Foto: Andreia Saraiva
O galo de Barcelos, o fado ou até o elétrico da rua da Graça em Lisboa são símbolos do nosso Portugal que a Carla Antunes representa nas suas pinturas. Verdadeira embaixadora da nossa cultura no Canadá, a artista conta ao Jornal Comunidades Lusófonas o seu percurso de Leiria onde nasceu a Toronto onde se transformou em artista.
“Era uma miúda cheia de sonhos, tinha 24 anos na altura quando me mudei para o Canadá. Eu já namorava com o meu marido e ele estava no Canadá a trabalhar. Portanto surgiu a oportunidade de ir ter com ele quando acabei os meus estudos. Para mim, era uma aventura nova e não sabia bem o que me esperava”, recorda a Carla Antunes com um sorriso nos lábios.
E de fato, nunca poderia ter imaginado que depois de ter estudado design gráfico na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, ela acabaria por ser pintora do outro lado do Atlântico. E se a artista lembra-se que os primeiros tempos no Canadá não foram “um mar de rosas”, ela também nota a sorte que teve, nomeadamente com as pessoas que foi encontrando ao longo do caminho. “As pessoas foram sempre muito boas comigo, principalmente as da nossa comunidade aqui em Toronto”, explica.
Para a Carla, a pintura surgiu na sua vida porque a família sempre a encorajou a criar. “Venho de uma família criativa, não a ver com pintura, mas fomos sempre pessoas didáticas. Além disso, houve uma altura em que vivi com a minha irmã e tanto ela como o marido sempre me incentivavam e me inspiravam a não ser uma miúda que estivesse estagnada. Andavam sempre a puxar por mim para fazer mais. E o meu marido sempre me apoio muito na parte criativa. Nunca me deixou desistir”, relata.
Mas se a família a apoiou bastante e puxou-a a criar, foi talvez uma oportunidade vindo da parte dos membros da comunidade portuguesa em Toronto que fez com que a arte dela seja reconhecida. Depois de uma primeira exposição em 2017 com a qual a artista ficou satisfeita mas onde sentiu que talvez faltasse algo, surgiu uma ocasião para encontrar o seu estilo artístico.
“Em 2017, ainda não tinha quadros com a iconografia portuguesa e pensei que talvez faltasse alguma coisa para motivar as pessoas a gostar mais do meu trabalho. Ou talvez precisava de convencer-me de que o meu trabalho ia ser bem interpretado. Naquela época, alugava casa no senhor António Cesar, o produtor da CHIN Radio em Toronto, e ele preguntou-me se eu podia criar 10 obras para o festival cultural Carassauga em Maio. Quando aceitei o desafio e contactei o presidente e o vice-presidente do centro cultural de Mississauga para saber o que eles criam que fizesse, lembro-me do vice-presidente, o Jorge Mouselo, dizer que gostaria de ter o elétrico da rua da Graça no festival”, descreve a Carla sorridente.
E foi a partir deste momento que a artista decidiu representar a iconografia portuguesa: não de uma forma clássica mas à sua maneira. “Fiz aquilo de maneira ingénua porque não sabia bem se era capaz de o fazer”, conta. Foi também a partir deste festival que o centro cultural de Mississauga apoio-a muito e convidou-a todos os anos ao festival Carassauga. Para além disso, muitas das suas obras estão expostas no centro. Naquele ano, a artista pintou o elétrico de Lisboa, Viana, o fado entre outras peças. “Também representei Leiria porque tinha ardido o pinhal e achei que era o meu dever de fazer uma homenagem à minha cidade”, acrescenta.
“Eu quero trazer a cultura portuguesa deste lado do Atlântico. Mas não quero que seja de forma tradicional”, explica a artista. E é por essa razão que ela dirige-se mais para o abstracionismo ao qual mistura textura, traços geométricos e, claro, ícones portuguesas. Por exemplo, ela nunca desenha os rostos nos quadros dando uma sensação enigmática e intemporal aos retratos. “O abstracionismo é uma corrente que se acaba por perder porque muitas das pessoas não têm a sensibilidade para entender o que representa uma obra abstracionista. Um quadro conta sempre uma estória e acho que o mais interessante é a forma que as pessoas têm de interpretar esta estória”, descreve.
Além do Bordalo II, do Vhils e da Joana Vasconcelos, a artista inspira-se muito do trabalho de Joan Miró. “Gosto muito da sua técnica porque aprecio a forma genuína e inocente que ele tinha de representar as coisas. Ele não pensava, ele fazia. As vezes, nós artistas somos poluídos com mensagens que vêm de todo o lado e que por vezes nem são verdadeiras. E isto acaba sempre por poluir a nossa mente. Gosto do fato deste artista ser capaz de se abstrair destas mensagens todas e criar de forma ingénua. Como ele, eu uso bastante as cores primárias no meu trabalho, ou seja o amarelo, a magenta, o azul e o preto e branco”, detalha.
Mas estes artistas não são a única inspiração da pintora, ela também cria a partir do orgulho que os portugueses têm pelo país, nomeadamente as pessoas do Norte e os imigrantes. “Gosto muito do Norte de Portugal porque acho que é cultura de lá é muito interessante. A cultura portuguesa já é interessante, mas as pessoas do Norte sinto que acreditam mais no património português”, conta. Aliás, uma das pinturas que ela gostou mais criar foi o galo de Barcelos. Segundo a artista, este símbolo reconhecido internacionalmente e que traz sorte é muito requerido pelos portugueses imigrantes.
“Eu noto que enquanto portugueses quando estamos cá fora, sentimos falta de muita coisa. As pessoas gostam de relembrar bons momentos e é isso que eu também tento transmitir no meu trabalho: o passado não deve ser esquecido mas sim relembrado no futuro”, explica. E talvez seja isso que traz mais felicidade à artista: ver que as pessoas apreciam o trabalho dela porque os quadros evocam memórias e emoções ligadas ao país de origem e à família. “As pessoas têm orgulho em ser portuguesas e ainda têm mais orgulho em ter peças de artistas portugueses porque é uma forma de se sentir mais perto do país. Gosto de poder trazer pedaços de Portugal para os que estão longe do país”, diz com emoção na voz.
Em Toronto, a artista sente-se muito próxima da comunidade e orgulha-se de ver que os portugueses tem muitas coisas para oferecer não só ao Canadá mas também a Portugal. Para a Carla, é importante não esquecer as raízes: “somos um povo lutador, desenrascado e falamos uma língua lindíssima. Não podemos perder a nossa vontade de ser portugueses porque acho que as pessoas nem sempre dão valor à nossa origem. Mas isso é talvez por causa das circunstâncias que me obrigaram e obrigam muitos de nós a sair do país”.
A Carla Antunes vai expor dia 17 de novembro as suas obras durante o concerto da banda instrumental portuguesa Mute Sounds que vai apresentar o seu novo álbum. Para mais informações sobre o seu trabalho, podem segui-la no Instagram @carlacaetano.antunes ou no seu website www.frecklesdesign.ca.