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Domingo - 19 Maio 2024

Exclusivo: Funcionário das Nações Unidas em Banguecoque dá-nos o seu testemunho

Destaques

Ricardo Freitas Rodrigues. Banguecoque, Tailândia, março de 2023. Arquivo Pessoal.

Ricardo Freitas Rodrigues, é um funcionário das Nações Unidas que teve o seu início em 2009. O seu percurso académico é pontuado por quatro diferentes ciclos de estudos. Desde logo, uma licenciatura em Relações Públicas pelo Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Fernando Pessoa, no Porto. De seguida, uma pós-graduação em Ciência, Cultura e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, à qual foi posteriormente adicionado um mestrado de Ciência Política em Relações Internacionais na Faculdade de Ciência Política da Universidade de Thammasat, em Banguecoque, na Tailândia. E espera estar em condições de concluir, daqui por oito meses, o doutoramento em Governo e Política na University College Cork, na Irlanda, ao qual se tem dedicando há já alguns anos, a par com a sua diuturna atividade profissional. “Venho, no fundo, tentando colocar em prática esta ideia de aprendizagem constante ao longo da vida, na medida dos condicionalismos temporais aplicáveis.”

O funcionário português iniciou a sua atividade na Organização das Nações Unidas em agosto de 2009. “Apresto-me pois a cumprir quinze anos de serviço ininterrupto na Organização. Enquanto Administrative Officer no Secretariado”, encontrando-se colocado, desde abril de 2011, na Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia e o Pacífico, sediada em Banguecoque, capital do reino da Tailândia, onde tem vindo a desempenhar, ao longo dos anos, tarefas de diversa natureza.

Há mais portugueses a trabalhar na ONU em Banguecoque?

Vista a partir do Templo de Kiyomizu-dera. Quioto, Japão, abril de 2024. Arquivo Pessoal.

Existe um outro cidadão nacional a exercer funções no seio da Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia e o Pacífico, justamente aqui na sede, em Banguecoque. O Engenheiro Ryan Joseph Carvalho, de ascendência goesa – “um colega dedicado, inteligente e preparado – desempenha relevante actividade na área do comércio internacional nesta região do globo, prestigiando desta forma Portugal.”

Ricardo Freitas está colocado, desde maio de 2022, na Secção de Gestão de Recursos Humanos da Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia e o Pacífico. Em concreto, é responsável por uma pequena equipa de três elementos que se encarrega de quatro matérias, a saber: a gestão dos processos de consultores e prestadores de serviços em nome individual, que são designados, no jargão da casa, como “non-staff”; a emissão de certidões oficiais para distintos fins; a instrução e gestão das requisições para emissão de “United Nations Laissez-Passer”, que são os documentos oficiais de viagem emitidos aos funcionários da Organização para viagens de cariz oficial; e, por fim, a emissão de outras certidões para efeitos de deslocações. Como pode deduzir por esta listagem, trata-se de uma variada panóplia de tarefas, num ambiente de trabalho dinâmico, exigente e multicultural, em que não existem dois dias iguais.


Mensagem a quem pretenda emigrar

Na sua opinião, esta remete para a circunstância daqueles que, lamentavelmente, se vêm na contingência de abandonar o seu país, em oposição àquela que seria a sua manifesta vontade, por estrita necessidade. Esse cenário é, no seu entendimento, uma tragédia, que a todos deve interpelar. Uma lástima que deve convocar a rejeição e o combate de todos. A necessidade acha-se, por via de regra, má conselheira. Todos os cidadãos de um Estado devem poder usufruir das condições materiais e substantivas que lhes permitam, em plena liberdade – sinónimo, “em lugar supremo de importância, de liberdade económica –, decidir se desejam permanecer no seu país e conduzir a sua vivência no seio da sua própria comunidade nacional. Devem dispor das condições objectivas para eleger, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América postulava, a procura da felicidade no seio de uma determinada comunidade.”

Procurar estancar este tipo de emigração é pois uma tarefa que incumbe a toda a comunidade nacional. “A todos e a cada um de nós”. Não se refere exclusivamente aos agentes políticos – a classe política, como se acha amiúde apelidada, fartas vezes de modo pejorativo, como se de uma casta se tratasse. “Como se os agentes políticos não fossem, no caso nacional, todos e cada um deles, procedentes do conjunto do tecido social, carregando as insuficiências, as imperfeições, os méritos e as virtudes da generalidade dos nossos concidadãos… Toda a comunidade nacional, na medida das suas possibilidades, deve contribuir para eliminar essa desdita.”

Existe contudo um fenómeno distinto, que é o da emigração por opção. Predomina hoje, em múltiplos grupos sociais, um cosmopolitismo que encara essa possibilidade como algo de normal. Nos dias de hoje, os horizontes de vida acham-se de maior amplitude do que há algumas décadas. “Os sonhos possuem dimensões distintas.”

Não se trata, em rigor, de um fato novo. Existe porventura há séculos e continuará a afirmar-se. “A milenar civilização chinesa cunhou a expressão “xià hăi” – fazer-se ao mar.” Também os japoneses utilizam a consabida expressão “saltar do palco do Kiyomizu”, em referência ao Templo de Kiyomizu-dera, em Quioto. Subindo em direção ao pagode, a varanda do edifício principal oferece uma deslumbrante vista sobre a lindíssima cidade de Quioto, nomeadamente a sua parte antiga, o Gion. Por trás, o sopé das Higashiyama (as Montanhas Orientais) serve de pano de fundo àqueles que se aprestam a “saltar desse palco”.

“Ora, significa isto que existem certamente plúrimos casos em que indivíduos desejam emigrar porque dessa opçăo dispõem. E isso acha-se positivo, devendo ser aceite e apoiado, na medida do possível.” O país beneficia aliás sobremaneira em manter ligações com essa diáspora.

“No que à primeira parte da questão concerne, poderei apenas atraver-me a deixar algumas notas soltas que a experiência de um percurso de quase vinte anos fora de Portugal me permitiu acumular.” Até ao presente momento, residiu e trabalhou na Bélgica, nos Estados Unidos da América, na Indonésia e na Tailândia.

É certo que é de Portugal “que partimos para ver o mundo e é no quadro desse parâmetro que, por definição, o avaliamos.” Mas o globo acha-se muito diferente se observado a partir de Jacarta, de Lisboa, ou de Nova Iorque. Escapa a quem faz uma leitura unívoca da realidade, tributária de uma determinada lógica nacional e/ou regional, a pluralidade de entendimentos, matizes e perspetivas que se espalham pelo planeta acerca das mais variadas temáticas.

“Custa a alguns entender o desalinhamento que existe entre os anseios e as preocupações” de uma expressiva parte dos habitantes do globo com aqueles que fazem as parangonas no ocidente.

Aprendeu com a experiência alguns requisitos. Desde logo, o respeito pelo outro – “não aludo a tolerância, repare. Refiro-me a genuíno respeito pelo que se acha diferente.”

Apenas um espírito de manifesta abertura e verdadeiro diálogo – daqueles em que se escuta mais do que se fala – permite lograr este respeito pelo alheio. Por outro lado, humildade. Humildade intelectual e humildade no trato.

“Por último, mas não menos relevante, vontade de aprender. Uma incontida vontade de aprender concluindo porventura “este diálogo retomando aqui a resposta à questão inicial. Talvez se revista de inalienável valia perpetuar a curiosidade e a vontade de aprender ao longo de toda uma vida. Sobretudo com quantos se acham diversos de nós.”

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