5 outubro 2025

Hoje de manhã, ao deixar o meu filho na escola, ao ouvir a rádio, os sons I inesquecíveis de um piano levaram-me à minha adolescência, e às lágrimas da saudade . Mas a letra fez-me pensar nas coisas que ouvi esta semana, nomeadamente em discursos com impacto histórico e global, como foram muitos dos que aconteceram na Assembleia das Nações Unidas.
Quando Matthew McConaughey, recebeu o Óscar, disse que aspirava sempre ao futuro de si, e que esse era o seu herói. E hoje, ao ouvir aquela música que me levou aos passado de mim, tinha eu 12 ou 13 anos, percebo que a minha heroína, é aquela menina. Uma menina genuinamente boa. Queria que todos fossem felizes. Queria cuidar de todos. Tinha um coração de ouro, vos digo, sem vaidades. Ela é a minha heroína. É também por ela que vou lutar, porque ela representa o melhor que a humanidade tem. Depois disso, a vida virou-se e virou-me tantas vezes do avesso, e eu fui ficando cada vez mais dura, ao ver e sentir na pela o como as pessoas podem ser destrutivas desta mesma essência. Olhei o mal diretamente nos olhos e perdi-me tantas vezes no desespero de não saber lidar com tudo que me era alheio. Não é só o futuro eu que me faz continuar. É esta inocência, esta beleza que reconheço em tantos, especialmente nas crianças, sinónimo de humanidade. E é para aí que quero voltar, porque é a casa de todos nós. São as almas que lutam para não serem corrompidas por este mundo de ganância, de malícia e de mentiras.
E agora, olhando para os meus filhos com a mesma idade, é por eles sim . É para os ajudar a navegar neste mundo de uma forma que eu não consegui, que eu não tinha as ferramentas para, e que ainda hoje me faz sofrer tanto, porque nunca consegui ter armadura suficiente dura para não sentir está corrosão ou ter força revidar na mesma moeda. Por detrás de uma mulher do norte sem papas na língua está um coração que nunca deixou de sentir, que se vai partindo ainda , mas ainda bem, como dizia Emma Watson numa recente entrevista , que é sinal que ainda há um coração.
Esta semana deixou ainda tantas palavras para a história, nos discursos que encheram a sala das Nações Unidas. Em todos aqueles discursos, a presidente de Barbados falou de uma menina em Gaza, uma imagem que ela não consegue esquecer, porque teria uns seis anos. E disse que podia ver a dor extrema. Os seus olhos estavam vazios mas mesmo com a dor, ela carregava a sua irmã mais nova, porque percebeu que tinha de sacrificar-se, e que dependia dela. O futuro vai depender do sacrifico de muitos de nós .
É por todas elas, as crianças, para que não se tornem adultos tristes como tantos de nós agora. Tantos que não encaixam neste mundo, não por falta de pertença original mas porque este mundo está virado ao contrário, e porque as pessoas que escolhem a destruição dos outros, seja física ou espiritual, não são chamadas à responsabilidade, e nós vamos cedendo, vamos calando, o que nos deixa de rastos , e não haverá futuro se não nos erguemos.
E ao ouvir a música de Bryan Adams, Everything I Do, I Do It For You, lembro-me de Robin Hood, lembro-me dos heróis, da heroínas, lembro-me das pessoas que morreram, porque o amor maior que tinham era também pela bondade e pela justiça.
E é disso que precisamos, precisamos de homens e mulheres honrados mais do que nunca. E precisamos de destruir não as pessoas, mas a capacidade que elas têm de mentir, enganar, manipular, matar. Porque não precisamos de as destruir, precisamos de encontrar uma forma de que as pessoas vivam na verdade e na liberdade, embora sejam ambas face de uma mesma moeda. Porque a verdade liberta. E essa é a verdadeira revelação: só podemos ter uma humanidade a prosperar na verdade. Tudo o resto é apenas uma armadilha, apenas uma teia, apenas morte.
E talvez todos devêssemos fazer o exercício que eu fiz esta semana: perguntar a nós próprios o que queremos deixar gravado na lápide das nossas campas, quando já não estivermos aqui. Porque essa deve ser a nossa verdadeira bússola, quando tivermos de tomar decisões muito difíceis, que afetem o nosso conforto, mas que, se não forem tomadas, comprometem de forma irreparável aquilo que é a essência mais verdadeira do nosso espírito humano.
Esta semana escolho também esta imagem dos meus filhos a verem o pôr do sol, vestindo as t-shirts da Humanity of Things Agency. Porque precisamos todos de uma fonte de esperança. E eles são essa fonte para mim. Eles, e por eles, e por todas as crianças do mundo, que são a razão pela qual eu nunca lavei a minha voz e erguerei as minhas mãos.
Compreendo hoje que um dos meus maiores sacrifícios é o de falar a verdade, de não esconder. Sei que vou perder muito por isso. Sei que isso tem um preço. Mas não há preço maior do que perder o meu próprio espírito?!
E é este o meu compromisso: ajudar para que a humanidade não fique presa na teia das mentira em que vive. Que saiam todos da caverna! Que cada um de nós encontre coragem para quebrar correntes invisíveis e para retirar mordaças que nos sufocam.
E é pelas crianças que vale a pena cada risco, cada perda.
Porque nelas está o futuro, mas também o reflexo mais puro do que já fomos e do que ainda podemos ser. A alquimia que impera é de voltar a esta casa onde cada um de nós é um templo.
E eu já sei o que gostaria que um dia estivesse escrito na minha lápide, se o merecer :
Aqui finalmente repousa uma mulher honrada, intensa no amor e leal na amizade, que viveu a sua verdade pelos seus pais e pelos seus dois filhos, o seu maior presente e a tocha do seu legado, a centelha divina que vive em cada um de nós.
Neste 5 de Outubro, dia em que Portugal recorda a Implantação da República e a promessa de liberdade, não posso deixar de ligar esta memória ao que aqui escrevo. Porque liberdade não é apenas uma data no calendário ou um marco na História, é uma prática viva, feita de vozes que não se calam, de correntes que se quebram e de mordaças que se recusam. É essa mesma liberdade que quero que os meus filhos, e todas as crianças do mundo, possam herdar, não como um ideal distante, mas como uma verdade vivida.
Que este texto vos inspire ou vos provoque. Não procuro concordância, mas romper as correntes da apatia.
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Por Marisa Monteiro Borsboom



