Estivemos à conversa com o Secretário-Geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), que nos revelou a que se dedica a Câmara em termos práticos, salvaguardando que é uma entidade privada de utilidade pública, que faz a ponte entre o Oriente e o Ocidente desde 1978, em termos económico e comerciais. A China é ainda um país em desenvolvimento, mas com o espírito chinês de “trabalho árduo”, de sacrificar o presente pelo futuro, de ganhos partilhados e com um mercado interno de 1,4 biliões de consumidores, “o seu futuro é auspicioso”. O que há 20 anos atrás parecia inalcançável, hoje superou todas as expectativas. “Na China, se puder ser sonhado, pode ser alcançado”. Não obstante, continuam a existir “várias Chinas”, múltiplas etnias, e uma riqueza cultural só equiparável à dimensão de geografias continentais.
Bernardo Mendia é licenciado em Direito, tem diversas pós-graduações entre Lisboa, Macau, Madrid e Pequim, e é Secretário-Geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa desde 2021, além de Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Hong Kong desde 2019.

A Câmara dedica-se à promoção da relação económica e comercial entre Portugal e a China, portanto, do ponto de vista comercial, serve para incrementar uma relação que hoje é já a quinta maior que Portugal tem com o exterior e a mais expressiva a nível do continente asiático.
Em 2023, foram cerca de nove mil milhões de euros de trocas comerciais entre Portugal e a China. Uma relação que é deficitária para Portugal, como é natural, uma vez que a “China é a fábrica do mundo” e Portugal é um pequeno país europeu.

Já a nível de investimento direto estrangeiro (IDE), a relação bilateral é muito vantajosa para Portugal, uma vez que se conta com um stock de IDE chinês superior a 10 biliões de euros, enquanto “o nosso investimento na China é de cerca de 50 milhões de euros”. A explicação é de vária ordem: além da diferença de tamanho dos dois países, Portugal encontra-se descapitalizado e necessita de IDE para equilibrar as suas contas, enquanto a China iniciou há 10 anos diversos programas de incentivos para as suas empresas se tornarem globais.
Para lá das indústrias muito intensivas em trabalho e que não requerem muita sofisticação, que no imaginário de quem não conhece a China, é a imagem que tem, nos últimos 10 anos, a China deu um salto tecnológico e científico, com resultados visíveis no comércio global nos últimos 3 anos, nomeadamente nas energias renováveis, nos carros elétricos, nas baterias, na inteligência artificial, cidades inteligentes, 5G, logística moderna e até no comércio online, que é responsável por mais transações do que o comércio de loja.

O desenvolvimento tecnológico e a competitividade chinesa assustaram o Ocidente, que se tem desmultiplicado na criação de” narrativas obscuras e obstáculos ao comércio livre e desenvolvimento económico.” Refere Bernardo Mendia
“No capítulo do comércio cibernético, dos pagamentos online, do shopatainment, esses capítulos do futuro, onde as gerações mais jovens já começam a viver – e que na China são o presente -, interessa-nos a nós aprender com a experiência chinesa, evitando alguns erros próprios dos incumbentes, porque eles foram os primeiros e nós temos muitas lições a tirar do que foi feito nesse setor.” E também procurar desenvolver o nosso comércio digital, para ajudar as empresas portuguesas a venderem em todo o mundo, como faz a Alibaba, por exemplo.
“Há muito poucas empresas portuguesas a investir na China, da mesma forma que há poucas empresas portuguesas a investir em Portugal quando aparecem projetos maiores. O nosso país encontra-se descapitalizado.” Revela o Secretário-Geral.
Na realidade só há meia dúzia de investimentos portugueses na China, “o que é uma pena”. Mas na realidade, “como referi, o que interessa é sermos pragmáticos e conseguir atrair investimento chinês greenfield, tecnologia e inovação chineses para Portugal, centros de investigação científica na economia azul e verde, etc.”
Paralelamente, “devemos acenar com o potencial das parcerias para mercados terceiros”, como Europa, África e América do Sul e Norte. E nesse aspeto já se conseguiram alguns sucessos.
Também já há alguns exemplos de empresas portuguesas, que em condições normais teriam muita dificuldade em chegar a mercados internacionais, mas que com o investimento e parceria chinesa certa, conseguem atingir esse patamar.
“Podemos tirar lições por ocasião da crise financeira, quando tivemos de privatizar empresas portuguesas para pagar o empréstimo concedido pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional a Portugal. Nessa altura, a China tinha acabado de lançar a política “Go Global”, dirigida às suas empresas, pela primeira vez na história da China”.
Foi uma coincidência, “nós estávamos a precisar de investimento, e nesses concursos públicos em que concorreram empresas de todo o mundo, os chineses foram quem mais valorizou as empresas portuguesas. Sucede que as empresas investidas são hoje grandes contribuintes líquidos de impostos”. Nunca houve tantos postos de trabalho, ou geraram tanto pagamento de imposto, como depois do investimento Chinês. “É que os chineses mantiveram os conselhos de administração, mas trouxeram a liquidez dos bancos do seu país que permitiram às nossas empresas modernizar-se e crescer. Muitas delas tornaram-se mesmo multinacionais.”
“Veja-se o que era a EDP antes do acionista chinês e o que é hoje, um motivo de orgulho para portugueses nos quatro cantos do mundo, a Fidelidade, o BCP Millenium, que passou um momento difícil e foi investido pela FOSUN, e que tanto alarido provocou aquando da sua aquisição. Não tenho qualquer dúvida de que se tivéssemos tido capital chinês na Portugal Telecom, hoje a história desta empresa seria outra. Veja-se as múltiplas empresas de grande porte portuguesas que foram salvas pelos chineses, não as deixaram cair, nem as desfizeram para vender, nem usaram dinheiro do contribuinte português para reestruturar.” Relembra o Secretário-Geral da Câmara luso-Chinesa.
“O capital chinês vem para gerar valor e está disponível para investir e esperar o retorno”. É lamentável “ver que múltiplos políticos portugueses desconhecem estes factos e são os porta-vozes de uma mensagem menos favorável”, desabafa Bernardo Mendia. É o contrário da função do político, que “deve ser um construtor de pontes e entendimentos entre povos”. “Admito que alguns seja apenas por ignorância, mas também os há por oportunismo político, de ir pelo caminho fácil, mas totalmente falso, do papão chinês. Fica-nos muito mal.”
Se “prosseguíssemos o interesse nacional, deveríamos estar a fazer exatamente o oposto”, a construir a relação com a China, segunda maior economia do mundo, líder em múltiplas tecnologias do futuro, com uma capacidade “extraordinária para se reinventar”, um povo trabalhador, que apenas pretende dar aos seus filhos uma vida melhor do que eles próprios estão a ter. “E um país que nos apoiou quando mais precisamos e mais que qualquer outro em todo o mundo”.
“A EDP tem um acordo com a Chinesa Three Gorges, o português João Gomes, foi para lá no âmbito desse acordo, li eu salvo-erro numa entrevista ao Jornal Comunidades Lusófonas”. A Beijing Water também tem investimentos em Portugal, ajudam múltiplas autarquias a fazer chegar águas tratadas a portugueses que não as tinham antes, com a contrapartida de concessões de exploração de distribuição. “Isto sucede porque o país não tem dinheiro para o fazer com recursos próprios”. Antes eram os franceses que cá estavam. Os chineses investiram muito nas energias das torres eólicas, painéis solares, das cidades inteligentes e nas próprias baterias e armazenamento de energia.
As baterias que os carros usam hoje, não são mais do que armazenamento de energia, e quanto mais essa tecnologia se desenvolver, mais “nós vamos poder estar dependentes de energias renováveis”. Hoje em dia, o grande problema ainda por resolver é o problema tecnológico, “é armazenar energia para ser utilizada quando as energias renováveis não são possíveis de utilizar, como sucede durante a noite quando não há sol, ou quando não há vento.”
Se essa tecnologia de armazenamento for suficientemente desenvolvida – e os chineses estão bastante apostados neste sector -, e se “conseguirmos armazenar energia, deixamos de utilizar tanto as energias fósseis como utilizamos hoje em dia”. E os chineses já sonharam esse cenário, pelo que agora será apenas uma questão de tempo para a tecnologia apanhar o sonho.
O caso das energias fósseis e respetiva poluição é um caso paradigmático. Nos últimos 40 anos, o Ocidente transferiu para a China as indústrias poluentes, ou seja, continuou a consumir – até mais, porque a população aumentou e o preço dos bens decresceu -, mas a poluição foi transferida para a China. “Hoje atacamos a China por ser o maior emissor de dióxido de carbono. Esquecemos é a parte de que esse é o dióxido de carbono que nos permite ter uma vida de qualidade e mais barata no Ocidente, enquanto a poluição prejudica diretamente os chineses.”
Daí o ocaso de a China ser ao dia de hoje líder no desenvolvimento de energias mais limpas, com as metas de mitigação das emissões de carbono mais ambiciosas no mundo e com resultados antecipados aos acordos internacionais. “E essa é mais uma razão para trabalharmos com a China, pois a China será parte da solução de uma economia circular, sustentável, verde, azul e um mundo mais limpo.”
Portugal e a China conhecem-se há 511 anos, são “velhos” amigos, sempre souberam conviver, incluindo ente 1557 e 1999, quando Portugal administrou o território de Macau. Além desses 511 anos, este ano celebram-se os 45 anos do estabelecimento da relação diplomática bilateral entre Portugal e a República Popular da China.
Celebram-se ainda os 25 anos da retrocessão da administração do território de Macau para a administração chinesa. Este legado histórico de compromisso, negociação e amizade não encontra paralelo entre a China e qualquer outro país no mundo, o que nos torna um interlocutor privilegiado para levar a bom porto o entendimento do Ocidente com a China. O maior beneficiado será o bem-estar social generalizado, a sustentabilidade do planeta e a prosperidade económica do mundo. “E já agora, se formos nós a promover esse entendimento, que os benefícios globais possam tocar particularmente as empresas e a economia portuguesas!”
