Se há exemplo de dinamismo cultural e atração de migrantes à cidade, Santa Maria da Feira é um exemplo vivo. A cultura desta cidade atraiu este ano mais de 650 mil visitantes na Viagem Medieval. E nos últimos dois anos tem havido um retrair da onda de emigração, uma das bandeiras do município, que tem feito um esforço para cativar as pessoas a permanecerem em terras nortenhas. O Presidente da Câmara revelou-nos alguns pontos interessantes sobre a cultura e vivência desta cidade.
Santa Maria da Feira tem vários programas e eventos culturais. Qual é o segredo para manter vivas as tradições e como se expandem aos países da saudade, onde se encontram emigrantes?
Temos, de facto, um percurso consolidado de cerca de três décadas de experiência e investimento na área da cultura, com impactos positivos notórios para as nossas comunidades, seja na economia, no turismo ou na coesão social.
Há muito que Santa Maria da Feira deixou de ser um município reconhecido apenas pela inovação e vanguarda nos setores da cortiça, calçado, metalomecânica e papel para se afirmar, dentro e fora de portas, pelas suas políticas culturais, alicerçadas no movimento associativo e nos agentes culturais locais, fundamentais para a concretização de eventos de grande dimensão, como a Festa das Fogaceiras, o Imaginarius – Festival internacional de Teatro de Rua, a Viagem Medieval em Terra de Santa Maria e Perlim – Parque Temático de Natal, que atraem anualmente milhares de visitantes.
Tenho o privilégio de ser presidente de Câmara numa terra de fazedores, de gente que faz acontecer ao longo de todo o ano e por todo o território, desde grandes produções culturais que atraem multidões a pequenos e médios formatos que captam e fidelizam novos públicos, como o Ciclo de Órgão de Tubos, o Fora dos Eixos – Festival Internacional de Marionetas ou a recém-criada Noite do Circo de Santa Maria da Feira, que pretende afirmar o circo contemporâneo em Portugal.
Temos ainda excelentes salas de espetáculo espalhadas por todo o concelho, com destaque para o grande auditório do Europarque e o Cineteatro António Lamoso, que apostam numa programação regular de qualidade e são palcos privilegiados para estreias de artistas locais, nacionais e internacionais, muitas delas criadas em residência no nosso Imaginarius Centro de Criação. Mas a verdade é que temos no nosso ADN a rua como palco principal, numa cidade que se regenerou à boleia da cultura e hoje é considerada uma cidade-palco de referência nacional e internacional.
Fundamental na nossa estratégia para o setor da cultura é a preservação da nossa identidade e das nossas raízes e tradições, assentes na etnografia, na música filarmónica, no trabalho diário desenvolvido pelas nossas coletividades, que envolvemos com regularidade nos nossos projetos.
A secular Festa das Fogaceiras, que completa 520 anos de história em janeiro de 2025, é um dos melhores exemplos de envolvimento das nossas comunidades, tanto em Santa Maria da Feira como além-fronteiras. A mais antiga e emblemática festividade religiosa do nosso concelho é também celebrada na África do Sul (Pretória), no Brasil (Rio de Janeiro) e na Venezuela (Caracas) pelas comunidades portuguesas, o que nos enche de orgulho e gratidão. Reconhecemos e valorizamos o trabalho feito pelas casas portuguesas nestes três países, pois sabemos do esforço enorme que fazem para garantir a continuidade desta tradição além-fronteiras, no caso do Brasil há 70 anos consecutivos, o que é de louvar. Em 2025, a Festa das Fogaceiras em Santa Maria da Feira será de celebração desta união, identidade e diversidade das Fogaceiras no Mundo, com um envolvimento sem precedentes das três entidades que recriam esta festividade.
Continuaremos, como temos feito ao longo dos anos, a marcar presença nestas importantes celebrações, mas também a apoiar quem nos ajuda a preservar esta tradição secular além-fronteiras e a promover esta aproximação tão bonita e tão importante às comunidades portuguesas que guardam Santa Maria da Feira nos seus corações e atenuam as saudades através de manifestações culturais tão singulares como esta.
A cultura é um fator de aproximação das pessoas, fá-las mais “leves e afáveis”. É esse o “medicamento” que usam para atrair visitantes a Santa Maria da Feira?
A cultura tem, de facto, um admirável poder transformador em diferentes domínios, seja na regeneração urbana, seja no reforço do sentimento de identidade e pertença, no envolvimento das diferentes comunidades, na solidariedade e partilha, na inclusão social, na busca da felicidade.
A Viagem Medieval, por exemplo, tem a particularidade de unir todo um território, pois tem na sua essência o movimento associativo e os agentes culturais locais, que se mobilizam de forma impressionante para fazer a melhor edição de sempre a cada ano que passa, por isso é único o ambiente que se vive neste evento, que só poderia acontecer em Santa Maria da Feira.
Também a Festa das Fogaceiras se faz com o brio das nossas gentes e a participação de centenas de meninas vestidas e calçadas de branco que transportam a fogaça à cabeça para cumprir o voto o Mártir São Sebastião. Com elas desfilam centenas de associações e instituições locais que, orgulhosamente, carregam os símbolos que as representam, e todo o ambiente que se vive nas ruas é de orgulho, contemplação e devoção. O programa cultural desta festividade é vasto e integra anualmente um belíssimo espetáculo original, onde mais de duas centenas de músicos das quatro bandas filarmónicas do concelho (Arrifana, Lobão, Souto e Vale) sobem ao palco do grande auditório do Europarque para celebrar a filarmonia e a união de um território em salas completamente esgotadas e rendidas às criações apresentadas.
Importantíssima é também a dimensão social da cultura, onde sobressaem os nossos projetos LaBinDança e Orquestra Criativa de Santa Maria da Feira, que há vários anos promovem a inclusão pela arte e rapidamente se afirmaram como respostas sociais inovadoras no campo da deficiência, inspirando outros projetos similares que, entretanto, foram surgindo em várias regiões do país.
Todo este ambiente de entrega plena, de cooperação e partilha, de criação artística em comunidade, de solidariedade em tempo de crescente individualismo favorece a procura do nosso território por parte de turistas e visitantes que olham para a cultura como – julgo que o podemos defini-la desta forma – uma espécie de “medicamento” a favor do bem-estar e da felicidade nos eventos de Santa Maria da Feira.
Quantos turistas recebe a Viagem Medieval de Santa Maria da Feira?
Este ano, a Viagem Medieval recebeu cerca de 650 mil visitantes ao longo dos 12 dias do evento, sendo que a média de visitas diárias ultrapassa as 50 mil, dependendo dos dias da semana.
No entanto, mais do que os recordes de visitantes, motiva-nos a qualidade da programação e da visita ao recinto, que procuramos cada vez mais acessível a todos os públicos.
Este ano, foram comprados bilhetes para o evento em 23 países de todo o mundo, número que revela um claro crescimento em comparação com o ano anterior. Seguramente que os emigrantes ocupam aqui uma parte significativa, mas o crescimento do número de turistas estrangeiros que nos visitam é uma constatação.
Há uma forte tendência de emigração em Santa Maria da Feira? Têm números relativos aos emigrantes espalhados pelo mundo e quais os países de maior predominância?
Apesar de não dispormos de dados oficiais recentes, o nosso “barómetro” continua a ser o nosso Espaço Migrações, que presta um importante e permanente serviço de informação, orientação e acompanhamento, quer aos emigrantes e imigrantes que chegam ao nosso território, quer aos que partem em busca de novas oportunidades.
Pelos dados de que dispomos atualmente, a emigração tem vindo a diminuir nos últimos dois anos, verificando-se precisamente uma tendência inversa, marcada pelo regresso de muitos dos nossos emigrantes à sua terra e pela procura crescente do nosso território por parte de estrangeiros para viver, estudar e trabalhar.
O que faz o Município de Santa Maria da Feira para tentar travar as “ondas” da emigração?
Acima de tudo, continuar a apostar numa política ativa de pleno emprego, mantendo o foco no investimento e emprego qualificado, com melhores salários, capazes de reter massa crítica e fixar talento no nosso território.
Como referi, a curva da emigração tem vindo a diminuir, o que me agrada particularmente, mas continuaremos a criar oportunidades de vida para os nossos jovens em Santa Maria da Feira, encarando o Mundo como um mercado e não como um destino de emigração.
O nosso objetivo será sempre reter talento português em Portugal e, sempre que possível, reter talento feirense em Santa Maria da Feira.