Escolher é talvez a primeira e única opção que a liberdade nos concede. O voto não é exceção e as legislativas desta semana são um momento para tal. O voto é como a moralidade, e tal qual a moralidade depende de cultura e de muita emoção, cabe-me a mim, ousado nesta crónica, trazer alguma objetividade à escolha.
Podemos analisar em dois passos, primeiro, a origem da necessidade deste novo ato eleitoral, e segundo, e mais importante, que programas são propostos.
A primeira, diria, é de resposta muito fácil. Todos os 3 maiores partidos não podem ser isentados de culpas, e na minha opinião, mais do que definir qual será o vencedor, o ato eleitoral irá definir quem serão os perdedores. O PS porque podia simplesmente ter-se abstido à moção de confiança, validando o seu principal argumento de protesto ao Governo – a execução da CPI ao Primeiro-Ministro que cai com a dissolução da Assembleia. A AD porque, embora não havendo nenhuma prova de tráfico de influências por parte de Montenegro, se expôs ao ridículo a precipitar esta crise e a deixar o alegado caso ainda mais nebuloso (recordo a Montenegro, que apesar de bom político, está longe de ser um Maquiavel). E obviamente o Chega que, pelo seu carácter errático, prova que não é confiável. Assim sendo, além de se perceber quem perderá nessa tríade, há também a curiosidade de ver quem capitalizará entre os partidos mais pequenos, onde a IL sai na pole position, pela postura responsável que mostrou no processo e, por a par do Livre, serem os partidos que apresentam uma postura mais racionalmente ideológica, bastando saber se o último conseguirá ou não, engolir os seus rivais de setor, a CDU e o Bloco. Não me referi ao PAN porque como todos os partidos monocausa, o seu peso no voto, será sempre mais impresivível, e como rematei no primeiro parágrafo, entra na panóplia de votos baseados na emoção, como diria que quase todos são.
Em termos de propostas, analisarei os principais pontos de cada um a partir de seis áreas que considero fundamentais – a saber, saúde, educação, habitação, segurança/justiça, segurança social /trabalho e papel do Estado.
No que concerne à saúde, o principal problema do setor é o acesso aos cuidados primários, ou simplesmente médico de família ou de urgência local, bem como de sustentabilidade de todo o SNS. Não existe uma proposta que seja uma verdadeira solução para o problema. Destaco à esquerda, talvez o Bloco que propõe exclusividade para a medicina familiar com a contrapartida de majoração salarial, e no PS destaco a reorganização dos Serviços de Atendimento Permanente, no sentido de desafogar os hospitais. Da parte da direita, todos concordam que o avanço para mais centros de saúde complementares possa ser a solução. A única reforma de fundo que me parece ter algum potencial pode ser a ideia de vale de saúde que a IL propõe, provavelmente numa alusão ao sistema alemão onde o Estado, em vez de fornecedor de saúde comporta-se, mais, sobretudo como um segurador ou financiador de saúde. Talvez a reforma do sistema de saúde no sentido de acomodar as farmácias em linha direta com os centros de saúde fosse uma boa solução como acontece nas ilhas britânicas, e o PAN parece referir-se a essa possibilidade embora sem grande desenvolvimento.
No que respeita a Educação, considero que o principal problema passe por uma uniformização excessiva do ensino que não tem em consideração as particularidades de cada Escola, bem como o psicótico do estudante de hoje, que devido à quebra da natalidade, e como diria Freud, se encontra mais exposto às neuroses dos seus pais e seu ambiente. Como tal dou um bem-haja ao Bloco e ao PAN que consideram relevante a aposta na psicologia e à meta de um psicólogo por cada 500 estudantes. Não obstante, se o problema é a falta de diversidade, permitir um sistema flexível que albergue a possibilidade de escolha da escola por parte da família, bem como da oferta escolar, parecem-me mais ambiciosos os planos do Livre e da IL que se preocupam mais com a autonomia das Escolas ou de redes alternativas, seja o ensino em casa, seja o alternativo, ou dos próprios currículos, onde a IL quer inserir a literacia financeira e digital. Já os dois principais partidos concordam que limitar ou até proibir os telemóveis nos primeiros ciclos seja importante. Agarrados às suas obsessões ideológicas continuam Chega e CDU, o primeiro a querer introduzir mais exames nacionais e os segundos, a quererem abolir todos.
No campo da Habitação, há preocupações nos principais partidos de resolver o problema das casas devolutas e de baixar impostos na Construção, onde PS e IL querem constituir um Código da Construção, em vez de leis dispersas. A CDU, não obstante, a impraticabilidade das suas ideias, remata um aspeto importante – a limitação da posse de casas a fundos imobiliários, o que do lado da concorrência, embora liberal, parece-me importante, pois tais fundos podem constituir oligopólios como acontece noutros países. Esperava uma AD mais ambiciosa, mas quem contribui mais para o lado da oferta é a IL a querer desburocratizar a construção de pré-fabricados/modulares e a simplificação da conversão de terrenos rústicos em habitacionais.
Na área da justiça e segurança, a AD quer recuperar o antigo SEF, com o nome de Unidade de Estrangeiros e Fronteiras, e entregar a sua responsabilidade à PSP. Saliento e saúdo a preocupação crescente em regulamentar o lobbying por várias forças políticas (AD, IL, PAN), algo fundamental para ajuizar a eventual promiscuidade entre políticos e grupos económicos, e ainda mais longe a proposta de criminalização por parte do Bloco do uso de offshores, o que na minha opinião é a maior chaga no mundo moderno após o fim da Escravatura. Sem transparência é impossível liberdade. Por parte da ação policial, o reforço das forças de segurança com meios coercivos não letais (como tasers) defendida pela IL parece-me um campo prático para reduzir eventuais acidentes no desempenho policial. A isso acrescentaria o uso de bodycams nos agentes, algo que aparentemente, não encontrei em nenhum dos programas.
Naquilo que é a crónica lentidão da justiça, mais uma vez parece-me que IL e Livre são uma vez mais objetivos, o primeiro com o efeito devolutivo do recurso ao Constitucional, permitindo a progressão do processo e consequência penal até à decisão do Tribunal, e no caso do segundo, a restringir a fase instrutória a questões formais de Direito, evitando reformulações palacianas da fase de inquérito que muito descredibilizam a Justiça. Chega e CDU mostram uma vez mais o carácter de partidos de protesto, a piscarem o olho para a inconstitucional acesso à greve e à filiação partidária/sindical das forças de segurança e de justiça.
No cerne da Segurança social/Trabalho, não vejo nenhuma operação de fundo excetuando duas: o fim do outsourcing defendido pelo Bloco, ou seja, o fim do recrutamento de trabalho por terceiros, uma prática que considero danosa, porque desvirtua a relação direta entre trabalhador e empresa, levando a contratos de trabalho de segunda; e a existência de um regime complementar de contribuição para as futuras pensões mediante capitalização em contas poupança, podendo haver um valor obrigatório, e outro voluntário, com isenção de imposto até 20.000 euros, sugerido pela IL. Notas extras para o facto de o PS e o Livre, embora de maneiras diferentes, ponderarem a hipótese de um valor a atribuir, ora sob a figura de certificado de aforro, ora de herança, para os futuros nascimentos, e num outro prisma, à imagem de sistemas como a Autoeuropa, Bloco e Livre, proporem uma representação dos trabalhadores na gestão da empresa.
Por último, que papel deve ter o Estado na oferta de serviços como transporte, energia, comunicação, etc, realço a defesa por quase de todos de um Passe Nacional, ou de uma plataforma de bilhética comum, algo no qual o Centrão parece concordar, bem como o estudo da eventualidade de energia nuclear por parte de IL, Chega e Livre. Terá de ser o Estado a garantir transporte, energia, e estar representado na Banca e na comunicação social, será sempre uma linha de fratura entre defensores do sistema público e de um sistema liberal. Cabe-nos a nós escolher se uma RTP, uma CGD, ou uma CP se poderão manter numa esfera pública, tendo em consideração que num país periférico, não haverá dinheiro para tudo. E se por um lado creio que empresas públicas terão de cair, por outro, temos de pesar o risco, de que se tal não for bem executado, podemos ainda promover mais monopólio, ou até perder o papel de pivot que um Estado pode ter. Por último também é papel do Estado, definir a sua forma de ver os impostos, e definir se queremos mais ou menos escalões de IRS é precisamente outra maneira de ver esse papel, bem como o avaliar do peso do IRC, e aí é que a AD ganha pontos por reduzir o preço do trabalho, embora sem mostrar a conta que isso poderá custar nos serviços que poderemos ter de abdicar. Acho que no fim o mais ousado é a criação de apenas 2 escalões de IRS como preconiza a IL, o que facilitaria verdadeiros aumentos salariais, mas que peso isso teria na receita pública? Confesso-me liberal, mas não revolucionário, até porque acoplado a revoluções vêm guilhotinas, e se acredito que reformas serão inevitáveis, mais importante será a transição para as mesmas.
Cabe à maioria parlamentar que é definida nas legislativas definir que tipo de sociedade liberal quer e cabe também a nós, como nunca tão informados, até hoje, estar consciente dos programas em que votamos.
Autor: Pedro Miguel Santos
