João Pina nasceu a 20 de dezembro de 1967 numa pequena aldeia do distrito da Guarda, chamada Trinta, mas residiu sempre noutra aldeia vizinha de seu nome Meios. O pai era de Trinta, e a mãe de Meios. Teve uma infância feliz. Nas pequenas aldeias havia 100, 150 habitantes, embora Trinta tivesse mais de 500. Todos se conheciam e trabalhavam na grande maioria nas cinco fábricas de lanifícios, têxteis. Era uma aldeia pequena, mas muito familiar. Foi para a Guarda fazer o segundo ciclo e depois o primeiro ano do liceu. Mas tinha muitas ambições, e as cadeiras da escola já não lhe assentavam bem.

Muito cedo quis começar a trabalhar e tentar perceber o que era a vida ativa, começou aos 14 anos na construção civil. Trabalhou dois anos nessa área, mas a sua ambição e dos seus conterrâneos era ir para a fábrica dos têxteis.
Todos os seus familiares trabalhavam nesse setor. O pai, a mãe, e os tios. Conseguiu o que desejava, e foi para a fábrica dos lanifícios, onde esteve cinco anos, quatro deles no turno da noite. Quando fez 18 anos tirou a carta de condução e pouco tempo depois “encontrei um namorisco”, daquelas aldeias do Mondego e rapidamente casou, tinha apenas 19 anos.
“A minha esposa na altura tinha 18 anos, e de seguida tivemos um filho, o Tiago”, que hoje trabalha com ele nas empresas. Quando se tem mais uma responsabilidade acresce a ambição de trabalhar e de fazer mais na vida. Decidiu viajar para a França, terra onde estavam os tios, irmãos do seu pai, pois em França havia muito trabalho e conhecida como “uma Terra de Ouro”.

Decidiu arriscar mesmo não tendo qualquer contrato de trabalho e foi para França com a ajuda de um “passador”, era assim que designavam as pessoas que levavam os portugueses para outras paragens sem documentação.
Decidiu ir sem avisar, “foi uma surpresa”, diz João, foi uma atitude um “pouco imatura”. Mas mesmo assim arriscou e foi bem aceite pelos familiares. Ficou em casa deles para começar a vida naquele país.
A chegada a França em setembro 1986
Foi o ano em que Portugal entrou na Comunidade Económica Europeia (CEE). A entrada de Portugal num dos países comunitários ainda obedecia a alguns critérios, nomeadamente trabalhar num país também membro da CEE. Foram necessários cinco anos quando abriram as portas à imigração, mas tinham de provar que estavam lá a trabalhar há pelo menos cinco anos. João Pina fez parte daqueles cujo sistema chamava de “ao negro”, para quem trabalhava sem documentação. “Já tínhamos um filho que estava na escola, mas em 1993 “organizei-me e fui constituir uma empresa, na construção civil, a 3 de Abril 1993.”

Era uma empresa em nome individual que se chamava João Pina, idêntica à de agora. Como não queria uma sociedade, “abri uma em nome próprio, unipessoal, em que era o Patrão”, diz com orgulho. A empresa foi evoluindo, e depois “comecei a contratar mais pessoas.”
Em 1998, divorciou-se e como a empresa era Unipessoal, os bens a partilhar faziam parte da receita da casa, e teve de parar um ano. O Tempo de refazer a documentação, e constitur uma nova empresa, uma sociedade anónima, a João Pina, completamente diferente, os estatutos não eram os mesmos, era é uma SARL (Sociedade Limitada de Recursos Limitada). Que em caso de falência tinha a quantia que pertencia ao Banco ou aos credores.

A empresa foi crescendo, entre 2001 e 2003 até que 2007, verificou-se uma afluência muito grande de clientes e de dinheiro, e foi nessa fase que “começámos a comprar empresas e constituímos uma de limpeza. Porque ia na mesma linha, quando terminamos os trabalhos, a empresa de limpeza entra em ação, para entregarmos ao cliente tudo limpo.”
Sentiu-se alguma vez que descriminado?
Discriminação na verdadeira aceção da palavra não, mas havia sempre aquela dificuldade entre os que tinham documentação e os que não tinham, os que não declaravam os seus rendimentos. “Mas os portugueses foram muito solidários”. É uma Comunidade que está muito bem vista, muito trabalhadora, que se integra bem, respeitadora, e tudo isso fazia “com que nós, ao nível do trabalho conseguíssemos encontrar facilmente, mesmo não tendo documentação”. “Trabalhava muito, até ao sábados ia fazer jardinagem para casa dos franceses e nunca sofri nenhum tipo de discriminação, bem pelo contrário,” enfatiza João Pina.
Maiores dificuldades
As dificuldades em Portugal eram mínimas e ir para a França foi mais uma aventura, em procurar melhorar a vida, mas “eu trabalhava em Portugal, nos lanifícios, nos têxteis”. Muitas vezes” trabalhávamos” dois, três turnos, o que nos proporcionava um salário mais ou menos confortável.
Nunca passou por dificuldades quer em Portugal quer em França. A problemática na altura tinha a ver com a documentação. Quando a pessoa não está “legal” no país, a maior dificuldade era encontrar uma casa para viver. Porque as pessoas precisavam de apresentar rendimentos para poderem atestar que podiam pagar o aluguer.
Por norma a procura de casa andava de boca em boca, na comunidade portuguesa, e nesse aspeto os portugueses eram muito unidos, quando havia uma casa livre, “indicavam-nos”.
Tirando isso, havia bastante trabalho. E os patrões também eram na grande maioria portugueses, e sabiam a “nossa realidade”, pois também eles passaram por uma situação semelhante.
João de Pina, o empresário e o Benemérito

Em 2012, 2013 quando houve a crise em Portugal, a SIC, fez uma grande reportagem em França durante uma semana sobre “O empresário de Sucesso Coração de Ouro”. Que passou duas vezes na televisão, em 2013, na Páscoa, e no Domingo de Ramos, no jornal de domingo das 20 horas. O reflexo dessa notícia trouxe um elevado número de telefonemas sem parar, era tal a afluência das pessoas a “pedirem-nos trabalho, que mal conseguíamos fazer o nosso “pois estávamos sempre ao telefone”.
Iniciou no ramo do imobiliário, “estávamos numa fase de crescimento, compramos imobiliário para acolher pessoas vindas de Portugal”. O importante era que se sentissem bem. Na altura, a SIC acompanhou a vida deles. Os apartamentos para onde iam tinham todas as comodidades, cama feita, frigorífico cheio, uma mesa, com cadeiras, um sofá, um verdadeiro lar. Acolhidos de forma digna e condigna.
Quando traziam os filhos, nos apartamentos tínhamos quartos iguais aos dos meus filhos. “Para que não houve distinção entre o quarto da minha filha e a deles.”
Temos empresas que contratam e precisam sempre de muita gente, à imobiliária juntaram as empresas de limpeza. Empregavam homens e mulheres em setores diferentes, mas têm sempre trabalho. Muitos já estão noutros lugares, bem na vida, “e é esse o nosso objetivo, proporcionar projetos de vida.” Neste momento tem 15 apartamentos, e trabalham nas suas empresas entre 58 a 60 pessoas, empregos diretos.
A Comunidade portuguesa em França e em Portugal, o trabalho comunitário
Entre 2013 a 2015, Portugal estava a atravessar uma grave crise financeira. “E para mim, era impensável saber que estavam pessoas a passar “na minha cidade fome, não há fome na minha cidade!”. Reforçou. E foi conhecer in loco a realidade nua e crua das dificuldades que atravessavam muitas pessoas e instituições de ajuda e solidariedade social.
A partir de 2015, ofereceram uma verba para ajudar na compra de uma carrinha para a Guarda. Deslocou-se à cidade e apadrinhou a casa da criança da Guarda, que é maior instituição de crianças, de carência social. E a partir daí na “Guarda nunca mais parámos de ajudar. Hoje temos oito prémios no centro penitenciário da Guarda, e oito prémios para estudantes.”
“Todas têm direito quando saem da prisão, integrarem-se na sociedade. Sobretudo ao nível dos estudos, apostarem na formação”. Há prémios de 10 bolsas de estudo na prisão. Quase todas as instituições da Guarda tiveram ajuda de João Pina. “Foram três anos difíceis,” salienta o empresário.
Em 2015 deram uma ceia de Natal para 500 pessoas de cariz social, onde esteve presente o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro. Foi a primeira saída oficial dele, para a Guarda. Em 2016, 2017 e 2018, estiveram na distribuição de bens alimentares e roupas.
Em 2019 fizeram uma ceia de Natal para 1250 pessoas na cidade da Guarda, mas estavam convidados todo o distrito, e foram entregues 500 cabazes de Natal. João Pina teve de contratar uma pessoa para trabalhar em Portugal para ajudá-lo nos contactos e outras atividades ligadas à ajuda social.
Em 2019, nasceu a Nova Era, a Fundação João Pina. Para este evento contou com a presença do Presidente da Câmara, Álvaro Amaro, “tínhamos tido uma conversa no ano anterior a dizer que a dimensão daquilo que fazíamos já era um bocadinho, era preciso mais um pouco de “transparência.” A Câmara queria participar. Queria juntar-se a nós e outros concelhos. Nesse mesmo ano o Presidente Álvaro Amaro nomeou um “Embaixador” da Guarda em Paris para poder representar e captar investimentos. Mas o projeto não de em nada.
Aproveitando essa ideia falhada, a Fundação atualmente tem catorze “embaixadores” no mundo, representantes, pois Embaixador é uma palavra forte, “que se utiliza no governo, ao nível diplomático”.
Esses representantes, fez com que entrasse em contato com pessoas nos Estados Unidos, no Canadá, no Luxemburgo, Alemanha, um pouco por todos os lados, “era bom para mim, porque me abriu outras portas.”
Em 2022 deram uma ceia de Natal logo após o Covid. Naquele período providenciaram muitos bens alimentares. O próprio Presidente da Cruz Vermelha da Delegação de Fafe, disse que, na altura, “se não tivesse sido nosso apoio teria sido muito complicado para eles”, foi na altura condecorado pela Cruz Vermelha Nacional com a Medalha de Benemerência.
“As coisas não se fazem pelas medalhas, fazem-se porque queremos”, e “temos vontade de fazer”. Nesse ano em 2022 “tivemos uma ceia de Natal para 830 pessoas,” onde estiveram representadas não só o distrito da Guarda, mas também, Mangualde, Viseu, Santo Tirso, Fafe, sobretudo da zona norte do país. “No dia do meu aniversário faço festas. Porque é um dia muito importante… Também é o dia em que faleceu o meu pai, e tento que o dia 20 de dezembro seja sempre muito especial.”
