Em conversa com o Jornal Comunidades Lusófonas, Inês Peixoto, faz uma radiografia da sua experiência como emigrante e Conselheira das Comunidades Portuguesas em terras dos Ducados. Quando falamos em discriminação, sente-se um ligeiro desconforto, pois sempre foi tratada de forma mais ou menos igual no seu local de trabalho, e até ao momento sente-se feliz em estar lá fora, no dia em que se sentir discriminada regressa a Portugal.

A sua primeira opção não foi o Luxemburgo, licenciou-se em enfermagem em Portugal, e depois ainda tirou um curso de medicina chinesa durante 4 anos na Universidade Pedro Choy, em Lisboa. Em Portugal os horários dos enfermeiros são extremamente sobrecarregados. “Temos um horário e de 50, 60 horas suplementares, mais um segundo trabalho para ter uma estabilidade financeira”, descreve a enfermeira, Inês Peixoto.
Quando saíu de Portugal, primeiro foi para a Bélgica, Liège, por um período de um ano. Tirou uma licença sem vencimento, porque estava no último ano da formação de medicina chinesa e tinha como objetivo ir à China. Foi nesse contexto, que foi trabalhar para a Bélgica.

Faz este verão 9 anos que saíu de Portugal. Ficou em Liège três anos, adorou. Não é uma cidade bonita, mas as pessoas são muito acolhedoras, e ao nível de integração, ao fim de 3, 6 meses “sentia-me como se tivesse vivido lá sempre”, refere.
Candidatou-se na altura a Bruxelas e Luxemburgo, numa sexta-feira, e o Luxemburgo respondeu-lhe na segunda.
“Eu disse: é um sinal. E foi trabalhar para o Grão-Ducado, como enfermeira nos cuidados intensivos, pois “tenho mais de 14 anos de experiência”. Entretanto deu-se o COVID, e no início os cuidados intensivos “precisavam de nós”, e as urgências precisavam de pessoas com a experiência de ventiladores, e decidiu ir um ano para as urgências, “não quer dizer que não gostei. Nós quando trabalhamos, temos que gostar e sentirmo-nos bem naquilo que estamos a fazer, para que o trabalho não seja só um trabalho, mas sim uma paixão, e as urgências não eram a minha paixão.” Então pediu para mudar de serviço. “Não me deixaram e mudei de hospital”. Candidatou-se para outro hospital, onde se encontra presentemente e que fica no Sul do Luxemburgo. “E cá estou, como enfermeira de consultas cirúrgicas.” No Luxemburgo há um hospital no Sul, um no Norte, e dois no Centro do país.

Conselheira das Comunidades Portuguesas
Para a enfermeira, Inês Peixoto, na Comunidade Portuguesa há algumas lacunas de informação. Por exemplo, ter um médico de família, não é como em Portugal.
Ter médico de família é uma coisa básica, vai-se à Internet, ou vê-se no anuário dos médicos e escolhe-se o médico. Não é o médico que é atribuído.
“Nós podemos escolher o médico, mudar de médico de família, e há pessoas que eu me cruzo todos os dias que não têm essa informação, e a partir daí pensei que poderia fazer alguma coisa.”
Quando surgiu a oportunidade de apresentar uma lista para conselheira, não hesitou, e candidatou-se. Não é muito fácil, e pensou que não ia conseguir. Estava só há 4 anos no Luxemburgo quando se candidatou e “não sou aquele tipo de pessoa que vivem cá há 20 anos, e que sou muito conhecida.”
Mas correu tudo muito bem, é conselheira, o trabalho é muito mais amplo que na saúde, a saúde e a informação essa continua a dar aos pacientes que se cruza, mas, “temos a parte da língua portuguesa em que há algumas lacunas e nós como conselheiros, tentamos reunir-nos todos os meses e apresentar soluções ao Governo, ouvir as nossas comunidades.”

“Há muitas questões que tratamos, temos as associações que desempenham um papel importante para que a nossa cultura continua viva nos países onde vivemos.”
Há várias coisas que se faz quando se é conselheira. “Ser Conselheiro não é fácil e toma-nos muito tempo, nunca mais tive um fim de semana livre, só para mim, porque para se conhecer bem o terreno tem que se estar presente nas iniciativas na nossa Comunidade.”
Que tipo de aconselhamentos dão, nomeadamente na sua área?
“Não digo aos meus doentes que sou Conselheira da Comunidade Portuguesa. Uma coisa é ser enfermeira. Outra coisa é ser Conselheira da Comunidade Portuguesa. No meu hospital eu sou enfermeira e ponto.”
“Mas vejo que há lacunas, que não sabem como é que podem pesquisar, e dou informação sobre como ter um médico de família, pois continuam sem saber que podem ter um médico de família.”
Diferenças entre o sistema de saúde em Portugal e no Luxemburgo. Qual acha que é o sistema que está melhor apresentado?
Não acha que haja um sistema de saúde melhor em Portugal ou no Luxemburgo. Há pontos fortes nos dois e pontos menos fortes em ambos, o Luxemburgo, ainda não tem, mas terá falta de enfermeiros e de médicos daqui a 10 anos, e Portugal já está a sentir isso na pele. O Luxemburgo tem a vantagem que ainda pode trabalhar para que não sofra desse problema. Em Portugal assiste-se a uma fuga muito grande de profissionais de saúde anualmente, e está está cada vez mais difícil de colmatar essa lacuna.
A vida de emigrante não é fácil, e pelo fato do Luxemburgo fazer parte da União Europeia não é um dado adquirido de que tudo corre bem e se arranja emprego do dia para a noite. Há muitos desafios. Para se trabalhar no Luxemburgo, “eu falo sempre da minha experiência. Candidatei-me, tive um contrato, e já tinha autorização para exercer a minha profissão no Luxemburgo. Com o meu contrato, aluguei uma casa, eu digo sempre, não venham às escuras, informem-se antes de virem porque não é um país fácil para nós nos estabelecermos ao nível económico.”
É verdade que os salários são melhores, mas as despesas não são inferiores nem iguais a Portugal. E dá sempre o exemplo: no Luxemburgo um T1 custa em média 1500 euros por mês.
É por isso que diz às pessoas para se informarem sempre, vão ao sítio adequando para obterem todas as informações, e façam todos os procedimentos para depois não cairem em fragilidades, em terem de dormir no carro, com muitos que chegam até nós. Tinham um “contrato”, mas não era um contrato, era só um acordo verbal e no final as coisas não correram bem, e depois essas situações são sempre muito delicadas.
No que diz respeito à discriminação, não sentiu, porque é uma pessoa otimista. Arranjou uma casa, e quem a alugou é Luxemburguesa, e está no apartamento há seis anos e está muito satisfeita. Eu também estou contente, portanto, não é por aí, “acho que não é fácil, baixar os braços e não criar resistências do nosso lado ajuda muito.”
Está feliz no Luxemburgo. As condições de trabalho são, infelizmente, muito melhores que Portugal, porque Portugal é “o nosso país, e estou bem integrada. Costumo dizer, um dia que as condições de trabalho não sejam boas aqui, volto para o meu país, porque para estar mal, ao menos estou casa.”
E deixa uma mensagem aos nossos governantes, “tratem bem dos nossos profissionais de saúde para que não tenham de sair do país.”
