Gelson Baía, 36 anos, natural de São Tomé e Príncipe, vive atualmente em Portugal desde 2008. Fez o seu percurso inicial numa escola técnico-profissional na cidade de Cantanhede, em Coimbra. Concluiu o 12º ano depois prosseguiu os estudos em 2012, na faculdade de Direito de Lisboa, onde se licenciou e tirou o mestrado nessa área. Especializou-se sobretudo na vertente do Direito Administrativo e Administração Pública.
Desde tenra idade que se interessa por questões sociais, particularmente no impacto que as decisões políticas têm na vida das pessoas. Talvez por ser fruto de uma família com “origens humildes”, o seu pai enfermeiro, e a sua mãe dona de casa, e neto de avós Cabo Verdianos, que foram levados para São Tomé e Príncipe para trabalharem nas plantações de cacau e de café naquele país.
O primeiro clique dá-se no ano 2005 até 2008, quando jovens portugueses iam para São Tomé fazer voluntariado em parceria com as irmãs missionárias, Claretianas de Guadalupe, a sua cidade, e tem contato com a sociedade que vive fora de São Tomé e Príncipe.
Despertou-lhe muita curiosidade em querer conhecer o mundo e outras realidades. Sobretudo a parte crítica que já carregava consigo desde muito pequeno, nomeadamente nas aulas de história, quando ouvia falar da Segunda Guerra Mundial, e todo o contexto que esteve por trás, despertou-lhe um interesse enorme. Bem como uma vontade e desejo de conhecer o mundo e perseguir um sonho que fosse diferente da maioria das pessoas e isso obrigá-lo-ia a estudar muito, e foi isso que fez. Pediu uma bolsa de estudo para tirar um curso técnico-profissional, e foi para Cantanhede, em Coimbra.
De seguida foi para a Universidade, mas teve de arranjar emprego, pois não tinha bolsa de estudos. Sozinho em Portugal com 18 anos, entrou na Universidade de Direito de Lisboa, onde se licenciou entre 2012 e 2019.
Teve vários empregos mais “informais”, para poder custear os estudos e a sua vida, desde o Starbucks, Vodafone, até nas maratonas andou, onde distribuía fruta aos atletas. Também passou pela TAP e pela SIBS, entidade que gere toda a rede Multibanco em Portugal. Todas estas experiências também o ajudaram a formar-se como ser humano e crescer um pouco mais rápido, longe da família, mas o seu foco principal era a sua carreira académica e profissional.
No final do curso fez um programa de estudos de intercâmbio entre 2017/2018, na Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil. Que tem acordo com a Faculdade de Direito de Lisboa, onde surgiu no âmbito das suas participações e ligações muito ativas, pois sempre esteve ligado ao associativismo e aos jovens e a Associações de estudantes, organizações, e que lhe abriram portas. Esteve presente no Brasil no período em que o país passava por um processo de transformações sociais e políticas profundas.
Regressou a Portugal para a concluir a licenciatura e seguiu com o Mestrado, e constitui a sua própria família.
O interesse por São Tomé e Príncipe não começa em Portugal, mas sim na escola secundária Básica de Guadalupe, em São Tomé. Escola onde desde cedo foi chefe de turma, depois fez parte da primeira Associação de Estudantes. Continuou sempre ligado, o que lhe permitiu, mesmo estando fora do seu país e já com alguma maturidade, ser convidado a participar e acompanhar, e às vezes e opinar sobre os mais diversos assuntos da vida política, social e económica e particularmente da vida jurídica de São Tomé e Príncipe.
Foi nessa sequência de convites, de aprendizagem, de convivência com outras pessoas e realidades que, com o passar dos anos e participações em diversos fóruns, conferências, debates, não só em São Tomé, como noutros países; Cabo Verde, Angola, Brasil, que em finais de 2023, tenha recebido o convite para passar a colaborar com a RTP África, na realização de crónicas semanais, e também a possibilidade de comentar assuntos políticos, sociais e não só do seu país.
É jurista, já tem cédula como Advogado Estagiário, nesta fase já exerce advocacia, embora com algumas restrições, tem de concluir o estágio, que espera terminar em maio deste ano, quando obtiver a cédula de advogado vai poder exercer a sua profissão a 100%.
Já tem um escritório e colabora, com sede no centro de Lisboa. Mas também é Professor, há já um ano e meio na IBS (International Business School), uma entidade portuguesa fundada por uma professora, uma académica lusa, residente na Suíça em Genebra.
Este projeto visa sobretudo colmatar a pouca oferta de cursos, e aproveitar as novas tecnologias de informação e comunicação para que com o advento da democratização do acesso à Internet, – também já se verifica em São Tomé e Príncipe. E que os estudantes tenham a oportunidade e a possibilidade de frequentarem cursos com qualidade e certificados por entidades europeias à distância. Proporcionando ensino aos alunos de São Tomé, de Moçambique, de Angola, Portugueses e não só.
Tem sido convidado com alguma frequência como orador, e até como Professor. Já chegou a colaborar em cursos de pós-graduação com algumas faculdades de Direito de outros países, como por exemplo, a dar um curso na Universidade de Direito na Católica de São Paulo, há cerca de 1 ano.
No final da licenciatura teve uma “inclinação” para o direito da Internet, mais direcionado para transformação digital… Trazer a tecnologia ao serviço das pessoas sem esvaziar o que é mais importante, a interação, o contato físico e, sobretudo, proteger os direitos e liberdades dos cidadãos na era das tecnologias de informação e comunicação. Tem vantagens, e desvantagens, perigos associados e é nessa perspetiva que tem colaborado com algumas faculdades e com alguns colegas juristas de outros países que fazem parte da CPLP, designadamente com o Brasil, Angola e Cabo Verde. Em formações, em cursos e na área jurídica e não só.
O caso São Tomé e Príncipe
São Tomé e Príncipe precisa de atrair investimento e não só, para sair com urgência da situação de dependência económica em que se encontra, mesmo depois de quase cinco décadas de Independência.
À semelhança do que se está a passar um pouco em África, São Tomé está a passar por um advento que convoca ao mesmo tempo o despertar da sociedade, em certa parte, também da elite política para a necessidade de cada vez mais exigir um maior compromisso por parte dos decisores políticos, dos governantes e daqueles que se predispõem a gerir e a conduzir os destinos do país. E é nessa senda, que as relações entre o Chefe de Estado e o Chefe do Executivo São Tomense, de um ano para cá, se foram desgastando ao ponto de rutura institucional destes dois órgãos de soberania mais importantes do país.
À semelhança daquilo que é a maioria, a opinião dos analistas políticos e várias individualidades, afirmam que era bastante previsível aquilo que se assistiu no dia 7 de janeiro, a demissão de um governo que tinha maioria absoluta na Assembleia Nacional, e que paradoxalmente, o próprio Presidente da República fora eleito por esse mesmo partido.
Mas, uma vez mais, ficou patente que, nem sempre o fato de os decisores políticos ou dos governantes serem oriundos dos mesmos partidos se traduz como um dado adquirido de estabilidade ou em termos de orientação politica não possa haver vozes discordantes.
Mostra que de facto, há sobretudo para o cargo do Presidente da República, quando eleito, está ao serviço de toda uma nação e não apenas do partido que o ajudou no processo da sua eleição. Mostra também que com todas as críticas que se possa fazer ao sistema que vigora neste momento em São Tomé e Príncipe, em termos de desenho jurídico-constitucional ou semipresidencialismo de pendor parlamentar, foi o único sistema capaz de garantir aquilo que em direito se chama de “check and balance” , que é esta relação de interdependência, “mas também de separação de poderes que nos mostra que não raras as vezes o poder, é melhor exercido quando é repartido.”
O Presidente da República Carlos Vila Nova
O Presidente tem vindo a seguir ou tomar decisões que a Constituição lhe reserva, sempre que as instituições democráticas do país demonstrarem de alguma fraqueza ou falta de regularidade no seu funcionamento, e “foi isso que o Presidente fez, demitiu o Governo, e convidou o partido que sustenta o 18º Governo, a indicar um nome para a formação de um outro governo.”
Não foi possível obter um consenso da parte desse mesmo partido o ADI (Ação Democrática Independente). O Presidente acabou por nomear uma figura vinda do próprio partido ADI, mas o ADI diz que não é a figura que o partido escolheu, ou indicou, que fosse nomeado para o cargo de Primeiro-Ministro.
Na perspetiva de Gelson Baia, “pese embora o sistema constitucional, o Presidente da República não tenha poderes ou atribuições para formar governos ou escolher quem deve ser o Primeiro-Ministro, o Presidente da República, (e há precedentes históricos que assim o justificam) é o garante da Constituição e do regular funcionamento das nossas Instituições.”
O país não pode ficar ou permanecer ad eternum numa situação de impasse. Porque há compromissos inadiáveis assumidos pelo Estado de São Tomé, e sobretudo há um timing para que esses mesmos compromissos, o recente acordo de facilidade decretado e assinado em início do mês de dezembro com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que “exige” uma aceleração de todo o processo político em curso.
“Logo tenho por mim que é a pensar nesses compromissos e na situação bastante deficitária da economia São Tomense, que o Presidente da República, com respaldo na Constituição, tomou para si a iniciativa de abrir portas a que se formasse um governo com uma individualidade do próprio Partido ADI.” Mas que eventualmente, nas consultas que “o Presidente da República fez também aos partidos que têm representação no Parlamento lhe dessem mais uma maior garantia de estabilidade política e, sobretudo, na aprovação do orçamento geral do Estado para o ano 2025, que terá a responsabilidade de apresentar em tempo recorde.” Acrescenta Gelson Baía.
O Presidente da República, Carlos Vila Nova, ficará debaixo de alguma contestação, por parte do ADI. Discordando dos argumentos que foram apresentados pelo mesmo na demissão do 18º Governo Constitucional. E ter escolhido uma individualidade, que também é do ADI, ou seja, do partido que suportava o Governo demitido, mas não ser a figura ou a individualidade que acolhe a sensibilidade do partido.
Porque o partido também se encontra num período de fragmentação interna, em que parte significativa dos seus militantes. Uma parte apoia o anterior Primeiro-Ministro, o Patrice Trovoada, e a outra parte, também expressiva, apoia o atual Primeiro-Ministro, nomeado e indigitado Américo Ramos, que é agora o Primeiro-Ministro de São Tomé e Príncipe.
