Tomás Goldstein nasceu e cresceu em Lisboa, sempre num ambiente internacional: pai imigrante; família paterna no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, onde ainda vivem tios e avó; frequentou o colégio inglês e depois a escola alemã. É licenciado em Ciência Política e mestre em Comunicação Política pelo ISCTE em Lisboa e fez Erasmus em Berlim na Freie Universitaet. A vida internacional está-lhe nas veias. Vamos conhecer melhor este português que se encontra a trabalhar fora de Portugal.
Fez dois estágios não remunerados durante dois anos em Portugal (2013-2015), no Gabinete para os Meios de Comunicação Social, e na redação de informação da TVI.
Em 2015, recebeu uma bolsa de estudos da Fulbright para fazer o Doutoramento (PhD) nos Estados Unidos em Psicologia Política. Também fez um estágio em Bruxelas numa consultora de assuntos europeus durante cinco meses. Como o processo de candidaturas às Universidades Americanas demora bastante tempo, mesmo como Fulbright Scholar, acabou por continuar em Bruxelas depois de encontrar uma oportunidade “imperdível” no Parlamento Europeu na unidade de relações transatlânticas.
“Estar aos 23 anos naquele edifício com representantes eleitos de todos os países da UE e com acesso a reuniões de alto nível sobre políticas com impacto no dia-a-dia de todos, foi de facto inesquecível.” Acabou por desistir dos Estados Unidos, e do Doutoramento – também por razões emocionais, uma vez que a sua namorada, tinha acabado a licenciatura na Holanda e acabava de “juntar-se a mim na Bélgica para fazer o mestrado em Leuven.”
Assim sendo, prolongou a estadia no Parlamento Europeu até meados 2018, quando recebeu um convite para assessorar o gabinete de Direitos Humanos da ONU (OHCHR) em Bruxelas, como coordenador de comunicação e outreach. Foi uma experiência onde aprendeu muito sobre comunicar com diferentes audiências e atores políticos, numa tentativa de introduzir os direitos humanos de forma abrangente nas políticas da UE. Foi contratado especificamente para liderar a campanha dos 70 anos da DUDH – Declaração Universal de Direitos Humanos.
Entretanto tinha passado os testes para contratos temporários, na Comissão Europeia e recebeu uma oferta para trabalhar na DG REGIO – direção geral de política regional, na equipa das regiões ultraperiféricas.
Ficou muito entusiasmado, uma vez que Portugal é um de apenas três Estados Membros que beneficiam de regiões com este estatuto especial, juntamente com Espanha e França. “No nosso caso, Açores e Madeira.”
Aceitou e começou a trabalhar na Comissão em 2019, tendo tido oportunidade pela primeira vez em Bruxelas de trabalhar com autoridades e institutos portugueses. “Fiquei muito satisfeito de ter contribuído para estas regiões poderem usufruir de acesso especial a fundos Europeus – dada a sua especificidade – e foi também uma ótima maneira de trabalhar nas relações e negociações Estados Membros – Comissão.
Mais tarde acabou por mudar de posição dentro da Comissão Europeia e esteve dois anos a trabalhar na DG JRC como coordenador das relações entre os cientistas que trabalham para a Comissão e os líderes políticos/decisores, procurando que estes últimos incorporassem evidência científica nas propostas legislativas: “science for policy”.
Durante este tempo fez os exames de acesso à carreira diplomática, onde fui colocado em Dezembro 2020. Por motivos familiares e por não haver muita flexibilidade quanto à data de início, acabou por renunciar ao seu lugar na carreira e continuou em Bruxelas. Como já estava há uns anos na Comissão, sentia que precisava de novos desafios. Foi em Maio de 2022 que “tomei a decisão de aceitar uma oferta muito interessante no sector privado, como líder de assuntos europeus na gigante energética norueguesa, a Equinor.” E por lá continua.
Porquê emigrar?
“Decidi emigrar porque quando me licenciei em 2013 havia exatamente zero ofertas de trabalho na minha área em Portugal. Lembramo-nos todos dos anos da crise e das consequências no mercado de trabalho de forma generalizada. Mais ainda neste sector.”
Enquanto a ciência política é um dos cursos mais prestigiados noutros países, em Portugal não havia nenhuma saída fora da universidade, e mesmo na área da investigação as condições eram muito precárias.
Isto era independente do desempenho académico. Tinha recebido três prémios de mérito – melhor nota de ingresso, melhor nota de frequência e melhor aluno da licenciatura – e mesmo assim não havia posições.. Aceitou dois estágios não remunerados enquanto fazia o mestrado e de facto “não me arrependo nada, porque me permitiram aprender muito.”
Mas tudo isso “levou-me a sair, enquanto esperava pelo doutoramento nos EUA”. Bruxelas era a cidade óbvia por duas razões: a primeira porque é o coração das instituições da UE onde há muito trabalho na sua área; segundo, porque a “minha namorada estudava em Maastricht, na Holanda, que ficava a menos de 2h de comboio.”
Atualmente trabalha em assuntos públicos e governamentais (Aka Lobbying), representando a empresa norueguesa Equinor em Bruxelas. “A nossa presença aqui, como a de todo o mundo empresarial, prende-se com o facto de ser aqui que são feitas as regras que afetam a nossa atividade, como a de todos os cidadãos.” Num processo regulado e transparente, as instituições consultam durante todo o processo na tentativa de incorporarem todas as visões nas suas propostas legislativas.
Isto exige muitos contactos em associações de indústria, com as próprias instituições, com think tanks, outras empresas e até a sociedade civil. O outro objetivo da sua função é traduzir o “ruído” da bolha de Bruxelas para os líderes da empresa, tentando explicar e antecipar fenómenos. Isto permite-lhe trabalhar na interseção entre política e comunicação, que é exatamente a área em que se especializou.
Está há nove anos fora de Portugal. Os dois anos em que lá trabalhou foram no início da sua carreira, – pelo que seria injusto fazer uma comparação. A mais óbvia tem a ver com o pragmatismo que sentiu nas várias organizações em que trabalhou versus um excesso de procedimentos e burocracias que sentia em Portugal, sobretudo no gabinete da administração publica. “Mas atenção que a Comissão Europeia é também ela própria um monstro burocrático.” Julgo apenas que o facto de ter tantas nacionalidades, línguas e culturas diferentes acaba por facilitar e levar a maior flexibilidade. De resto, julga que poder começar a trabalhar às 7:30 e sair às 16h, “seria menos aceitável em Portugal” enquanto que “aqui posso fazê-lo”, “embora seja justo dizer que depende da função e posição de cada um na empresa.”
Já se sentiu de alguma forma discriminado por ser português? Ou foi posto em causa a sua formação? Como são vistos os portugueses lá fora?
“Nunca me senti discriminado por nenhuma outra nacionalidade, nem foi posta em causa a minha formação. Muito pelo contrário sempre me senti muito apreciado e reconhecido. O facto de falar outras línguas (alemão, francês, espanhol) para além do inglês também ajudou. Na realidade a única discriminação por ser português em que posso refletir tem a ver com o facto de termos muito menos ajudas e incentivos”, do que os colegas holandeses, ou austríacos, por exemplo.
Portugal “precisa de investir mais nos seus recursos humanos e ajudar os candidatos na preparação para poderem competir com outras nacionalidades, sob pena de ficarmos para trás e termos uma representação de portugueses cada vez mais reduzida nas instituições europeias. Além disso, portugueses de relevo em Bruxelas deveriam apoiar o percurso e contratação de qualquer português que esteja a ser considerado, independentemente de compadrios, cor política, ou invejas nacionais” Refere Tomás Goldstein.
Gosta de viver e sente-se muito bem em Bruxelas onde vive com a mulher e o seu filho de dois anos. “Se tudo correr bem seremos quatro já em Setembro”, e a verdade é que “Bruxelas é uma cidade muito amiga das famílias e crianças, com uma enorme quantidade de parques e espaços verdes difícil de replicar em Portugal.” O que mais o atrai em Bruxelas é, no entanto, a comunidade internacional e o tipo de atividade profissional que se pode desenvolver naquela cidade. Não é fácil encontrar um sítio onde se possa estar numa equipa com tantas nacionalidades diferentes, lidar de perto com decisores políticos europeus ao mais alto nível e ter acesso ou até influenciar as discussões mais importantes da atualidade.
Regressar a Portugal a médio e longo prazo
Já pensou regressar, “desde que cheguei”. “Vim, como muitos, a pensar que ficaria seis meses e depois voltaria. Já passaram nove anos e às vezes é difícil avaliar se Portugal está mais perto ou mais longe.”
Por um lado mais perto porque “já estamos noutra fase das nossas carreiras e deveria ser mais fácil hoje em dia arranjar um bom emprego. Mas, ao mesmo tempo, mais longe porque vamos estabelecendo a nossa vida familiar aqui, as rotinas, a escola, os “novos” amigos. O que torna a ideia de voltar menos óbvia.”
Dito isto, como qualquer emigrante “romântico” pensa voltar a Portugal se lá encontrarmos condições que nos permitam tomar essa decisão. Tem lá os pais, tios, primos… “E agora com o nosso filho sentimos talvez mais falta de todo o apoio que lá encontraríamos, dos almoços de família ao fim-de-semana, das idas à praia, dos encontros nos cafés, do peixe grelhado…de tudo o que é português.” Finaliza Tomás Goldstein.