Estivemos à fala com David Pereira de Castro, que nos contou como tem sido a sua vida desde que saiu de Portugal até rumar para a Dinamarca, onde se encontra presentemente. Fez a licenciatura em Portugal, em Administração Pública no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Esteve durante um período a trabalhar na Secretaria-Geral do Ministério da Economia em Portugal, foi vereador na Câmara Municipal de Odivelas entre 2017 e 2019, e mudou-se para Copenhaga, na Dinamarca. Resultado de uma relação “muito apaixonada”. A sua companheira dinamarquesa e ele viveram inicialmente em Portugal, tendo-se mudado depois para a Dinamarca, no ano 2019. Desde então terminou o Mestrado em International Business and Politics na Copenhagen Business School (CBS), é atualmente Doutorando em Economia Política Internacional, também na CBS e Presidente da SPOT Nordic em Copenhaga.
Na Dinamarca iniciou funções, a trabalhar numa startup como gestor de projetos – a Startup Guide que lhe permitiu continuar a trabalhar com Portugal. Em 2020 iniciou o mestrado em International Business and Politics. No segundo ano, foi convidado a integrar a CBS como investigador assistente e já não saiu. Nessa altura também fez parte da equipa fundadora da associação de portugueses investigadores e profissionais graduados nos países nórdicos, a SPOT Nordic. A SPOT Nordic abrange atualmente os países da Europa nórdica, mais especificamente, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, a Finlândia e a Islândia. Depois de terminado o mestrado esteve um ano como investigador assistente na CBS, tendo iniciado o doutoramento em 2023, que compreende também em dar aulas, quer na licenciatura como em mestrado no programa de International Business and Politics, na mesma Universidade. Em simultâneo tornou-se Presidente da Associação de Portugueses Investigadores e Profissionais graduados nos países Nórdicos – a SPOT Nordic.
Atualmente está numa fase intermédia do seu doutoramento. “Está a decorrer como deveria decorrer, diria até acima das expectativas.” refere David. “Tenho sido responsável por um projeto relacionado com Greenwashing in Global Finance, orientado para o estudo das Global Wealth Chains” que “é um tema bastante relevante para a atualidade”. “Muito difícil de explicar e de identificar, eu faço parte de um conjunto de investigadores que espera trazer um conceito diferente daquele que é hoje aplicado pelos reguladores a nível Internacional e em particular a nível Europeu.”
Enquanto isso, tem feito parte do desenvolvimento da SPOT Nordic, que surge em finais de 2019 e é o resultado da interação entre a Embaixadora de Portugal na Dinamarca à data, Rita Laranjinha, com aquela que é a principal fundadora e primeira Presidente, a Joana Lobo Vicente, quadro da Agência Europeia do Ambiente em Copenhaga. Na altura fez parte da equipa fundadora. Já nessa altura se identificava um crescimento muito grande da comunidade graduada e da comunidade de investigação portuguesa nos países nórdicos, à semelhança do que já tinha acontecido anteriormente no Reino Unido, na Alemanha, em França e nos Estados Unidos e foi assim que surgiu o desafio de iniciar esta organização.
Nessa altura, assumiu funções de direção juntamente com a Presidente e com outros elementos, e em Setembro de 2022 acabou por vir a assumir a liderança da organização. “A Associação representa um conjunto de pessoas que trabalham na área da investigação, em particular nas várias universidades dos países nórdicos e em empresas multinacionais, e que tendencialmente têm ou ambicionam ter alguma interação profissional com Portugal”.
“Quando assumi funções estávamos a trabalhar em garantir a estrutura de representantes nacionais de cada país.” “Começámos na Dinamarca e estamos registados na Dinamarca. Mas atualmente já alargámos a nossa presença para os restantes países e atualmente temos representantes nacionais da Associação, em todos os países nórdicos, ou seja, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia. E com os quais eu sou responsável por gerir as atividades e iniciativas conjuntas e de promover o trabalho com a Fundação para a Ciência e Tecnologia em Portugal. A Fundação para a Ciência Tecnologia é a Fundação principal de promoção da ciência e inovação em Portugal e que trabalha diretamente com o Governo.”
David refere ainda a importância da colaboração com a FCT e a fase em que a mesma se encontra. “Estamos atualmente na fase de negociação do protocolo de colaboração entre a FCT e a SPOT Nordic. Esta colaboração coloca-nos no centro da promoção da diplomacia científica entre Portugal e os Países Nórdicos. Permitindo-nos promover um conjunto de iniciativas que visam a transferência de conhecimento, o desenvolvimento das relações de investigação e o apoio à investigação desenvolvida por investigadores portugueses.”
Quantas pessoas é que trabalham e quantas pessoas é que estão envolvidas e quantos projetos já conseguiram? Quantas bolsas de estudo já conseguiram atribuir?
Em termos de Associação, a mesma funciona em regime de voluntariado. Atualmente a associação vive das quotizações dos sócios que pagam quotas, mas também tem membros que participam mas não têm plenos direitos. Neste momento devemos estar nos 60/70 pagantes. Para além disso temos os membros que fazem parte, e que rondam os duzentos, mas que não pagam, portanto, não têm direito a serem eleitos ou a elegerem membros da direção. São só parte da associação. No que toca às atividades e projetos que desenvolvemos, temos por exemplo, um projeto em fase inicial chamado da Ciência e Indústria, que visa debater de que forma é que o conhecimento gerado na Academia é transferido para novas empresas. Em 2023 juntámos dois professores universitários portugueses especialistas na área do empreendedorismo na CBS, o Professor José Mata e a Professora Vera Rocha, juntamente com duas empresas lusas geridas por portugueses mas fundadas nos países nórdicos, a Asgard Therapeutics e a Auricle. Além disso temos promovido eventos de networking onde se dá a conhecer a participação dos portugueses, espalhados por estes países, incluindo eventos conjuntos com as embaixadas de Portugal nos países Nórdicos. Há um conjunto de iniciativas que já aconteceram e que tem estado a acontecer, temos também uma plataforma de contacto entre todas estas pessoas que está na área privada do site, e que permite que as pessoas se conheçam e saibam quem são.
São também responsáveis pelo mapeamento de investigadores nos países nórdicos para portugueses, certo?
“Sim, é nossa tarefa promover esse mapeamento e saber quem são e onde estão e ajudar a FCT nesse sentido. Temos aqui um conjunto de projetos e iniciativas que visam garantir que os interesses de Portugal estão relacionados com aquilo que é o trabalho destes portugueses e, ao mesmo tempo permitir que estes portugueses consigam chegar ao trabalho que é feito em Portugal.”
Como é que essas Associações são vistas bem como os portugueses de uma maneira geral nos países nórdicos?
“Em primeiro lugar, a sociedade civil, o voluntariado e a organização da sociedade em Associações fazem parte do dia à dia destes países. Diria que são até extremamente importantes para a sociedade civil, quer na Dinamarca, quer na Suécia, e daquilo que a minha experiência diz na Finlândia. Em relação à Noruega, não tenho uma noção concreta, mas para melhor ilustrar, na Dinamarca, mais de 80% da população faz parte de Associações da sociedade civil. De alguma forma a situação é relativamente semelhante na Suécia.
No contexto das associações portuguesas e dos portugueses nestes países, estas associações são bastante importantes nas relações bilaterais entre países, em especial as associações de âmbito cultural. Quer em Portugal quer na Suécia estas associações são fundamentais para promover atividades de âmbito cultural e têm um papel bastante ativo. A nossa, a SPOT Nordic, responde mais às necessidades de desenvolvimento e interação profissional assim como da promoção da diplomacia científica e económica, sem desprimor para o papel da AICEP com quem temos ótimas relações”.
Relativamente à forma como os portugueses são vistos nos países nórdicos: “a sensação que eu tenho é que os portugueses são extremamente bem vistos, embora sejamos uma comunidade relativamente pequena quando comparado, por exemplo, com comunidades do Médio Oriente ou até comunidades vindas da América Latina, como caso dos argentinos. Ou como é o caso dos italianos, falando no contexto europeu, que são comunidades maiores nós temos uma comunidade mais pequena, mas somos muito bem vistos na medida em que há uma relação muito próxima com as comunidades destes países, que frequentemente visitam Portugal e que adoram de Portugal. Acham que os portugueses são extremamente trabalhadores, extremamente dedicados, veem-nos como pessoas extremamente bem integradas.”
Mão-de-obra qualificada
Para David Pereira de Castro, “é possível receber (ganhos da emigração) de várias formas.” Embora admita que em primeiro lugar, na perspetiva do país, Portugal ao perder tanta gente está a perder competitividade diariamente. “Obviamente perde muita mão de obra qualificada, perde a capacidade de inovação, perde a capacidade de transformação e perde competitividade face aos restantes países. Isso é naturalmente negativo.”
No entanto, não deixa de frisar que “no momento em que Portugal for capaz de olhar para esta dinâmica de forma mais positiva, garantindo as condições desejadas para aplicar todo o know-how que adquiriram noutros pontos do mundo de modo a atrair de volta os que saíram, passaremos a ter os ingredientes para transformar Portugal num país com melhores condições de vida.”
“Se fosse por esta perspetiva, então seria positivo, porque na realidade o que se está a fazer é a promover a capacidade de trazer conhecimento de volta para o país. Conhecimento que de outra forma não seria adquirido. A verdade é que isso não acontece. Portugal não está a ser capaz de tirar proveito, de fazer com que as pessoas voltem à mesma medida com que saem, e nesse sentido o resultado acaba por não ser o melhor.” Afirma David Pereira de Castro.
Outro aspeto importante passa pela incapacidade de Portugal em retirar tirar o melhor proveito das relações que poderia constituir com estes portugueses que estão fora e que, mesmo que não voltem, podem ser muito úteis para o país. Por exemplo, na transferência de conhecimento, que é uma das coisas que “a nossa Associação procura promover, ou através da interação na internacionalização das empresas, na promoção da exploração de outros mercados, nas relações político-diplomáticas entre outros Estados e utilização de pessoas que já estão enraizadas nessa sociedade para se aproximarem relações, há aqui um conjunto de alternativas para além daquelas que é trazer pessoas de volta. Que também não estão a ser aproveitadas na plenitude. O problema é que o país, infelizmente não trata a sua comunidade emigrante da forma como devia e o melhor exemplo disso é o sistema eleitoral afeto à comunidade emigrante.”
Conselho a dar ao novo Governo em funções
“A primeira questão é: nós vemos a educação em Portugal de forma completamente errada. A educação em Portugal deve ser vista como, por exemplo, na minha opinião, é vista aqui nos países nórdicos. A educação não é uma obrigação do cidadão, a educação é uma mais valia do cidadão, um investimento mútuo. Se nós queremos que os cidadãos portugueses possam ir para fora, possam viajar, possam conhecer o mundo, possa recolher o melhor do que cada país tem para nos dar, mas ao mesmo tempo continuar a ter interesse em voltar, então temos de começar por criar uma sensação de pertença e reconhecimento. A meu ver, isso ocorre em primeira instância através do acesso à educação, gratuito e universal, em particular no Ensino Superior. É urgente deixarmos de cobrar propinas no Ensino Superior, assim como é urgente criar mecanismos para que Portugal deixe de ser dos países com mais horas em sala de aula no ensino superior a nível europeu, permitindo que os estudantes possam trabalhar enquanto estudam sem que o seu aproveitamento seja beliscado. Não podemos continuar a ter jovens de primeira e jovens de segunda, os que estão na plenitude das suas valências para se dedicarem ao ensino superior, e os que em virtude das suas origens são expostos a uma competência desleal em que para além da excessiva carga horária têm ainda de encontrar trabalhos temporários altamente desgastantes e que em pouco contribuem para o seu desenvolvimento profissional. É preciso incentivar à absorção destes jovens em empresas e atividades económicas relacionadas com as suas áreas de estudo de modo a não os perdermos para o resto da Europa ou para o resto do Mundo.” Além disto, David Pereira de Castro defende ainda que “em segunda instância deveria discutir-se a possibilidade de incentivar os estudantes através de bolsas universais, como acontece nos países nórdicos, todos os estudantes – independentemente da sua estrutura de rendimento, independentemente do rendimento dos seus pais – têm acesso a uma bolsa universal que equivale 700, 800 euros por mês”. “É facto que Portugal não teria condições para uma bolsa deste género nesta fase. Mas pelo menos avançar com o debate de terminar com as propinas, e começar a discutir de que forma é que esta fase de estudo poderia ser de algum modo, não diria remunerada, mas apoiada, através de uma bolsa universal, tratando todos por igual, e depois iniciar uma reforma alargada que garanta que há condições para estes jovens estarem a trabalhar ao mesmo tempo que estão a estudar.”
David Pereira de Castro volta a insistir na partilha de responsabilidades entre o trabalho e os estudos, “vou lhe dar um exemplo: Portugal é um dos países da Europa com maior número de aulas por semana, número horário, horas de aulas por semana no ensino superior, o que impede, por exemplo, que o estudante tenha um trabalho em part-time e ao mesmo tempo possa estar a estudar.
Os países onde este modelo, onde os estudantes estão a trabalhar ao mesmo tempo, são normalmente os países nórdicos, onde há menos horas de aulas. Há um princípio de confiança na autonomia do trabalho dos estudantes, que também eleva a exigência naquilo que é entregue, simultaneamente, permite que o estudante ainda em licenciatura viva com quase 2000€ por mês e pague impostos, tornando-se um ativo para o Estado. Quase que se paga a si próprio”.
A segunda questão levantada relaciona-se como atrair mais pessoas para o país e como é que se aumentam salários em Portugal de modo a reter e atrair essas pessoas. No entender de David Pereira de Castro, há uma perspetiva que é raramente debatida em Portugal. “Para aumentar o salário em Portugal, é preciso que as empresas produzam mais, mas para que as empresas produzam não significa que as pessoas estão a produzir pouco. Hoje em dia discute-se muito a ideia de os salários são baixos em Portugal porque os portugueses produzem pouco ou não trabalham. Isto é errado. Pegando num exemplo figurativo, se a maior parte das empresas em Portugal estiverem “a vender batatas” mas se a maior parte das empresas do Luxemburgo ou da Irlanda estiverem em vender serviços financeiros, quais é que à partida vão fazer mais dinheiro? A que vende batatas ou que vende serviços financeiros? É lógico que as margens de quem vende serviços financeiros são muito maiores do que quem vende batatas. Não quero com isto dizer que agora devemos deixar de apostar na Agricultura para nos focarmos exclusivamente nestes sectores. O que devemos fazer é compreender que a estrutura da atividade económica portuguesa não se coaduna com salários altos porque o país está atualmente dependente de atividades de muito baixo valor acrescentado.” Para complementar, afirma ainda que é urgente mudar o modelo de crescimento económico do país. “Temos um PIB que depende 16 ou 17% do turismo. Claramente que não é a melhor solução, considerando que normalmente os salários no turismo são baixos comparados com outras atividades económicas. Não significa que deixemos de investir no Turismo, antes pelo contrário, mas há uma grande necessidade de apostar na diversificação económica focada em atividades de alto valor acrescentado”
Como explica, o problema da questão do salário é que Portugal não está a ser capaz de produzir inovação, não tem uma escala suficientemente competitiva, e não tem empresas de dimensão suficiente para competirem com o resto da Europa. “Vou-lhe dar um exemplo: se formos ver quais são as maiores 150 empresas da Europa. A primeira portuguesa só aparece na 40ª posição. E neste ranking temos três ou quatro. É elementar que se não temos grandes empresas capazes de competir com o resto da Europa e com o resto do mundo, gerando receita em Portugal, de modo a que os seus impostos sejam pagos em Portugal, garantindo que esse dinheiro possa ser redistribuído, incluindo para a criação de novas empresas, é óbvio que a ambição de aumentar salários se torna mais complicada. Este problema acaba por se espelhar na carga fiscal, um Estado que não tem receita para arrecadar tem que aumentar a carga fiscal para poder compensar o seu modelo social, especialmente o nosso, assente num papel de proteção social, ora só podemos garantir que a carga fiscal baixa se conseguirmos produzir riqueza suficiente para que deixe de haver uma necessidade por parte do Estado em recolher uma maior carga de impostos aos que estão a produzir, ainda que bastante abaixo da média europeia.”
“Portanto, aqui residem, a meu ver, os dois principais problemas estruturais do país. Se eu tivesse que dar um conselho ao Governo hoje, seria começar por discutir exatamente estes problemas e desmistificar esta ideia na sociedade portuguesa, que é de que empresas grandes são más para a economia. Errado. Outra desmistificação necessária é a ideia de que as pessoas produzem mal em Portugal, também está errado, o problema não está nas pessoas, está no tipo de atividade económica em que o país se concentra.”
“Se nós não explicarmos isto, vamos continuar a gerar esta sensação e esta ideia que as pessoas não servem, que as pessoas não prestam em Portugal, isso é errado. Isso é absolutamente errado. É isto que alimenta aquela velha lógica de que os portugueses em Portugal não trabalham e quando saem do país são uma máquina! O problema não está no português claramente.”