No menu items!
14 C
Vila Nova de Gaia
Quarta-feira - 22 Janeiro 2025

EXCLUSIVO: “É necessário saber donde vimos, conhecer a nossa história para podermos saber quem somos”

Destaques

Maria Dos Anjos Paiva Camara, reconhecida por muitos como Angie Camara, faz parte dos 400 mil Portugueses que vivem no Canadá e foi condecorada em 2023 com o Community Spirit Award. Este prémio é atribuído pelo Centro Cultural Português de Mississauga às pessoas que impactaram a comunidade portuguesa na região.

“Quando recebi o Community Spirit Award senti-me muito orgulhosa e ao mesmo tempo nunca pensei que ia receber alguma coisa assim na minha vida” conta Angie, secretaria do Centro Cultural Português de Mississauga, com emoção. A Açoriana deixou para trás Vila Franca do Campo em São Miguel para viver com o marido José Camara em Mississauga no distrito de Ontario no Canadá quando tinha apenas 19 anos.

“Quando cheguei ao Canadá em 1974, a vida não era fácil. O meu marido estava bastante envolvido nas Igrejas. Ele organizava festas, arraias e procissões. Através das suas conexões com a comunidade portuguesa, acabei por integrar a comunidade” explica. A proximidade com outros Portugueses permitiu à Angie de manter uma conexão com Portugal e também deu-lhe vontade de apoiar outros imigrantes. Mas a razão que a levou a fazer voluntariado veio mais tarde quando teve o seu terceiro filho Andrew que infelizmente faleceu em 2013.

“Quando tivemos as gémeas, elas iam à escola portuguesa aos sábados. Mas para mim não era suficiente! Eu queria que elas integrassem um grupo de rancho e que fizessem outras atividades culturais, mas naquela época como só tínhamos um carro eu não podia leva-las para onde queria. Mais tarde quando o Andrew nasceu, eu queria que ele aprende-se a língua e conhece-se a cultura portuguesa, e havia um centro onde davam aulas de português três dias por semana. Estava convencida que conseguiria leva-lo para lá, porque para mim era mesmo importante que ele pudesse ter aulas em português três dias por semana, em vez de só uma aula por semana como foi o caso das irmãs” relata.

Naquela época, o centro de Mississauga encontrava-se a uma hora de carro da casa da Açoriana e da sua família e levava então o filho três vezes por semana até lá. “Em termos de tempo, não me dava muito jeito leva-lo e depois voltar para casar para ir busca-lo mais tarde, então enquanto ele estava na escola, eu comecei a ajudar no centro” descreve. E foi assim que Angie Camara começou a fazer voluntariado passando de vice-tesoureira a vice-secretária até chegar a ser secretaria do Centro Cultural Português de Mississauga. “Comecei o voluntariado no centro há mais de três décadas e ainda não me aborreci! Por vezes nem me apercebo do tempo a passar” conta a rir.

A história da Angie reflete uma ansiedade que muitos pais portugueses têm quando emigram para outro país: o medo dos filhos não falarem português, não conhecerem a cultura portuguesa ou esquecerem as suas raízes. “É uma conversa que tenho com muitos pais que integram os filhos na escola portuguesa do centro. O que lhes digo é que é importante mostrarem o exemplo aos filhos. Quando comecei o voluntariado os meus filhos começaram também a frequentar o centro e estou muito feliz de ver que estão mesmo integrados na comunidade portuguesa agora. O Andrew por exemplo começou a dançar no rancho do centro quando tinha seis anos e apaixonou-se tanto por aquilo que acabou por ser ensaiador do grupo” detalha a secretaria.

O exemplo da Angie, de uma mãe que luta para os filhos, não só é inspirador para muitos pais como também acaba por demonstrar que a força de uma pessoa pode estender-se a uma comunidade inteira. Para ela, o contacto com outras pessoas traz-lhe alegria e vê o quanto os imigrantes precisam dum espaço onde podem conversar em Português. “Em 30 anos de voluntariado, eu sinto que a comunidade portuguesa em geral necessita de convívio com pessoas que falem a mesma língua e que têm a mesma cultura. Vejo que as pessoas idosas sentem-se muito sós. Há muitos centros de dia para eles mas a maior parte são em Inglês e as pessoas idosas nem sempre falam Inglês. Portanto, é muito importante para eles terem um sítio de apoio onde se sentem como em casa” explica.

Mas se por um lado as pessoas idosas necessitam de mais convívio com a comunidade portuguesa, por outro lado, os jovens entre os 20 e 30 anos que nasceram no Canadá não têm tanto envolvimento com a comunidade. “No nosso centro temos bastantes jovens mas também vejo muitos jovens que se sentem mais próximos da cultura canadiana. Não sinto isso com os meus filhos porque foram mesmo criados na comunidade portuguesa mas nem todos os pais fizeram as mesmas escolhas e portanto os filhos acabam por desinteressar-se da cultura portuguesa” conta a secretaria.

“Gosto muito de fazer voluntariado e dou tudo o que posso para a comunidade portuguesa porque gosto de dar. Espero que mais pessoas façam voluntariado e criem comunidades onde ajudam e apoiam os outros porque é muito gratificante. Eu acho que viver num ambiente cultural com as suas tradições cria uma conexão com as raízes e é muito importante. É necessário saber donde vimos, conhecer a nossa história para podermos saber quem somos. E é também necessário estar em convívio com os outros porque senão vivemos o nosso dia-a-dia sozinhos. Estar em contacto com outras pessoas faz muito bem à alma e faz-nos sentir felizes saber que podemos desabafar com outros” conclui.

Andreia Saraiva / Correspondente em Toronto (Canadá)
Ver Também

EXCLUSIVO: AICP – Academia Internacional da Cultura Portuguesa, às portas do 60º aniversário

O Jornal Comunidades Lusófonas esteve à fala com a Presidente Maria Regina Mongiardim da (AICP), Academia Internacional da Cultura...