Tiago Fleming Outeiro, é natural do Porto, estudou e cresceu em Matosinhos, fez a sua licenciatura em Bioquímica na Faculdade de Ciências e no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, da Universidade da Invicta. Decidiu fazer um Erasmus na Inglaterra, pois sempre teve um interesse em ir aprender e trabalhar fora. Na altura, “felizmente em Portugal já havia muito bons grupos de investigação”, mas foi uma opção pessoal em querer ter uma experiência no estrangeiro, mais concretamente em Inglaterra na Universidade de Leeds, onde esteve 7 meses a fazer mestrado na área da sua licenciatura.
Ficou com aquele bichinho da investigação e da experiência de estar fora. Na altura, na segunda metade dos anos 90 falava-se muito na Europa de um problema que felizmente não foi tão grave quanto se temia, mas que tinha a ver com a doença das vacas loucas e “eu tinha lido muito sobre isso e tinha ficado muito interessado em estudar aquele tema”.

Abraçou outro projeto e resolveu ir para os Estados Unidos trabalhar com uma das melhores especialistas nessa área na altura. Foi para a Universidade de Chicago em 1999, para iniciar o seu doutoramento. Em 2001, estava a meio do doutoramento, e a sua orientadora mudou o laboratório, da Universidade de Chicago para o MIT em Boston, “e eu mudei com ela”. Evidencia Tiago.
Foi uma oportunidade de passar por outra grande Universidade Americana, ter mais experiência, e mais contactos.

Continuou a trabalhar com ela e terminou o doutoramento. Fez um pós-doutoramento na Universidade de Harvard, no Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, e ficou lá mais três anos, e em 2007, resolveu voltar a Portugal, quando teve várias oportunidades e acabou por optar ir trabalhar para Lisboa, para o Instituto de Medicina Molecular, Instituto associado à Universidade de Lisboa e ao Hospital de Santa Maria onde permaneceu três anos até 2010.
Nesse ano recebeu uma oferta irrecusável da Universidade na Alemanha. Ofereceram uma posição de Professor Catedrático e Diretor no Departamento de Neurodegeneração Experimental. E que dirige até hoje. Não foi uma decisão fácil, porque tinha estado fora de Portugal mais de 8 anos e meio. Tinha na altura 33, 34 anos e foi uma proposta muito aliciante.
Resolveu aceitar e encontra-se na Alemanha há 14 anos. Em 2017, no final desse ano, teve um convite da Universidade de Newcastle, na Inglaterra e na altura “decidimos que não fazia sentido naquele momento mudar completamente da Alemanha para lá. Mas desde o final de 2017, “que sou Professor Catedrático a 20% na Universidade de Newcastle. E recentemente, “tenho também uma ligação com a Universidade do Algarve com a Faculdade de Medicina, com quem estou também a trabalhar e quem sabe se tudo correr bem, irei para a Universidade do Algarve, seria um objetivo voltar para Portugal. As coisas não estão ainda definidas, quem sabe, será uma possibilidade.” Neste momento as coisas ainda estão em aberto.
O trabalho na Goethe na Alemanha, em Newcastle, e agora também em Portugal.
Durante a sua formação, a licenciatura, doutoramento e pós-doutoramento, “o nosso trabalho de investigação consiste essencialmente em fazer as experiências no laboratório. Temos um orientador, ou uma orientadora, que são quem nos vai guiando e ajudando a pensar quais são as perguntas, como é que vamos responder às perguntas científicas que temos. E nessa fase, das nossas carreiras, fazemos mais trabalho experimental.” Explica o Professor.
Há uns anos a esta parte, “a minha a minha missão é ser eu o orientador, treinar e orientar estudantes de licenciatura, de mestrados, de doutoramento, e de pós-doutoramento, portanto o meu papel é ser a pessoa que orienta, que decide, que defina quais são as perguntas, como é que vamos responder às perguntas. Como é que vamos comunicar as descobertas que fazemos em artigos científicos através da participação em congressos internacionais.”
Como é que se vai financiar a investigação que se pretende fazer, através de concursos a financiamentos das diferentes agências alemãs, e internacionais. “Este é o meu papel, estar mais no computador, reunir com os meus estudantes, treiná-los, e ir pensando no significado das descobertas que vamos fazendo para comunicar essas descobertas à comunidade científica Internacional.”
A última descoberta que fizeram ou ainda está no segredo dos Deuses
“As descobertas científicas são um processo contínuo.” Adianta Tiago Fleming. Acontecem quase diariamente, no sentido em que todos os dias há novas experiências, há novos resultados que vão surgindo e que vão permitindo adicionando pequenas peças a um puzzle que é muito complexo e tem milhares de peças e “nós com o trabalho que fazemos diariamente vamos adicionar uma peçazinha que ajuda, esperamos nós, a desvendar um pouco dos mistérios” neste caso na área em que trabalha, que é relacionada com as doenças neurodegenerativas.
Trabalha muito na doença de Parkinson e na doença de Alzheimer. As descobertas que têm feito prendem-se em compreender o que é que acontece com determinadas proteínas no cérebro das pessoas que faz com que estas se acumulem e “quando olhamos para o cérebro, de pessoas que sofreram doença de Parkinson ou de doença de Alzheimer, vê-se muito a acumulação de proteínas que não deveriam estar acumuladas, não deviam estar agregadas, como se fala em linguagem mais científica. Pretendendo ter no laboratório, como é que podem evitar essa acumulação, essa agregação dessas proteínas, porque pensam que isso é um processo fundamental.
Ao longo deste processo, deste trabalho nesta área, algo “que temos feito e temos tido sucessos e avanços é em perceber como é que nós podemos usar esta propriedade de algumas proteínas de agregarem e de se acumularem para diagnosticar estas doenças mais precocemente, e propusemos recentemente um novo sistema de classificação da doença do Parkinson, que tem tido um impacto muito grande.”
É um trabalho de equipa, com colegas de vários países: Alemanha, Canadá, e de vários países internacionais. “E demos um novo sistema de classificação que achamos que vai ter um impacto muito grande, porque vai permitir selecionarmos melhor os doentes para ensaios clínicos que vão acontecer no futuro, consideramo-lo importante porque vai permitir, esperamos nós, mais sucesso nos ensaios clínicos, o que significa que quando formos testar novos fármacos, novas terapias, vamos poder interpretar melhor os resultados, porque fomos capazes de diagnosticar e distinguir melhor os doentes que foram envolvidos nesses ensaios clínicos.”
O retardamento da dessas doenças degenerativas, há cura para essas doenças?
“Não temos cura nem nenhum tratamento com fármaco que seja capaz de atrasar a progressão da doença. A única coisa que sabemos no caso da doença de Parkinson, é que altera a progressão da doença, através do exercício físico”. “O exercício físico é algo que todos nós devemos identificar. Muitos não o fazemos e comporta uma série de benefícios que já são conhecidos há muito tempo, nomeadamente ao nível cardiovascular, mas também ao nível do cérebro.”
O exercício vai ativar uma série de vias moleculares “que sabemos agora” que são benéficas no contexto destas doenças. “Nós e muitos colegas estão a estudar no laboratório quais são essas vias moleculares que são ativadas, por exemplo, pelo exercício, e tentar manipular essas vias com medicamentos, com fármacos que possam, em vez de ser através do exercício, possam ser tomados e que possam ajudar o cérebro a funcionar melhor.”
Portanto, “esse é o é o nosso objetivo. Não somos nós, não é o meu grupo de investigação que vai desenvolver o tratamento para depois uma farmacêutica a usar. Nós fazemos o trabalho de base que é tentar estudar quais são os mecanismos moleculares e quais são possíveis estratégias terapêuticas e depois as empresas farmacêuticas, vêm depois desenvolver os medicamentos.” Testar a sua segurança, a sua eficácia, num processo que se chamam ensaios clínicos.
Quantas pessoas tem a trabalhar no laboratório? Há portugueses?
“No meu grupo são cerca de 22 pessoas, mas é um número que varia. E temos portugueses a trabalhar nesta área há muito tempo. “Felizmente, ao longo de todo este tempo, na Alemanha tenho tido a sorte de trabalhar com muitos portugueses.”
Estudantes de mestrado, doutoramento, pós-doutoramento, “vieram de Portugal trabalhar comigo. Neste momento tenho alguns portugueses. Também têm de outras nacionalidades, do Brasil, do Iémen, da Índia, Itália, já tivemos e temos de muitas outras nacionalidades.”
A Ciência faz-se com pessoas de formações diferentes e de áreas diferentes, mas sim relativamente aos portugueses “tenho tido ao longo dos anos sempre muitos portugueses que faz com que no dia a dia se ouça muito falar português no meu grupo.”
Como é que os alemães vêm os profissionais portugueses?
“A ciência é um mundo muito Internacional, se quisermos usar uma analogia, é quase uma equipa de futebol, que tenta ter os melhores jogadores. E na ciência é um pouco assim. Nós acabamos por montar equipas internacionais. E por isso temos deixado uma boa imagem, porque os nossos estudantes que vêm trabalhar para fora normalmente têm uma ética de trabalho muito boa.”
“Têm uma boa preparação teórica. Às vezes, atualmente, nota-se que a preparação prática dos estudantes, que estão numa fase mais inicial, não é tão forte porque desde que houve alteração no sistema universitário com o processo de Bolonha, os estudantes que vêm para terminar a sua licenciatura não tem uma preparação prática como existia há uns anos.”
Mas durante o mestrado “já vêm mais preparados, e são pessoas que normalmente se destacam pela sua ética de trabalho.”
Os portugueses na Alemanha, estamos a falar dos portugueses da “mala de cartão” dos anos 60/70, como se designavam, eram vistos de uma maneira diferente dos portugueses que emigram nos dias de hoje. Com mais qualificações, uma maior abertura com outras realidades e geografias, uma cultura muito mais vasta, com conhecimentos científicos muito mais avançados. Como é que olham os alemães, para os antigos emigrantes portugueses e os de agora?
Há uma grande diferença. As vagas de emigração de portugueses que aconteceram há 30, 40 anos, 50 anos, era uma emigração de pessoas que procuravam uma vida melhor, com remunerações mais mais altas para poderem fazer as suas poupanças e sustentar familiares em Portugal ou comprar as suas casas em Portugal com uma mão-de-obra menos qualificada, mais braçal.
Atualmente, sabemos que isso já não é assim. Em Portugal, o nível de escolaridade é mais alto. E as pessoas que saem fazem-no muitas vezes por uma questão de ambição pessoal, uma vontade de ter uma experiência fora. Há quem saia porque não têm muitas oportunidades. Este mundo da ciência é um mundo muito competitivo e em Portugal isso nota-se mais porque há menos posições disponíveis para os profissionais que estão aqui nestas fases avançadas da sua formação.
E isso é um motivo para sairem, quer seja por necessidade de procurarem posições fora, quer seja porque têm uma ambição pessoal e ter uma experiência internacional. São pessoas que vêm com uma qualificação muito mais alta.
“Na cidade onde me encontro, é uma cidade universitária. Posso dizer que não conheci, não há imigração portuguesa das gerações anteriores, portanto, aqui não há referências de portugueses desses tempos. As experiências que eles têm são os portugueses, como um nível de formação mais mais avançado. E, portanto, não consigo comparar.”
“Mas sei que, por exemplo, numa cidade não muito distante de onde me encontro, Hannover, há uma comunidade portuguesa que se estabeleceu ali, não é que seja a maior comunidade da Alemanha, mas nota-se que há portugueses. Há restaurantes portugueses, havia ali uma comunidade portuguesa.” Que foi para aquela cidade que se estabeleceu e montaram os seus negócios, mas que são muito diferentes daquilo que se sabe hoje em dia, nas universidades.
“Damos uma imagem diferente do país porque mostramos que não somos só aquela mão-de-obra de força de pessoas que trabalharam arduamente, essencialmente do trabalho mais físico, mais exigente. Hoje essa realidade já quase que não existe.”
Uma Mensagem aos nossos governantes e aos portugueses que pretendem emigrar com formações académicas mais avançadas.
Para quem pensa em vir para fora, “o que eu posso dizer é que é uma experiência muito importante.” Principalmente nesta área em que trabalho. O contacto Internacional é muito importante, e terem essa experiência é uma mais valia. “Mas que não pensem que é fácil, nem tudo é fácil. Continua a ser difícil, porque é um trabalho que é muito exigente, mas quem quiser, e quem tiver essa disponibilidade, que vale a pena e é positivo contactarem com países diferentes, culturas diferentes, com formas diferentes de pensar. Isso é muito enriquecedor, quer a nível profissional, quer a nível pessoal. O meu conselho é que venham.”
“Para os nossos governantes, a minha mensagem é que é olhem para a ciência como área fundamental do desenvolvimento e de criação de riqueza no nosso país. Continuem a investir na ciência e nas pessoas em Portugal. Eu sei que obviamente há fases diferentes do país e das economias, que por vezes não “permitem” o investimento tão forte na ciência, mas investir em ciência é investir no Futuro, e investir nas pessoas é também investir no futuro.
Penso que é uma área em que vale a pena pensar e que vale a pena também olhar para fora, olhar para portugueses que estão fora em áreas que às vezes podem ter interesse para o país. Apostar em iniciativas para tentar evitar a saída de jovens, mas também criar oportunidades de atrair quem está fora, quer sejam portugueses, ou estrangeiros. Mas atrair os melhores, criar esse tipo de condições. Esta é a mensagem que eu deixaria.”
