The Portuguese Immigrant: Atlantic Heritage Story é um livro que conta a estória de um açoriano que deixou o país para trás nos anos
cinquenta para criar uma vida melhor no Canadá. Este livro para além de ilustrar as condições de vida dos imigrantes portugueses naquela época, também conta a necessidade de saber donde vêm os luso-canadianos. Devin Meireles, o autor, partilhou com o Jornal Comunidades Lusófonas tudo sobre o seu livro e muito mais…
JORNAL COMUNIDADES LUSÓFONAS: Antes de falarmos do seu livro, conte-nos como começou a escrever?
DEVIN MEIRELES: Eu sempre gostei de inventar e escrever estórias e portanto desde miúdo sempre escrevi. Além disso, estudei numa escola de cinema e passei muitos anos a escrever poemas e cenários de filmes. Mas comecei mesmo a escrever sobre a diáspora e a cultura portuguesa quando quis interessar-me à minha história pessoal. Ou seja quando tinha uns vinte e tal anos, quis saber mais sobre os meus antepassados. Acho que quando era miúdo não queria saber desta parte de mim. Só mais tarde é que senti a necessidade de saber de onde vinha, porquê tínhamos aquelas tradições todas, etc.
JCL: E então qual era a tua relação com a comunidade portuguesa antes de começar a pesquisar sobre os seus antepassados?
DM: Para os meus pais, sempre foi importante estarmos envolvidos na comunidade portuguesa aqui em Toronto. Conviver com a comunidade era uma maneira de matar as saudades para os meus pais. Portanto desde miúdo, sempre fui às festas e às procissões. Mas a escrita deu-me a possibilidade de conectar com a minha família e criar uma relação mais profunda.
JCL: Portanto começa a interessar-se nos seus antepassados; e como é que passa dos poemas e cenários de filmes às estórias que constituam a comunidade portuguesa?
DM: Quando abri aquela caixa de Pandora, a minha escrita transformou-se numa documentação sobre a minha família e a comunidade portuguesa porque foi uma forma de perceber o que faz de nós portugueses. Ou seja qual é a essência dos portugueses. Reparei que para mim e muitos luso-canadianos é importante saber o quão português somos. O que faz com que eu seja mais ou menos português do que outra pessoa. Será porque não falo a língua, não percebo as tradições, não participo às festas ou simplesmente porque não nasci em Portugal? Estas perguntas levaram-me a querer unir a diáspora através da minha escrita e perceber o que faz de nós portugueses e o quão português queremos ser no futuro. Falo do futuro porque, a diáspora está a mudar e certas pessoas têm medo desta mudança. Para mim é claro que a juventude é o futuro da comunidade e é do nosso dever de continuar as tradições. Mas podemos escolher quais tradições queremos manter e como queremos mantê-las.
JCL: De todas as estórias possíveis, porquê decidiu focar o seu primeiro livro na estória do seu avô paterno?
DM: No início não era para publicar, foi mesmo só parte da minha pesquisa para conhecer melhor donde eu vinha e identificar quando é que a minha família tornou-se canadiana. Mas quando descobri que o meu avô chegou ao Canadá nos anos cinquenta e que foi o primeiro da família a vir é que decidi escrever a sua estória. Ele imigrou em 1957 ou seja: cinco anos depois do Canadá ter implementado uma lei para facilitar a imigração da mão-de-obra e consequentemente facilitar a imigração de muitos portugueses. Este período fascinou-me muito e através do meu livro quis compreender como era aquela época e qual foi a sua experiência. A sua estória também ajudou-me a percebê-lo melhor. A perceber quais foram as motivações que o levaram a partir, como era a vida na ilha, como foi a transição entre os dois países e quais foram os sacrifícios que ele teve de fazer para eu ter a vida que tenho hoje.
JCL: O seu avô fez umas escolhas poucas comum. Por exemplo, conta no seu livro que ele imigrou com trinta e poucos anos: algo muito raro naquele tempo.
DM: Sim. A maioria das pessoas em Portugal imigravam muito mais cedo, por volta dos 17-20 anos. Acho que teve muita coragem em partir com aquela idade, especialmente porque deixou a mulher e os filhos para trás. Além disso, deixou o trabalho como administrador de hotéis para trás. Ele não era agricultor ou pescador como a maioria dos que imigravam mas decidiu arriscar, talvez perder o seu trabalho que era considerado como um bom trabalho naquela altura e partir para o Canadá. Quando chegou, trabalhou como obreiro nos caminhos-de-ferro durante um ano, antes de se mudar para Toronto onde a comunidade portuguesa estava mais concentrada. Dois anos e meio depois da sua partida, a minha avó e os filhos vieram cá ter. E nove meses depois, o meu pai nasceu e foi então o primeiro canadiano da família.
JCL: E portanto do lado do seu pai já é a segunda geração de luso-canadiano. Foi difícil contar a estória de uma geração tão longe da sua realidade?
DM: Foi um grande desafio porque quando comecei o meu avô e a minha avó já tinham falecido. O meu pai sendo o mais novo e tendo nascido no Canadá não ajudou muito na minha pesquisa (riso). Portanto tive que perguntar à minha tia e aos meus tios detalhes da vida na ilha e da mudança para Toronto. Também usei documentos sobre a comunidade portuguesa daquela época para perceber os contextos políticos e económicos dos dois países. Durante a minha pesquisa percebi que quando perguntava aos meus familiares por detalhes, era muito difícil ter explicações claras. Foi durante as festas e reuniões de família que eles davam os detalhes que eu esperava e contavam melhor as estórias. E portanto a escritura do livro levou vários anos sobretudo o processo para recolher as estórias sobre o meu avô.
JCL: Um ano depois, publicou outro livro, desta vez sobre a Madeira. Finding Madeira é uma carta de amor à ilha. Como é que um açoriano acaba por escrever sobre a Madeira?
DM: Talvez o fato de um açoriano escrever sobre a Madeira pareça surpreendente, mas a razão deste livro é muito simples: apaixonei-me pela ilha. Apaixonei-me em primeiro pela minha mulher que é madeirense e depois é que me apaixonei pela ilha. Aliás, os dois livros que publiquei estão muito ligados porque enquanto estava a pesquisar sobre os meus antepassados, também decidi fazer o mesmo para a minha mulher. Portanto, fiz bastantes viagens à Madeira, e pouco a pouco comecei a conhecer melhor esta ilha.
JCL: Os teus dois livros também estão ligados pelo tema da imigração.
DM: Sim. Os livros conversam entre eles porque no primeiro falo dos imigrantes que partiram de Portugal e encontraram um lugar onde se sentem em casa, ou seja: eles sentem-se canadianos. E no segundo, falo dos luso-canadianos que encontram na Madeira uma nova casa, ou talvez que reencontram uma parte deles onde nunca pensaram que iriam encontrá-la.
JCL: Porque sentiu na ilha algo de muito familiar, não foi?
DM: Sim. Algo que me marcou muito foi o sentimento de voltar a casa quando aterrei pela primeira vez na Madeira. Foi uma sensação muito forte como se já conhecia aquela ilha. E foi a partir deste sentimento que escrevi o livro porque queria perceber como é que se explica uma ligação tão forte a uma terra que não é a minha.
JCL: Os seus dois livros estão escritos em Inglês. Porquê que escolheste esta língua?
DM: Gostaria de escrever um dia em Português mas acho que ainda não tenho o nível para fazê-lo. E também o Inglês permite-me partilhar a minha experiência com outros luso-canadianos que talvez se possam identificar com a minha experiência. Escrever em Inglês cria uma conexão com as pessoas da comunidade que nasceram cá e talvez também não falam bem ou de todo o português mas que têm uma ligação a Portugal.
JCL: Antes de acabarmos a entrevista queria saber se está a escrever um novo livro?
DM: Para já não estou a trabalhar sobre um livro específico mas contínuo a escrever. Podem encontrar vários artigos no meu blog LusoLoonie e no meu Instagram @lusoloonie onde dou mais notícias sobre as minhas futuras publicações.