mas nós também reconhecemos que temos que levar alguma coisa pelos serviços porque temos que pagar a luz, a água, os impostos, as pessoas que trabalham connosco, etc. Todos os dias, agradecemos do fundo do coração à comunidade pelo apoio que nos dão porque não era possível manter as portas abertas sem este apoio”, conta.
E de fato, desde a sua criação até agora, a associação tem crescido graças à comunidade portuguesa e às comunidades que vieram aos poucos juntar-se aos portugueses. “Somos uma organização com muito gosto e prazer nas nossas raízes mas damos apoio a toda a gente. Tudo começou em 2002 quando um grupo de empreendedores portugueses notou que as pessoas com deficiências motoras e outras na comunidade precisavam de auxílio e apoio. Ao gerar a ideia e com o apoio da comunidade, em 2004 a associação comprou um prédio e em 2007 nasceu este centro na rua St. Clair. Entretanto em Hamilton, havia um programa que estava a começar de nascer mas não tinha o apoio necessário e então juntaram-se a nós. Daí criamos mais um espaço em Hamilton em 2012 e em 2016 abrimos outro em Mississauga”, descreve.
Nestas três localidades, a Luso oferece programas diários específicos para adultos com deficiências complexas. Desde 2012, o centro em St. Clair também põe à disposição oito quartos para quem quiser dormir. “É por isso que também chamamos este prédio de mini hotel! Os pais podem deixar os filhos um fim-de-semana ou um fim-de-semana comprido ou até se quiserem ir a Portugal uma semana e não podem levar os filhos também podem ficar cá até uma semana. Cada quarto tem o nome de uma cidade na porta e portanto quando ficam para dormir alguns utentes contam aos outros que vão dormir em Paris ou Roma”, relata Cristina alegre.
Mas se podem dar dormida até uma semana, essa não é uma solução a longo prazo para as 300 famílias que recebem o apoio da Luso. “Ao longo dos anos, conforme os utentes da Luso foram ficando mais idosos, os pais também. E então, qual é o maior medo que os pais têm? É o que vai acontecer ao filho ou à filha quando falecerem. Quem é que vai tomar conta deles? Neste momento não há ou há muito poucos sítios dedicados a tomar conta e dar residência com apoio a pessoas com deficiências muito complexas como os nossos utentes. E daí veio a ideia de começarmos a pensar o que se vai fazer para resolver este problema”, sublinha. E efetivamente, 17.000 pessoas com deficiências motoras e outras deficiências estão numa lista de espera para terem auxílio residencial na província do Ontario. Ademais, as pessoas com deficiências múltiplas que perdem os pais e que não têm apoio familiar ou para onde ir são mandadas para lares para idosos onde não recebem o auxílio que precisam.
“O ano passado em fevereiro 2023, apareceu a possibilidade de comprar uma propriedade em Hamilton. É uma igreja que já estava sem funcionar há uns vinte anos. O prédio foi feito em 1924 e portanto é um prédio histórico. Nós não podemos deitar abaixo as paredes exteriores e então o que vamos fazer é que vamos manter e renovar as fachadas mas dentro da igreja vai haver o sítio de programação diário que temos hoje em Hamilton. E o prédio agarrado à igreja vai ser um prédio anexo de 6 andares onde vai haver 30 unidades nas quais haverá residências para 45 utentes”, explica Cristina Marques. Para esta obra vão ser precisos 23 milhões de dólares e a abertura do centro está prevista para Maio de 2025.
A Luso está também a negociar um empreendimento para fazer outra residência em Toronto. “Esperamos que em 2028 ou 2029 estejamos com este projeto em mão. Porque a necessidade é tanta que não vamos ter falta de residentes que queram vir viver para aqui”, acrescenta. A Cristina Marques acredita que “todos temos um lugar na nossa sociedade e algo para dar à sociedade. Os utentes da Luso não são diferentes”. Para mais informações sobre a Luso Canadian Charitable Society ou para fazer um donativo, podem ir ao website da associação www.lusoccs.org.