Começamos esta história de emigração com três elementos fundamentais; Conceição que foi de Braga para Montreal, Alberto que foi em busca de um sonho, como produtor de televisão e operador de câmara, e finalmente Gabriel David, fruto desta relação que já conta mais de duas décadas de vivências. Este casal passou algumas provações e muita vontade de vencer noutro país que não o seu. O Jornal Comunidades Lusófonas esteve à fala com esta família, cuja história é muito comum, mas ao mesmo tempo diferente da de outros emigrantes. Eis o que se segue.

Vamos dar início à história de Alberto, operador de Câmara, que por não ter passado logo para a Universidade foi enviado para a Guiné-Bissau fazer a tropa, e ao contrário do que estava habituado, não foi uma câmara que o esperava, mas sim uma arma. Não era o seu sonho, porque aquele filme nunca teve um final feliz. Por lá andou durante algum tempo.
Regressou a Portugal e atualmente é produtor da televisão e detentor do “Livro O Galo”, que é muito popular no Canadá, pela Comunidade Portuguesa, e que tem sido um balão de oxigénio para a família de Alberto. “A TVMagazine é um canal aberto, também se encontra no youtube e Facebook, mas as coisas têm-se complicado um pouco desde o COVID”, partilha Alberto. “Tem sido uma luta diária para conseguir manter este programa, mas com esforço e dedicação vamos voltar aos tempos áureos”, desabafa o produtor.
Viveu toda a sua vida em torno de câmaras de filmar, fez e faz reportagens e grandes reportagens sobre vários temas. Nos anos 60/70 começou a trabalhar numa casa cinematográfica produções em Lisboa.
“Era produtor e fazia filmes de longa metragem, publicidade, entre outros projetos, com o 25 de Abril, tudo foi modificado, os trabalhadores que estavam nessa empresa, fundaram a chamada “Unidade de Produção Cinematográfica número 1”, que estava muito ligado ao 25 de Abril. Alberto continuou como operador de câmara, a filmar, a fazer as notícias para o cinema, documentários, sendo o principal o cinema, pois nessa altura as reportagens passavam no grande Ecrã.

Depois do 25 de abril, mais concretamente depois de 1976 foi para o Canadá, houve uma oportunidade e muito rapidamente começou a trabalhar para a televisão nacional, a Rádio Canadá.
Começou a fazer documentários, e surgiu outra oportunidade de fazer uma série para as comunidades portuguesas, latinas, pois era um canal étnico de televisão.
Nos anos 2000, a SIC foi para o Canadá, e o produtor da FPTV, começou a passar no programa da SIC em Toronto, e veio até Montreal e perguntaram-lhe se queriam fazer um programa para SIC Canadá, para a Comunidade portuguesa.
“Começámos a trabalhar para a SIC Canadá, depois passamos para o Correio da Manhã, Canadá, e o Camões TV.” Refere Alberto.
E neste momento estão com o canal YouTube, onde todas as pessoas podem ver o programa, e no Facebook também. Produzem quatro emissões semanais de uma hora.
Os desafios de uma área tão variável
Não é fácil viver de um órgão de comunicação social, não apenas em Portugal, como também no Canadá. Os novos desafios da internet trouxeram múltiplos canais onde se pode ver quase tudo gratuitamente, estamos na era digital e não há como fugir, ou fingir que ela não existe. E é aqui que se colocam os desafios. Perguntamos a Alberto como é que fazem para manter um projeto destes a andar com passos firmes, ao que nos respondeu: “põe o dedo na ferida” diz o produtor. “Temos que fazer uma ginástica enorme como deve calcular. Claro que temos publicidade no programa. As reportagens às vezes são apoiadas por anúncios publicitários, mas não é fácil.
Quando vamos a Portugal tentamos obter apoios para as reportagens e agora com o livro do Galo, conseguimos ter o tal “balão de oxigénio”, fazer a produção das exibições de televisão, porque o livro é um licenciamento publicitário. Os comerciantes estão lá, todos têm uma boa visibilidade, e é rentável. “O livro do Galo é muito mais interessante agora”. Afirma Alberto.
Como é o livro do Galo?
É um género de almanaque, publicam 10 mil exemplares, esses 10 mil são publicados uma vez por ano, têm os comerciantes da Comunidade. Eles pagam para ter uma página. O livro tem mais ou menos 200 e tal páginas, e é distribuído “gratuitamente” pelos comerciantes. Também têm apoio de muitos governantes ao nível do Canadá, Deputados, Primeiros-Ministros, etc.
Todas essas páginas são pagas. Tem imensa visibilidade e as pessoas gostam muito de ver lá os seus anúncios. O livro já está no 53º aniversário. “E é um livro que está sempre em crescimento,” refere Alberto.
Também passam na página Facebook o “Livro do Galo”. Por isso estão a aproveitar os dois mundos com um bom casamento.
E por falar em casamento, a esposa de Alberto, Conceição Ferreira, é originária de Braga, e esteve sempre ligada à administração em Portugal. Trabalhou num departamento no Centro de Emprego, como administrativa. Mas como o seu trabalho ia ser temporário, teve a oportunidade de ir trabalhar para o Hospital de Braga.
Mas não se sentia realizada, pois eram sempre trabalhos temporários. Passou também pelo semanário Económico no departamento de Marketing na delegação de Braga.
Ainda estava a trabalhar no semanário Económico quando surgiu uma oportunidade de fazer um curso técnico na Suíça na área da Hotelaria, mas também foi um desagrado, meio tempo, era pago e meio tempo era na escola.
Como tinha uma prima no Canadá, surgiu essa hipótese, mas não foi à primeira, porque onde trabalhava não lhe pagavam.
Regressou a Portugal e voltou novamente para o Canadá, para trabalhar na sua área, no jornalismo, onde esteve três anos na Rádio Comunitária multi-étnica, com várias culturas.
Andou por outros órgãos de comunicação social, quando conheceu o seu atual marido que a convidou para integrar um projeto de televisão, a MontrealTVMagazine.
Mas houve alguns contratempos, muitos sócios à mistura e as coisas não funcionaram muito bem.
O marido de Conceição disse-lhe que era um projeto em que ambos podiam avançar, sozinho não tinha condições para continuar mas com ajuda de Conceição seria possível manter a máquina a funcionar. E assim foi, já lá vão 21 anos.
Estiveram 16 anos a colaborar com a SIC Internacional, passando pelo difuso de Toronto, entretanto, Toronto não ficou muito contente porque vieram a saber que andavam a “namorar” com a SIC em Lisboa, e começaram a pedir o dobro do daquilo que eles pediam, pois tinham que pagar para serem difundidos.
Entretanto tiveram que deixar de difundir, e deixaram a FPTV de Toronto. Houve algumas “revoltas” por parte dos espetadores, porque o programa tinha muita audiência, e era muito popular, pois trabalhavam junto do público.
O COVID, também não veio ajudar e trabalhavam a partir do o escritório. Faziam entrevistas a governantes e outras figuras.
Conceição fez parte da Fundação da Plataforma de Órgãos de Comunicação Social Portugueses no estrangeiro, que foi fundado em 2015. Um organismo que foi criado no tempo do Secretário de Estado das Comunidades, José Cesário.
Conceição refere também o projeto “O livro do Galo” que foi comprado há 3 anos, mas que já existia há 50 anos. Estava um bocadinho adormecido. Entretanto, em 3 anos cresceu. “Nós fomos buscar a clientela que tinha e até novos parceiros, e agradeço muito este momento onde a nossa estimada Maria abriu a porta para o vosso conhecimento (Jornal Comunidades Lusófonas.” Refere Conceição.
A voz de Gabriel, o filho
Gabriel é fruto desta relação entre Conceição e Alberto, nasceu no Canadá e quisemos dar-lhe voz, sobre o que é ser filho de pais portugueses emigrados no Canadá.
“É um orgulho ser filho de imigrantes, pois tenho duas culturas, a cultura de cá, mas também a cultura dos meus pais, dos nossos antepassados, que é a cultura portuguesa. E eu acho que é uma grande riqueza ser filho de imigrantes e ainda por cima ser filho dos meus pais. Não só são imigrantes, como também têm um programa de televisão, que é dos mais conhecidos e melhor estabelecidos na Comunidade portuguesa, em todo o Canadá. Num país muito grande, com 500 milhões de pessoas.
É um orgulho, e também permitiu-me de ser quem eu sou hoje. Mal tinha nascido e já ia com os meus pais que me levavam no cesto para as festas portuguesas, cresci na Comunidade.
Falo português, frequentei a escola portuguesa, é uma grande riqueza ser filho de pais portugueses e eu mesmo não vivendo em Portugal, todos os anos vamos passar lá férias. Sinto-me português 100% e eu acho que abre mais horizontes, se assim podemos dizer, entre culturas, porque não só tenho a de Portugal, como tenho a do Canadá. A cultura dos meus pais é muito rica, cheia de história, de gastronomia, de música, e de tudo o que possamos pensar.” Remata Gabriel.



