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A promessa de paz, a bolha da IA e a queda dos falsos profetas

12 outubro 2025

Na semana em que se fala de paz em Gaza, de bolhas na IA e de colapsos na Argentina, Portugal prepara-se para escolher o futuro e proteger-se dos falsos profetas.

Esta semana fala-se em cessar fogo em Gaza. E como sempre que a palavra paz volta às manchetes, respiramos fundo, quase com culpa, como quem teme acreditar. Mas há algo que me inquieta profundamente: fala-se de trégua, de acordos, de reconstrução, mas quase ninguém fala de justiça. Como se o silêncio sobre os crimes de guerra fosse condição para a paz. Como se fosse preciso enterrar a verdade para assinar tratados.

Se este cessar fogo vier sem memória, sem responsabilização, sem julgamento, não será um caminho para a paz, mas para a repetição. Porque onde não há justiça, o ódio apenas adormece. E se a justiça internacional, a mesma que ergueu o Tribunal Penal Internacional aqui em Haia, for esquecida, o mundo voltará a pagar o preço da amnésia coletiva. A justiça, afinal, não morre de um golpe só. Morre de indiferença.

Esta semana, no mesmo planeta onde se discute a paz, também se discute o futuro da inteligência artificial. Em Amesterdão, no World AI Summit, ouvi as promessas entusiásticas de uma nova era e, ao mesmo tempo, o aviso lúcido do presidente do JP Morgan sobre a bolha da IA, numa entrevista que escutei na BBC News Business Today.

O alerta é claro: cerca de 40 por cento do mercado das ações está concentrado em empresas tecnológicas, e a última vez que isto aconteceu foi em 1999, pouco antes da explosão da bolha das dotcom. Ao mesmo tempo, o mercado acionista de Londres vive um período de pressão e incerteza. Multiplicam-se as dúvidas sobre o verdadeiro valor de “ir a público”, e cresce a tendência de as empresas permanecerem privadas durante mais tempo, evitando a cotação em bolsa. É o reflexo de uma economia que já não acredita totalmente no seu próprio espelho.

É curioso. Tanto em Gaza como na tecnologia e nos mercados, o mundo parece viver entre extremos, entre a ilusão de progresso e a recusa de olhar o que está por trás. Na guerra, é o medo de enfrentar a culpa; na IA, o medo de enfrentar o limite; nos mercados, o medo de reconhecer o vazio que o lucro não preenche.

E nesta mesma semana cai também a promessa de sucesso da Argentina, agora mergulhada num cenário económico e social que choca quem quis ver naquele presidente mais do que ele era. O colapso argentino é o retrato fiel do perigo da demagogia moderna: discursos inflamados, falsas esperanças e a ilusão de que o carisma e a arrogância são sinónimos de competência. É um aviso que chega no momento certo, quando também Portugal se prepara para ir a votos.

Os demagogos multiplicam-se em tempos de incerteza. Vendem-se como redentores, prometem limpar tudo, juram que têm a coragem que os outros não tiveram. Mas por trás das suas palavras há sempre um vazio perigoso, uma ânsia de poder que disfarça desprezo pela verdade e pela responsabilidade. A Argentina mostra-nos o que acontece quando o povo confunde autenticidade com ruído e confia a esperança a quem nunca a mereceu.

Estas três histórias, Gaza, a IA e a Argentina, são espelhos do nosso tempo. A da guerra lembra-nos o preço de ignorar a justiça. A da tecnologia revela o risco de ignorar a ética. A da política mostra o perigo de acreditar em falsos profetas.

A verdadeira paz, o verdadeiro progresso e a verdadeira democracia começam quando temos a coragem de chamar cada coisa pelo seu nome, sem medo de perder a conveniência.

Que este texto vos inspire ou vos provoque. Não procuro concordância, mas romper as correntes da apatia.

Declaração de responsabilidade: Todas as opiniões e reflexões expressas nos textos, entrevistas ou publicações da autora são estritamente pessoais. Não devem ser entendidas como representando posições oficiais de qualquer organização, empresa ou instituição com as quais mantenha ligação profissional ou institucional. Embora desempenhe diversos cargos de liderança, consultoria e direção, as suas reflexões pessoais permanecem independentes e não devem ser atribuídas a essas entidades.

Por Marisa Monteiro Borsboom

Marisa Borsboom / Correspondente no BENELUX
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