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Sábado - 19 Julho 2025

EXCLUSIVO: Sem Correntes – Está tudo “perdido”?

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Há dias em que abrimos as redes sociais e parece que o mundo nos devolve uma pergunta camuflada em estatísticas, imagens e desabafos públicos: está tudo perdido?

Num só scroll, deparamo-nos com manchetes como “A crise de meia-idade chegou para os millennials”, com frases contundentes como a de Scott Galloway: “Estamos diante de uma geração de homens jovens inviáveis económica e emocionalmente”, e com realidades emocionais que vão muito além de números ou clichés geracionais.

Não escrevo para oferecer respostas prontas, mas para propor reflexão. Enquanto não tivermos capacidade de formular as perguntas que imperam nunca chegaremos às soluções que tanto precisamos. Devia haver uma academia de perguntas , tipo ginásio ! E há, ou deveria haver , na filosofia mas … essa passou a ser coisa de ensino superior e não básico o que é em si uma pena. Mas adiante .

O que está realmente a acontecer com os homens jovens? E com as mulheres jovens que, mesmo depois de séculos de desigualdade, agora assistem ao mundo a falar de uma crise masculina?

Como discutir uma geração “perdida” sem cair no jogo da culpa? Como encontrar espaço para empatia num cenário de competição entre dores históricas?

Esta não é apenas uma crise social, política ou económica. É, acima de tudo, uma crise de percepção.

Vivemos em tempos extremamente confortáveis para a maioria e, paradoxalmente, profundamente inquietos, ansiosos e dignos de serem chamados os anos do desassossego. 

A ansiedade, a estagnação, a apatia não nascem só da privação. Nascem também da abundância sem propósito, da liberdade sem direção.

Talvez por isso a angústia da juventude actual nos pareça tão confusa: não vem da falta, mas do excesso mal digerido. E a nossa, os mais velhos, se me permitem, de não sabermos o que fazer com o que criamos . 

E isso preocupa-me especialmente como mãe de dois rapazes pequenos.

Porque este discurso sobre os homens jovens não é apenas estatístico ou sociológico,  é íntimo, é familiar, é um espelho do que poderá vir.

Como educar com consciência numa era em que o mundo se desorienta ao mesmo tempo que promete liberdade e progresso? Estamos nós mais velhos a envelhecer em sapiência ? Ou a resistir tomar o lugar de guiar quem vem como fomos ( melhor ou pior ) guiados. 

No meio desta crise geracional, também os millennials (geração a que “quase” pertenço numa espécie de margem entre o fim da geração X e o início da seguinte), são confrontados com o desmoronar de muitas das promessas que lhes fizeram.

Promessas de mudança, de diferença, de revolução tranquila.

Mas agora, tal como as gerações anteriores, também tentam apenas encaixar-se.E a pensar que o viver é tantas vezes um simples sobreviver. 

A mesma geração que queria mudar o mundo começa a perceber o peso de pagar contas, criar filhos, gerir frustrações.

E talvez essa seja a verdadeira lição: a juventude sonha sempre em mudar tudo… até que a realidade a ensina a tentar apenas mudar alguma coisa e, com sorte, a si mesma. Não digo que nada muda, como é óbvio mas muda tão devagar … e pode retroceder. 

Esta semana, num evento onde a geração Z foi destacada como promissora, reparei numa contradição comum: são chamados de nativos digitais, mas muitos nem sabem usar um Excel ou navegar num software básico.

A literacia digital das redes sociais não é, necessariamente, literacia tecnológica. Não é por certo literacia humana . Faltaram avós mais amigos reais, mais brincar na chuva e sentir a vida. 

E isso também nos deve alertar: o potencial de cada geração não se realiza apenas na promessa.

Realiza-se no confronto entre o que podem ser e com a responsabilidade de se fazer da promessa realidade. 

E é aí que muitos se perdem , não por falta de valor, mas por falta de chão.

Antes de escrever esta coluna, vi uma notícia sobre o lançamento de cem mil poemas sobre o céu de Rotterdam ,  um bombardeamento simbólico, feito de beleza e palavras.

Uma chuva de versos no lugar onde antes caíram bombas.

E é com essa imagem que escolho terminar esta reflexão:

a beleza e a humanidade ainda existem, só que nos chegam em silêncios, em gestos pequenos, em páginas de poesia voadora que as redes raramente amplificam.

Talvez estejamos mesmo a ver o mundo através de uma lente embaciada, distorcida por tudo o que é negativo.

Mas ainda assim, a pergunta certa talvez não seja “está tudo perdido?”, mas sim: “o que estamos a deixar de ver?”

E o que ainda podemos encontrar, se mudarmos a forma como olhamos  e ouvimos?

A poesia será sempre como a arte e a conexão com os outros um belíssimo remédio que não sendo cura certa será o antídoto perfeito para muitos venenos. 

Que este texto vos inspire ou vos provoque. Não procure concordância, mas romper as correntes da apatia 

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Criada por Marisa Monteiro Borsboom, Sem Correntes é um espaço de cidadania ativa e pensamento livre em português.

Não procura consensos fáceis, mas romper a apatia através da palavra com propósito.

Aqui levantam-se perguntas difíceis, exploram-se dilemas atuais e convoca-se à ação, à escuta e à responsabilidade de construir um mundo mais justo, com todos e para todos. 

Por Marisa Monteiro Borsboom

Marisa Borsboom / Correspondente no BENELUX
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