A História dos direitos humanos, é marcada pela capacidade dos homens para vencerem os desafios colocados pela realidade política e social, em cada momento histórico. O último desafio desta caminhada longa e bem sucedida, é o advento da era digital e as dificuldades de regular um mundo cada vez mais volátil, e que parece obedecer a regras próprias.
Quantas vezes ouvimos utentes das redes sociais dizer que a Internet é um território fora da lei, ou que a inteligência artificial, pela sua expansão meteórica, escapa à capacidade regulatória das nossas sociedades ? Ora, estas considerações baseiam-se num empirismo sem validade real, já que a legislação tem feito um esforço notável para acompanhar estes novos fenómenos, decorrentes da digitalização crescente .
O passado dá-nos, aliás, sinais de confiança . Embora só a partir de 1945, com a reunião de 50 países em Abril de 1945, em S. Francisco, com o objetivo de promover uma organização internacional de paz – que levaria à criação das Nações Unidas – é que esse desiderato passou a fazer parte das metas da Humanidade, já existiam antecedentes históricos que prenunciavam essa vontade, que se materializou após o fim da segunda guerra mundial.
Este conflito teve características especialmente virulentas e graves. Porque foi muito mais que um mero conflito militar, sem repercussões para o futuro – o Holocausto judeu, por um lado, e, por outro, o lançamento das duas bombas atómicas em Hiroxima e Nagasaki, puseram os humanos em frente ao precipício da sua extinção e, por isso, obrigaram a um pacto de sobrevivência comum que conduziu à Declaração Universal dos Direitos humanos, em 1948, e, sobretudo, na constituição de um organismo regido por normas jurídicas, que procurava dirimir pacificamente os conflitos, e mobilizar recursos para missões de ajuda a países em dificuldades.
As Nações Unidas não nasceram, porém, apenas das circunstâncias concretas do mundo, após a segunda grande guerra. Iniciativas como Declaração Universal dos Direitos do homem e do cidadão em 1789, filha da Revolução Francesa ou da Convenção de Genebra de 1861, revelam que essa vontade existia, embora faltasse a adesão global às mesmas.
Nas décadas que se sucederam, apesar de alguns momentos de tensão como a crise dos mísseis de Cuba, as grandes potências souberam chegar a consensos mínimos, sobretudo porque tinham assento no Conselho de Segurança da ONU, obrigando a um diálogo permanente. Essa via diplomática permitiu que o mundo tal como o conhecemos vivesse o período de maior desenvolvimento económico da sua história,impulsionando a Globalização, aumentando a escala comercial aos vários pontos geográficos do planeta.
A Internet teve como antecessora a Arpanet, nos anos 60, que nasceu do complexo militar norte-americano, com o objetivo de criar uma rede militar de pesquisa para comunicação. O conceito de rede global – o pensador canadiano Marshal Mcluhan cunharia a famosa expressão “ aldeia global” – ganhou uma dimensão mais universal com o advento da World Wide Web, em 1989 por Tim Berners-Lee, e nos anos 90 , esta rede tornou-se acessível ao público e aos estudantes universitários.
De então para cá, o crescimento foi extraordinário. Expandiu-se a interconexão entre os indivíduos que se ligam uns aos outros em redes sociais, e explorou-se a chamada Internet das coisas e a inteligência artificial, cuja presença nas nossas vidas é cada vez maior.
Perante este novo quadro mental e cultural, como tem reagido a lei e o Direito? A União Europeia é uma das Organizações supranacionais que tem procurado regular juridicamente esta nova realidade – a Declaração europeia sobre os direitos e princípios foi assinada a 15 de Dezembro de 2022 e a legislação europeia sobre Segurança no espaço digital instituída pela NIS em 2018 e complementada pela Diretiva NIS 2 em 2022, ou anteriormente o Regulamento geral de proteção de dados em 2016, mostram bem que esta é uma área que preocupa os países europeus.
Os países lusófonos têm procurado também estar à altura deste desafio. Portugal verteu para a legislação nacional a diretiva europeia de proteção de dados através da lei nº 2019, transpôs a Diretiva NIS 2 para a legislação nacional em 2024, e consagrou a carta portuguesa dos direitos humanos na era digital (lei nº 27/2021).
Do outro lado do Atlântico, o Brasil tem também um quadro legislativo que procura enquadrar os direitos digitais. A lei geral de proteção de dados de 2018, reforçada pela Ementa Constitucional nº115/2022 defende a proteção de dados como um direito fundamental, a lei 14.811/2014, estabelece a liberdade de expressão e acesso à informação aos usuários da Internet, e a lei 14.811/2024, considera o acosso nas redes sociais um crime.
A Comunidade dos países de língua portuguesa rege-se pelos princípios da carta CPLP de direitos e princípios em ambientes digitais, assinada em 19 de Julho de 2024 em São Tomé e Príncipe, na qual se procura criar um ambiente digital seguro, em que se protejam os dados pessoais dos cidadãos. A cibersegurança dos cidadãos ou a proteção da economia digital, são duas das principais áreas de atuação no espaço da Lusofonia.
A longa caminhada dos direitos humanos, que teve vários sobressaltos históricos, dará novos e decisivos passos nas próximas décadas. O universo digital e a inteligência artificial são os novos marcos que as sociedades modernas, e entre elas os países lusófonos, terão de enfrentar e aperfeiçoar com novas leis e quadros normativos.
A Lusofonia, expressão máxima de um universo de 260 milhões de falantes, a língua mais falada no Hemisfério Sul, tem aqui uma palavra muito importante a dizer, e deve continuar a participar ativamente neste esforço global.
Rui Marques



