Com uma carreira de mais de quatro décadas no setor energético, particularmente na
eletricidade, João Torres está na EDP desde jovem, acabado de sair da Universidade. Engenheiro Eletrotécnico, acabou os estudos e procurou entrar para a melhor empresa no setor e acabou por conseguir. Foi o seu primeiro emprego e único emprego. Teve a
“felicidade” de trabalhar na EDP e ter tido uma carreira não só longa, mas também muito variada. Esteve na produção em áreas estratégicas e de suporte. Esteve na distribuição de eletricidade durante muitos anos e com alguns dossiers na empresa relacionados com temas da eletricidade, da formação, da cooperação para o desenvolvimento, de competências que o setor está a precisar, e tem a liderança da Associação Portuguesa de Energia. Olhando para os mercados e para os desafios atuais esta é a síntese do percurso onde se encontra neste momento.
Em relação às novas energias e à necessidade de criar novas fontes energéticas como é que a EDP se posicionou nos últimos 20 anos?
Em Portugal, como no resto do mundo, o setor elétrico foi muito suportado pelo carvão e pelo gás, e, mais atrás, mesmo por combustíveis ainda mais poluentes, como era o fuel oil. No caso português havia uma especificidade que ainda hoje se mantém, uma vez que é um país onde a produção hidroelétrica é muito relevante, o que tem um contributo ainda hoje decisivo para o mix energético. E foi neste contexto, para além das redes de distribuição e transportes, que a EDP nasceu.
O tema das renováveis, em particular da eólica, começou a ser aposta em Portugal por volta da década de 2000, como estava também a acontecer no resto da Europa. Depois, a certa altura, também apareceu o contributo da biomassa, que é o aproveitamento de resíduos, e a EDP foi ajustando o seu perfil. Nesse sentido, Portugal tem tido um incremento muito significativo nas energias renováveis.
Atualmente, a EDP não tem produção com recurso a carvão, as centrais de gás são de utilização bastante moderada e há uma aposta forte nas energias renováveis e, mais recentemente, dentro das renováveis, a questão do solar assume particular relevância. A EDP tem um percurso semelhante àquilo que aconteceu a boa parte das utilities no mundo, foi evoluindo no sentido de ter uma maior participação das energias renováveis e tem metas para, até 2035, encerrar definitivamente outros combustíveis para além das renováveis. É uma ambição que a EDP tem e que é acompanhada por algumas das principais utilities na Europa.
Esta transição, descrita muito sinteticamente, é a transição energética que acontece por todo o mundo e que as próprias empresas apoiadas no Oil and Gas também estão a fazer. Mesmo em Portugal, empresas como Galp já têm uma presença na energia solar muito relevante, à semelhança da Repsol em Espanha ou da BP. Apareceu um novo perfil no setor que são empresas de energia, umas com mais peso das renováveis, outras com menos. Actualmente é mais difícil distinguir, como no passado, empresas da eletricidade e empresas do Oil and Gas. Hoje apresentam-se ao mercado como empresas de energia.
Há 20 anos, a energia produzida era mais poluente e sabemos que as energias renováveis (a eólica, a solar ou do mar) são energias mais limpas e que conseguem produzir da mesma forma que as poluentes. Porquê tantas reticências em apostar mais cedo e demorar tanto tempo a utilizar energias renováveis, quando todos sabemos que as fósseis têm uma durabilidade limitada. Porquê escolher o caminho das poluentes, e não apostar logo nas sustentáveis? O levou a tomar tanto tempo em apostar nas energias verdes, com pegada carbónica quase 0?
Está-se a falar de um setor onde esta evolução aconteceu com um forte investimento na inovação. Por exemplo, no passado, alguns projetos de energia eólica muito incipientes, de pequenas unidades, resultavam, mas com encargos muito significativos… É bom ter presente que é preciso garantir que as pessoas tenham acesso à energia, através de um sistema sustentável e a um custo controlado.
Houve sempre uma preocupação de não reflectir no mercado esses encargos, o que conduzia a um investimento por megawatt instalado muito mais significativo. Nesse sentido, como é que se ultrapassou? Porque é que se conseguiu? Porque a inovação veio trazer soluções mais económicas, às quais o mercado respondeu de forma muito mais positiva. Atualmente, um megawatt instalado de energia eólica é muito mais barato do que era há 20 anos. No solar, também é muito mais barato do que há 10 anos. Estas soluções renováveis, que no passado tinham um custo mais elevado do que as convencionais, reduziram os seus custos e são significativamente menos poluentes.
A esta realidade chama-se um processo de transformação, pois a transição representa uma mudança significativa. E, neste sentido, exige tempo e ponderação. Nalguns casos, dir-se-á, que foi no tempo certo, alguns países dizem que estamos um pouco mais atrasados, e outros dizem que estamos mais adiantados.
A questão foi encontrar a solução economicamente satisfatória para definir este caminho. A certa altura deste percurso foi preciso encontrar incentivos para, durante um período, se apoiarem estas novas tecnologias. O mesmo está a acontecer noutros sectores, por exemplo, nos gases renováveis, biocombustíveis, ou nos combustíveis sintéticos. É um investimento que vai ser feito, vai sendo testado. A substituição do gás natural por gases renováveis nalgumas das indústrias é feito ainda com percentagens bastante baixas, mas a pouco e pouco vai-se procurando construir caminhos em que essa substituição possa ser maior e evidente, pois vai permitir desenvolver, com efeito escala, toda a cadeia do hidrogénio ou do biometano. A seu tempo, estas transformações acabam por acontecer.
Existe também uma outra questão, que nem sempre é evidenciada, que são as tecnologias disponíveis. Há várias tecnologias que podem dar um contributo para uma mesma solução, mas que, por algum motivo, não se concretizam com facilidade, necessitando de tempo e de ponderação. Embora haja avanços e recuos, diria que a tendência segue de forma segura.
Tem estimativas, ou melhor, tem noção quantos anos é que Portugal poderá ter ou poderá ser independente das energias poluentes? O país tem o sol, o mar, e uma costa vastíssima e com muito vento, devido à sua geografia. Portanto, na sua perspetiva, quando é que considera que Portugal pode seguir independente energicamente do resto da Europa, e do mundo, nomeadamente no gás natural. Qual é a sua perspetiva?
Não há uma data segura para dispensar o gás natural. Há questões de ordem técnica, de ordem eletrotécnica, relacionadas com a questão de garantirmos a segurança de abastecimento, para que não existem interrupções.
Dito isto, e olhando para os números, que estão apresentados, estamos convencidos que, em 2040, vamos ter uma geração eólica com um contributo relevante e vamos ter uma produção solar também a crescer. Prevêem-se mesmo aumentos muito significativos. Por exemplo, para o solar, o PNEC tem expectativa que, até 2030, o crescimento seja superior a dois gigawatts por ano, que é um objectivo muito ambicioso. Para a eólica onshore prevê-se um reforço de potência dos parques atuais, e ainda o desenvolvimento de eólico offshore.
Nessa altura, o gás natural vai ser absolutamente residual e como um backup para situações garantir a segurança da rede. Não haverá um dia em que se diz, “vamos acabar com isto”. Já foi possível acabar com o carvão e, em 2040, o gás natural será residual. A certa altura, também é preciso fazer aqui um balanço: se essa participação residual do gás nos desafia a fazer investimentos, a sua relação custo-benefício, mesmo do ponto de vista do impacto ambiental, se vale a pena dar esses passos. Eu estou convencido que em 2040 estamos a falar do setor francamente diferente daquilo que temos hoje.
O que é que pensa sobre o hidrogénio e sobre a energia nuclear?
Nesta transição energética, que está em curso, não devemos deixar de debater sobre o que quer que seja.
O hidrogénio é um gás conhecido e sabe-se que há muitas indústrias onde atualmente está presente. A minha perspetiva é de que vai ser uma solução no futuro. Disso não há grande dúvida! Nesse sentido, julgo que o hidrogénio verde é promissor e constitui um importante vetor energético, especialmente nos processos que são difíceis de eletrificar, por exemplo no sector industrial ou nos transportes de longa distância (através da utilização de combustíveis sintéticos, obtidos a partir de hidrogénio e dióxido de carbono).
Naturalmente, considero que o hidrogénio verde irá ganhar espaço no mercado, não com a velocidade e o impacto que estava marcado na agenda quando apareceu o tema do hidrogénio sobre a mesa, mas, claramente, vão-se dar passos seguros e com soluções seguras. Os projetos que estão a aparecer são muito concretos e, nesse sentido, vamos certamente contar com hidrogénio para desafio de 2040.
Há, no entanto, que haver condições para que o mercado reconheça, ou seja, com um custo equilibrado e que não se repercuta no consumidor doméstico. Associado a esta questão, há que criar soluções que incentivem o investimento que é preciso fazer.
Na Associação Portuguesa da Energia temos o trilema energético, constituído por três pilares, dois dos quais são exatamente a equidade e a sustentabilidade: temos de ter soluções financeira e ambientalmente sustentáveis.
O caso do nuclear, é uma tecnologia que é reconhecida, que faz parte das tecnologias de produção não poluentes ou com emissões de CO2 quase nulas, mas tem outros desafios: os modelos de reatores, a própria operação e a questão da gestão dos resíduos, que não está resolvida. Olhando para Portugal, que tem bastante água, muito sol e também vento com um contributo significativo, é muito difícil encaixar no nosso sistema uma central nuclear que funcionaria na base do digrama de carga diário. Há uma solução que está ainda em fase de projecto-piloto, que é construção de pequenos módulos, os Small Modular Reactors. Os SMRs, de pequena dimensão, são mais adaptáveis a uma rede com a dimensão da rede portuguesa, mas a expectativa de que se tornem viáveis é muito para lá do horizonte de 2030.
A outra tecnologia que é fusão nuclear essa sim, é muito promissora e seria a solução, mas ainda está muito atrasada no seu desenvolvimento. Diria que, no contexto português, podemos falar de nuclear, mas não me parece que seja estranho que, quando se debate o PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima) e outros documentos de curto e médio prazo, não se refira ainda a energia nuclear.
Em relação à produção de energia limpa é preciso ter engenheiros, é preciso ter formação e é preciso ter bons profissionais nessa área. Sente que de alguma forma Portugal está preparado para produzir energia limpa e o hidrogénio verde, eventualmente um nuclear, mas mais seguro, uma fonte de energia mais segurança e limpa. Portugal está adaptado, preparado para enfrentar os novos desafios ao nível europeu e internacional?
Temos, em Portugal, seis escolas de engenharia. Quando falamos do solar e do nuclear, esses projetos já estão a acontecer e são essencialmente técnicos portugueses que estão a garantir que aconteçam. E, neste contexto, até gostaria que os jovens que, entretanto, saíram, porque descobriram outras oportunidades fora de Portugal, consigam regressar, porque estes projetos precisam deles e são desafios muito aliciantes.
O que está previsto em Portugal, no setor da energia, vai exigir muitos recursos qualificados. Estes profissionais, que foram formados em boas escolas em Portugal, e que tiveram de sair, por uma razão ou outra, certamente encontrarão aqui uma motivação profissional. No entanto, há outros temas que os profissionais também equacionam e que têm a ver como a questão da fiscalidade e a própria remuneração.
Portugal está bastante avançado: solar, eólico, hidrogénio, redes inteligentes – onde tive alguma intervenção em certa parte da minha carreira – e, portanto, diria que este desenvolvimento do sector é um aspeto importante.
Uma outra carência, mais difícil de ultrapassar, é a de técnicos que não sejam das universidades e dos institutos universitários. Aí há uma carência muito significativa e está-se a fazer um esforço muito grande, ao nível das escolas profissionais. Estou envolvido num projeto da EDP juntamente com outras empresas portuguesas, que é o “Green Job Lab”. Procuramos mobilizar a formação de técnicos para funções muito específicas, nas renováveis e mobilidade elétrica.
Quais são as ferramentas que pretendem utilizar para captar o talento que saiu, e que está a continuar a sair, para captar esse talento aqui em Portugal, o que é que têm feito? O que é que pretendem fazer para atrair esse talento e manter o que está em Portugal? Os salários e a progressão na carreira são algumas das motivações para se expandirem para outras geografias. O que é que pretendem fazer em concreto para “reter” ou para manter esses talentos aqui em Portugal, porque o país precisa deles?
Do ponto de vista dos incentivos, e estamos a falar de salários, o setor em Portugal já paga acima da média. Atualmente não será ainda suficiente para competir com outros países, mas de alguma maneira está-se a procurar esse acompanhamento, mas, naturalmente, fica sempre em perda, em relação a países que têm valores de referência completamente diferentes. Depois há o tema da fiscalidade, onde tanto quanto se percebe, os governos estão a tentar criar soluções que possam ser vistas com mais atenção e sejam motivadoras.
O que temos de fazer para além da motivação, tem a ver com os incentivos: poder oferecer carreiras em áreas díspares, não apenas na engenharia. Há temas como a relação com o próprio direito – juristas para redigir legislação – com a economia – economista e gestores para gestão dos projetos. Neste aspecto compete ao setor mostrar aquilo que está a ser feito e procurar cativar, para que os jovens digam: “Vou voltar para Portugal”. Bem sabemos que não vão compensar completamente o défice do ponto de vista salarial, mas vão trabalhar numa área que gostam, e fazer projetos que são interessantes do ponto de vista da carreira. Acho que são dois pontos essenciais e o segundo ponto obriga a que o setor comunique muito bem aquilo que está a ser feito.
Uma Mensagem que gostaria de deixar aos emigrantes portugueses mais qualificados na sua área? Não menosprezando outras áreas. Mas que Mensagem gostaria de deixar a esses talentos que estão também aprender e a assimilar conhecimento? Qual é a sua Mensagem para os portugueses e o que diria para regressarem e contarem com a empresa EDP no futuro? E o que é que lhes pode esperar em Portugal?
Há uma característica que os portugueses têm, nestes confrontos internacionais, que vai diminuindo cada vez mais, mas eu sou de uma geração em que isso era muito evidente. Havia uma certa baixa auto-estima, ou seja, havia a tendência para considerar que “nós não somos tão bons como os outros”.
Eu tive funções internacionais também. Dirigi uma associação Europeia com base em Bruxelas. E comecei a dizer, com convicção, que essa ideia pré-concebida era mentira. Portanto, a primeira nota é que nós somos tão qualificados como os outros.
Essa é a primeira nota. A partir daí temos de pensar o que podemos fazer em Portugal. Vivemos numa era de globalização, onde o acesso à informação é muito facilitado. Com esse acesso à informação, é possível, em Portugal, fazer caminho e até termos notícias de muitas empresas baseadas em Portugal, geridas por portugueses, que operam no mercado Internacional. Portanto, de alguma maneira, são emigrantes de forma indireta, porque têm o seu mercado lá fora.
Segunda nota: é possível, em Portugal, ter qualquer negócio e equilibrar esses mundos de viver num sítio que gostamos e, estando ligados, ter uma experiência Internacional. Agora é possível participar via teams ou zoom numa conferência internacional em qualquer parte do mundo, perceber o que está a acontecer e conseguir esse equilíbrio, tendo uma carreira numa área interessante e dar este contributo até mesmo à distância.
E, a área da energia é uma área de grande transformação, de grandes desafios. Nesse sentido, quando se fala em transição energética, estamos a falar exatamente de um período que vai ser demorado de transformação. É bom olhar para Portugal, pensar que aqui também se podem fazer projetos muito interessantes. É bom manter a ligação Internacional. Não legislarmos, usando uma antiga premissa um bocadinho infeliz “no nosso cantinho”, e às vezes, sublinha-se muito isso. Julgo que é possível encontrar esse equilíbrio que é o que Portugal precisa. O País tem um potencial enorme nas suas pessoas, nas suas escolas, que estão habitualmente bem qualificadas no ranking. Gostava muito que os nossos jovens se tornassem globais com base em Portugal. Conseguir pôr em prática soluções que depois possam afirmar-se neste mercado, que é de facto muito mais global do que se imagina.
O futuro das energias
Vivemos um tempo de transição energética, um tempo marcado por uma aceleração da chegada das energias renováveis, marcado por uma produção descentralizada. Hoje em dia, é preciso encontrar respostas para o sector dos transportes, que vai para além da mobilidade elétrica. A questão dos biocombustíveis vai ocupando alguma quota de mercado. A questão do hidrogénio, quer na distribuição, quer nos projetos industriais que temos, também tem caminho. Depois o mercado, no balanço entre aquilo que é oferecido e aquilo que é consumido, sendo que o consumo é cada vez mais ativo e, portanto, levando à necessidade de soluções muito mais flexíveis na questão na produção e do consumo de energia.
A energia é também um setor onde a digitalização vai sendo essencial e vão aparecendo muitas soluções. É um setor muito desafiante, onde assistimos nos últimos vinte anos ao nascimento de inúmeras empresas com perfis francamente diferentes das empresas mais tradicionais, que havia até então. Esta vida muito intensa que o setor energético vai tendo vai marcar os próximos tempos.
Uma das palavras-chave do sector energético é a cooperação. Vamos ter de aprender muito uns com os outros e caminhar todos na construção das boas soluções.