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Quinta-feira - 23 Janeiro 2025

EXCLUSIVO: “Pela sociologia e a história: uma viagem até à Organização Mundial de Saúde”

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Em entrevista ao Jornal Comunidades Lusófonas, João Rangel de Almeida, licenciado em Lisboa em Sociologia, fez um périplo académico entre Portugal, o Reino Unido, os Estados Unidos e a Alemanha onde frequentou o curso de Doutoramento e fez um Pós-Doutoramento. Está neste momento na Organização Mundial da Saúde, em Genebra. Têm sido muitos anos de trabalho árduo e intenso, mas principalmente gratificante. E isto é só o início da sua história de vida que se propicia auspiciosa.

Estudou Sociologia na Universidade Nova de Lisboa – um curso orientado para a componente da Sociologia Histórica e focado em questões de saúde. No seu trabalho de final de curso, passou uma temporada num Hospital em Lisboa, na sala das emergências médicas, a investigar como é era feita a triagem dos doentes – um novo sistema que tinha chegado de Manchester. No seu estudo tentou perceber como justificavam os doentes medicamente não urgentes a sua visita ao serviço de emergências e como era negociada a sua procura com os profissionais de saúde.

Pouco depois de terminar a licenciatura, foi para a China viver. Para Pequim, mais concretamente. Chegou à cidade no final de Agosto de 2003, quando ainda havia vestígios da pandemia de SARS que tinha começado no ano anterior: “a cidade ainda estava um pouco de “pernas para o ar” e ainda havia réstios de hospitais de campanha. “Lembro-me de uma vez que fui a Macau, apanhei o barco de Hong Kong e de repente soaram os alarmes e os funcionários começaram a pôr fatos de proteção biológica. Na altura aeroportos e estações fluviais já tinham câmaras térmicas para monitorizar a temperatura das pessoas e um pobre viajante que levava um take away bem quentinho foi apanhado gerando uma grande confusão. Todas estas experiências levantavam-me cada vez mais questões.”

A nível diplomático também havia imensa atividade. Durante o surto de SARS certos pais fecharam fronteiras sem que houvesse grande evidencia científica da utilidade destas ações. Decidi então ir para a Universidade de Edimburgo, na Escócia, fazer um doutoramento sobre todas estas questões. “A perguntas que eu tinha incluíam: Como é que se regula o desconhecido médico no contexto das emergências médicas? Como são criados instrumentos de direito internacional nestes contextos? Qual o impacto no movimento de pessoas, animais e bens? Que impactos económicos e sociais têm estas medidas?”

João tinha, portanto, um grande interesse na história da medicina e na diplomacia da ciência. O seu doutoramento em estudos de ciência, tecnologia e inovação centrou-se em questões da cólera no século XIX. Tornando-se historiador pôde perceber como é que diplomatas e médicos criaram (ou tentaram criar) tratados internacionais e mecanismos de vigilância epidémica a uma escala global.

Foi para a Universidade da Pensilvânia nos Estados Unidos, onde passou dois anos a escrever sobre estes assuntos. Depois fez um Pós-Doutoramento no Instituto Max Planck para a História da Ciência, em Berlim, a investigar o conceito de humanidade em situações de emergências médicas internacionais. No fundo, tentou perceber quem é que conta como ser humano nestes contextos em que há uma escassez de medicamentos ou vacinas para tratar ou proteger todos os indivíduos afetados. “Nem todos os humanos são iguais quando se trata de desenhar soluções para resolver crises epidémicas. Por questões acesso a capital económico ou político, há seres humanos que contam mais do que outros.” Desabafa João Rangel de Almeida.

Percebeu nessa altura que tinha começado a sua carreira, muito ligado a questões práticas, numa sala de emergências hospitalares, e que embora tenha adorado todo este processo de se transformar em historiador, sentia falta da componente mais prática. Decidiu deixar a carreira académica e juntou-se à Wellcome Trust. Na altura era o segundo maior financiador do mundo de investigação, “eu estava nas equipas Ciências Sociais e Humanas e de Emergências Médicas”. 

O seu trabalho consistia em fazer duas coisas: por um lado, financiar globalmente projetos de investigação que iam desde questões de éticas da ciência à história da sexualidade ou a estudos de literatura. Por outro, tinha também instrumentos de financiamento mais específicos que lhe permitia criar um portfólio de investigação ligados a problemas concretos como o desenvolvimento de sistemas de apoio social para famílias afetadas pela zika ou como estabelecer protocolos éticos para o desenvolvimento de uma nova vacina contra a ébola. Este trabalho permitiu trazer os benefícios da uma vacina a mulheres grávidas de uma forma ética – uma população geralmente excluída de estudos clínicos. A vacina está hoje disponível para todos, uma questão de acesso justo a uma tecnologia que permite salvar vidas.

Outra coisa que fazia, era a coordenação dos investimentos de vários financiadores de ciência e investigação académica. Durante a sua estadia na Wellcome, foi o Presidente do Grupo de Ciências Sociais da GLOPID-R, uma plataforma que reúne os grandes financiadores globais interessados em emergências médicas. Esta posição permitiu-lhe avançar este espaço de pesquisa e integra-lo nas estruturas da Organização Mundial de Saúde (OMS), da UNICEF, ou de vários governos a nível mundial evitando também a duplicação de investimentos. “Foi fantástico poder criar condições para que os melhores cientistas do mundo se pudessem reunir e avançar o conhecimento sobre questões verdadeiramente complexas.”

Foi algo que gostou de fazer e com este papel passou a OMS onde foi ajudar o desenvolvimento da agenda global de investigação para o COVID19. Aqui começou numa equipa dedicada a trazer os elementos culturais das populações afetadas por emergências médicas para melhor localizar e adaptar operações de controlo epidémico. Representava também a OMS numa plataforma que incluía a UNICEF e o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Esta plataforma permitia a coordenação de todo o trabalho de comunicação de risco e engajamento comunitário a nível global, regional e local.

Recentemente mudou-se para a equipa da Cólera dedicada ao controlo de uma doença que afeta mil milhões de pessoas e que não há razão para existir em pleno século XXI. “Nós sabemos como eliminar a cólera, é apenas uma questão de assegurar que toda a gente tem acesso a água potável e a serviços sanitários.” Contudo esta não é a realidade e os mais pobres dos pobres a nível mundial são obrigados a consumir água contaminada por fezes humanas.” Este trabalho implica a criação de soluções com bancos internacionais de desenvolvimentos e governos nacionais para o financiamento desta infraestrutura seja possível. Por outro lado, há todo o trabalho de resposta a surtos: gerir campanhas de vacinação em massa, criar centros de tratamento de cólera, desenvolver laboratórios para diagnosticar a doença, implementar mecanismos para que estas populações tenham acesso a água potável imediato, etc.

Este trabalho é dificultado por um maior número de conflitos armados que provocam o movimento de populações e também por alterações climáticas: “há cada vez mais cheias, e mais secas no mundo o que cria as condições propícias ao aparecimento de cólera. O mundo em conflitos faz com que populações deixem de ter acesso a água potável e a sistemas de saneamento básico criando uma bomba prestes a explodir à volta do mundo.” O trabalho é altamente complexo pois envolve coordenar o trabalho de equipas em todos os países com surtos de cólera ativos: “é uma responsabilidade enorme, é a vida de milhões de pessoas que está em jogo.”  

No último ano mais de 770 mil casos de cólera foram reportados à OMS. Contudo este número não representa a realidade: a maioria de casos e mortes nunca são reportados. Hoje há surtos de cólera na África, Ásia e na América Central. São 31 países que reportaram oficialmente cólera, desde o ano passado.

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