Fomos ao mundo das grandes empresas farmacêuticas a nível mundial e o destino levou-nos a Basileia, na Suíça, onde Daniel Guedelha trabalha há muitos anos. É titular de um mestrado em Engenharia Biológica, do Instituto Superior Técnico, e adora aprender. “Sou um Life long learner e uma pessoa muito curiosa”, afirma. Para além da formação académica, em Portugal, obteve um MBA na Suíça, e tem ao longo da sua carreira adquirido uma série de competências, nomeadamente, formações em Oxford (UK) na área da sustentabilidade, e no MIT (EUA) na área da Saúde e Inteligência Artificial, para além de várias formações em St. Gallen na Suíça. “Todos os anos faço pelo menos uma ação de formação. Considero que é absolutamente essencial para me manter atualizado… para além disso adoro aprender e enfrentar desafios!”
O tema da “fuga dos cérebros”, tem sido recorrente a nível interno e o investimento das universidades portuguesas levanta algumas questões. Há quem considere que é um “desperdício” formar profissionais para depois emigrarem e levar o seu conhecimento além fronteiras. O Jornal Comunidades Lusófonas foi auscultar um desses casos que trabalha na indústria farmacêutica, em Basileia na Suíça e que nos deixa a sua visão.
“Não olho para a emigração qualificada como um desperdício, mas sim como uma oportunidade que precisa de ser materializada e alavancada.”, afirma Daniel Guedelha.
O facto desse talento ter ido para fora, ganhar outras competências, trabalhar com outras culturas, absorver o que de melhor se faz lá fora (e aprender com os erros), é uma enorme mais-valia. Mas para tornarmos essa emigração qualificada uma vantagem para Portugal, temos de garantir que parte desse talento contribua para o nosso país. Essa contribuição pode ser com o regresso a Portugal. Contudo, um contributo intelectual acrescenta muitas vezes tanto ou mais valor. Temos de assegurar que criamos os canais certos para que esses talentos possam contribuir juntamente com o excelente talento que temos em Portugal, para que possamos continuar esta construção e alavancagem do nosso cluster farmacêutico.
Como é que podemos aproveitar este talento?
Em Portugal existem muitas pessoas com carreiras internacionais incríveis na indústria farmacêutica. Muitas delas emigraram, algumas voltaram e outras têm feito as suas carreiras em Portugal. Acredito que há uma enorme oportunidade em juntar esse conhecimento e de o partilhar. Existem várias formas de o fazer, por exemplo, através da criação de formações executivas específicas lecionadas por universidades portuguesas de prestígio. Este é um dos caminhos para “alavancarmos esse conhecimento e continuarmos a jornada sempre com o foco na saúde.”
“Eu imagino um ensino em que a excelência dos professores se combina com alunos de enorme qualidade; um ensino que deixa de ser unidirecional (do professor para o aluno), mas que passa a ser uma aprendizagem coletiva, com discussões de vários casos práticos e debate de ideias.” É um estilo de ensino em que, através da co-criação e da partilha de experiências, se aprende e se constrói. Já tive a oportunidade de experienciar os excelentes resultados desde tipo de ensino em várias universidades de topo como é o caso de: “Oxford University” (Reino Unido), do “Massachusetts Institute of Technology – MIT” (Estados Unidos da América) e da “University of St. Gallen” (Suíça).
Por estas razões acredito que o ensino executivo é uma das ferramentas mais importantes para continuarmos a maximizar o conhecimento.
Daniel Guedelha está a liderar uma formação executiva na Católica Medical School, em parceria com a Luz Saúde em Portugal, para executivos, na área da indústria farmacêutica. O programa está desenhado olhando para a cadeia de valor da indústria farmacêutica. Para exemplificar este talento fantástico da nossa Diáspora “refiro-me a uma pessoa de que me orgulho muito: a Paula Rosa, que veio dar uma aula sobre operações e eficiência. Estamos a falar da líder de uma fábrica com mais de 800 pessoas. Produz anticorpos monoclonais, uma tecnologia de ponta; é, provavelmente, uma das pessoas do país que mais sabe nesta área. E veio partilhar a experiência dela numa aula com os executivos portugueses.”
“Vamos quebrar barreiras, quebrar as nossas quintinhas, vamos partilhar, fazer acontecer, e assegurar-nos como comunidade, a diáspora, (muita dela está sedenta de dar esse conhecimento), que consiga contribuir para o nosso ecossistema. É esse o meu objetivo.”
Basileia é um dos “hubs” mundiais no mundo da indústria farmacêutica. O que o torna tão especial? Qual é o ciclo de vida de um medicamento?
A produção de um medicamento é algo extremamente complexo e muito dispendioso. De acordo com a consultora McKinsey, o custo estimado para colocar um medicamento no mercado é, em média, de 2.2 mil milhões de euros. Segundo a publicação de 2022 da “European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations” um medicamento demora 12-13 anos desde que é sintetizado até que é comercializado.
O processo começa, em primeiro lugar, por “investigação e desenvolvimento”, em que os cientistas em laboratório começam a testar tendo em conta as várias estratégias e tecnologias. Exemplificando, começam a testar várias formulações, vários químicos, que podem ter um efeito numa determinada doença, por exemplo uma doença cardiovascular, com um efeito benéfico.
Iniciam com 10 mil compostos, e ao longo desses 12-13 anos, chegam a um, depois desse custo de 2,2 mil milhões de euros. O processo é muito longo, passa por várias fases de ensaios clínicos. Fundamentalmente, consiste em testar se o medicamento tem os efeitos benéficos pretendidos com o menor número possível de efeitos secundários. À medida que este processo se desenrola, existe a necessidade de aumentar as escala de produção dos medicamentos. No princípio, é produzida uma quantidade pequena, nomeadamente para ser usada nos ensaios clínicos, mas depois têm de ser produzidos milhares, ou milhões. Esse processo é muito importante, e exige uma forte participação da ciência e da tecnologia
Porquê Basileia?
Nas últimas décadas a cidade de Basileia emergiu como um dos hubs globais em ciências da vida. Existem mais de 800 empresas, 1000 grupos de investigação e 14 institutos de investigação e desenvolvimento, que no total empregam mais de 30.000 pessoas nas áreas da biotecnologia e no sector da saúde.
A criação deste sector económico forte e competitivo passou por um longo processo. A indústria farmacêutica na Suíça e em particular na cidade de Basileia, teve origem há mais de 200 anos na indústria têxtil. Depois de uma evolução que passou pelos químicos (fertilizantes e pesticidas), chegou mais recentemente à biotecnologia.
A cidade tem também várias instituições académicas que têm contribuído com investigação fundamental e formado um conjunto de cientistas muito talentosos, com um grande foco em ciências
da vida, nomeadamente a “Basel University”, o “Institute of Molecular and Clinical Ophthalmology Basel” e o “Friedrich Miescher Institute for Biomedical Research” (FMI).
Grupos privados, públicos e académicos contribuem para um ecossistema vibrante e que tem gerado várias “spin-offs” que acabaram por ficar na região. Para que tal fosse possível, a contribuição de capitais de risco (venture capitalists) tem sido fundamental, dos quais cito alguns exemplos: “Versant Ventures”, “BioMed Partners”, “Roche Venture Fund” e “Novartis Venture Fund”. Iniciativas como o “BaseLaunch”, que procuram estabelecer parcerias entre cientistas e empreendedores, também têm um papel importante neste ecossistema, sendo que já angariaram mais de 500 milhões de euros para empresas no seu portfólio.
A presença das sedes de algumas das maiores farmacêuticas do mundo, como é o caso da Roche e da Novartis (entre outras), tem igualmente um grande peso. Por exemplo, o Campus da Novartis tem cerca de 8000 trabalhadores, muitos deles altamente qualificados e a trabalhar nas áreas de investigação e desenvolvimento, marketing, estratégia global entre outras.