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Quinta-feira - 23 Janeiro 2025

EXCLUSIVO: De Fronteiras Locais a Horizontes Globais: O Caminho para uma carreira internacional

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Entrevista realizada por Lígia Mourão e Marta Henriques Pereira. Da ilha da Madeira, para o “Continente”, depois para a Europa, o salto para o mundo impunha-se. Cinco missões de manutenção da Paz com a ONU, quatro destacamentos com as agências e programas da ONU, nove missões com a União Europeia e ainda conseguiu “encaixar” um casamento com um diplomata australiano e têm quatro filhos. Um caminho feito de muito trabalho e de muito sacrifício pessoal. Um percurso cheio de curvas e contracurvas porque os “torneados da vida faz com seja mais bonita do uma linha reta”. Adepta dos desafios como força motor do desenvolvimento pessoal e profissional diz com um sorriso nos lábios: “ a vida poderia ser mais fácil mas não seria tão divertida”.

A Marta é uma força da natureza. Parece uma frase feita, mas assenta que nem uma luva. A curiosidade que carrega desde a sua infância foi o gatilho da ambição de querer saber mais, conhecer mais, experimentar mais e fazer mais. Nasceu em Coimbra mas sua identidade está na ilha da Madeira para onde foi viver com seis anos. Com um sentido de justiça bem marcado, idealista e curiosa decidiu estudar direito na Universidade Católica do Porto para poder ter a oportunidade de contribuir significativamente para a sociedade, defendendo causas justas, lutando pelos direitos humanos, e promovendo a justiça e a equidade sociais. O fazer e desfazer malas nos voos entre a Madeira e o “continente” foi o estágio preparatório para o que iria ser a normalidade do seu futuro.

Encontramo-nos na Praia da Luz, no Porto durante uma brevíssima passagem da Marta pela Invicta. Eu deixei-me levar pelas suas palavras que condiziam com o movimento das ondas e do vento em vagas de energia e motivação pessoal contagiantes. A responsabilidade de fazer um sumário representativo de 50 anos de um percurso de vida pessoal e profissional tão rico foi um verdadeiro desafio para mim. Por isso, senti um dilema enorme ao escrever este artigo pois não queria omitir nenhuma parte de um percurso carregado de vivências dispares e, no entanto, interligadas.

Aos cinco anos de idade confiaram-lhe a chave da escola do Monte Formoso em Coimbra. Todos os dias abria as instalações e recebia os outros alunos pois a professora morava muito longe. Aos seis anos deixou o mundo que conhecia para ir viver para a ilha do seu pai: a Madeira. A ilha de clima temperado com montanhas dramáticas que acabam abruptamente no atlântico fundiram-se na sua identidade.

Entrou em 1991 no ano propedêutico da Universidade Católica do Porto para estudar Direito. A saída da ilha e de um ambiente de família feliz e protegido, foi muito difícil. O processo de cortar o cordão umbilical provocou um choro compulsivo de uma hora e quarenta cinco minutos: o tempo que demora o voo da Madeira até ao Porto. O “ curso de Direito iria desenvolver o meu pensamento crítico, argumentação, redação, pesquisa, resolução de problemas e ajudar-me a estruturar ideias”.

Sem dúvida que foi a amplitude do curso de Direito que lhe deu a oportunidade de trabalhar não só na área jurídica, em direitos humanos e ainda na área política, amplamente designada em boa governação.

E quando acabou a universidade, iniciou a sua viagem pelo mundo. Começou pela Europa a fazer estágios na União Europeia. Passou pelo Parlamento Europeu, depois pelo Comité das Regiões e terminou na Comissão Europeia com o estágio Blue Book onde acompanhou o dossier das Regiões Ultraperiféricas.

Sem ainda saber como iria trilhar um percurso internacional, regressou à “sua” terra. No entanto, a beleza do Atlântico e das montanhas verdejantes da Madeira não foram ancoras suficientemente fortes para a prenderem. A passagem pela Associação Comercial e Industrial do Funchal, na Câmara de Comércio da Madeira (ACIF_CCIM), no então Euro Info Centre, a rede de apoios às pequenas médias empresas (PMS) europeias, colocava a cabeça na Europa para além da sua ilha. Mas a ambição do seu espírito livre deu-lhe a confiança de se estabelecer por conta própria. Servir os outros, viver para os outros, contribuir para um bem comum. Estabeleceu-se por conta própria na cidade de onde a sua família é oriunda: Câmara de Lobos. Foi nesse tempo que dividindo as mesmas instalações com o seu avô, que aprendeu a importância de ouvir as pessoas, de entender as complexidades por detrás de cada um, de parar para refletir e a dificuldade de alterar comportamentos sociais. O seu avô foi um dos primeiros médicos da Madeira e continuou a trabalhar até falecer aos 97 anos de idade. Assim, quando ambos não tinham clientes sentavam-se nos bancos de espera a conversar. Ouviu do seu avô como foi o seu início de carreira. Numa sociedade que não estava habituada a ir ao médico, só faziam consultas quando o estado de saúde estava muito debilitado. Assim, os seus primeiros três pacientes morreram, crescendo a relutância de o consultarem. Também foi naqueles bancos da sala de espera que “aprendi a importância da disciplina e ética de trabalho, da família e da entrega às nossas paixões. As do meu avô eram a medicina, a religião e as suas plantações de bananas”.

A vida na Madeira era muito preenchida: o escritório de advocacia, aulas de direito numa das Escolas Profissionais, um programa semanal na Rádio Difusão Portuguesa (RDP): “As leis que nós temos”, uma participação semanal sobre a União Europeia num programa da RTP Madeira, apoio a inquéritos com menores da PSP e ainda houve tempo para uma pós-graduação na Universidade Católica de Lisboa em Estudos Europeus.” Foi nesta pós-graduação que através das palavras do falecido prof. Ernani Lopes, me fez pensar na evidência que Portugal sempre se deu bem quando olhou para o atlântico e sempre que olhou para Europa via em primeira linha, Espanha. A ONU começou a interessar-me”. Começou na ONU como voluntária na missão do Kosovo, a UNMIK. “Só existiram duas missões onde a ONU assumiu o papel de administração: no Kosovo e em Timor-Leste. Eu tive o privilégio de participar na transição para a administração local em ambas.”

Apenas nove meses depois “consegui um lugar profissional na OSCE no Kosovo também como oficial dos Direitos Humanos numa municipalidade em Pristina de forma a apoiar a inclusão e integração das minorias servias, roma e outras assim como desenvolver uma política de integração de género.” A sorte estava do seu lado e conseguiu um lugar de profissional na ONU no Haiti: “Fui selecionada para abrir e chefiar o escritório da missão da ONU, a MINUSTAH, no sul do Haiti. Les Cayes, era um sítio lindíssimo com o mar das caraíbas e praias de areia branca. Aí fiz o mapeamento de todos os tribunais de paz, dos serviços de polícia e ainda desenvolvi uma série de ações de apoio a vítimas de violência doméstica contribuindo para a reforma do código penal e de processo penal do Haiti que foi apresentado ao Ministro da Justiça do Haiti no contexto da reforma judicial. Senti que deixei naquele país o meu “grãozinho de areia”de contribuição para o desenvolvimento institucional e a reflexão que as mudanças serem muito lentas.”

Depois do Haiti rumou para Timor-Leste com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) fazendo apoio jurídico às comissões especializadas do Parlamento e após o nascimento da sua filha Marta, integrou a missão da ONU, a UNMIT, como oficial de Direitos Humanos. Continuou a prestar apoio ao Parlamento, apoiar o desenvolvimento institucional do sector da Justiça. Estava em Timor-Leste quando houve o duplo atentado a Xanana Gusmão, então primeiro-ministro e a Ramos Horta, na altura presidente da república, aos quais se seguiram a declaração de estado de sítio. “A minha secção fez a monitorização dos casos de violações de direitos humanos num relatório apresentado semanalmente ao Primeiro-Ministro Xanana.”

A vontade de saber mais levou-a a fazer o mestrado em Direito Público Internacional na Holanda, na Universidade de Leiden. A filha Marta começou cedo a acompanhar as aventuras. Seguiram-se Síria, Bolívia, Burundi, Portugal, Austrália, Mianmar. Nasceu o Tomás e foram para a República Democrática do Congo. Em Kinshasa voltou para a ONU e ficou quase quatro anos pois estava a apoiar a secção política na transição democrática que demorou esse tempo. Um processo difícil que envolveu muitas negociações com o envolvimento da Igreja Católica e a missão da ONU MONUSCO. Essa vivência inspirou o tema da candidatura a doutoramento. Demitiu-se das Nações Unidas em 2019. Já não estava a conseguir conciliar a vida profissional e pessoal, familiar e foi dessa altura que começou a trabalhar como consultora para a União Europeia e para a ONU. Seguiram-se as transições políticas na Jordânia, no Iraque, na Somália, no Quénia e no Senegal onde “ocupei diferentes postos na área da Boa Governação alternado a ONU com a UE.”

Esteve em três alturas diferentes em Moçambique com a União Europeia a acompanhar as diferentes transições democráticas e está sempre pronta para voltar. Aquele foi o país onde a sua mãe nasceu e onde a sua avó viveu cerca de 50 anos.

“ A vida de consultora implica estar sempre a atualizar-se, a concorrer para outros mas também permite maior flexibilidade e liberdade na organização do tempo”.

A Marta relembra que “não era usual quando comecei a trabalhar numa carreira internacional que os empregos nacionais dessem flexibilidade laboral e diversidade. Assim as pessoas tendiam a ficar nos mesmos empregos a fazer coisas semelhantes a vida toda. O mundo ficou mais global e por isso mais acessível. As pessoas estão mais dependentes de si próprias para organizar esquemas de pensões e seguros médicos e as novas tecnologias levaram a que as pessoas possam ter carreiras com maior mobilidade”.

Esta conjuntura fez com que as carreiras internacionais sejam mais acessíveis e o número de profissionais que busca esse tipo de trabalho aumentou exponencialmente. Neste contexto, o Conselho Ministros, em Dezembro de 2022 aprovou uma resolução que delineou estratégias de reforço da presença de funcionários portugueses nas instituições europeias e em organizações internacionais. “Considerei que a política era muito oportuna, mas desajustada e na sequência da aprovação dessa política escrevi um artigo no semanário Expresso intitulado: “Vai que Deus te acompanhe. Foi assim que nasceram os podcasts “Caminhos Globais” sobre o percurso de portugueses que trabalham no sistema das Nações Unidas, nas Organizações Internacionais e na União Europeia e são produzidos com o apoio da RDP.”

Sempre pronta a continuar a servir a causa pública e os outros, em janeiro de 2024 a Marta fundou a associação Resposta Luso da qual é presidente. Esta associação sem fins lucrativos visa prestar apoio integrado nos sectores humanitário, de desenvolvimento sustentável, contribuindo para uma paz douradora, prioritariamente nos países lusófonos. Tem como missão desenvolver projetos inclusivos e ações de capacitação que promovam a resiliência das comunidades através de uma abordagem integrada entre os sectores públicos e privados. Para além disso, visa estabelecer uma bolsa de peritos que possam ser enviados para apoiar ações humanitárias, de desenvolvimento institucional e de paz em agências e programas da ONU, bem como em serviços governamentais de diferentes países da lusofonia.

Nós ficamos por aqui. Mas a Marta ainda tem na “manga” mais uns projetos que está a elaborar e que serão revelados na devida altura.

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