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Sábado - 19 Julho 2025

EXCLUSIVO: Sem correntes – O canário da mina, a estátua decapitada e o preço da lucidez

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Há imagens que nos perseguem. Esta semana, numa capa da Revista E, vi a Estátua da Liberdade decapitada. O braço direito erguido, ainda a segurar a tocha, enquanto o rosto repousava noutro sítio, desalinhado, fora do corpo. Um símbolo americano transformado em alegoria do Ocidente. Já não ilumina, já não une. Está a arder por dentro, como uma mina prestes a colapsar.

Na mesma semana, o Expresso dava palco a um dos mais duros debates sobre justiça e cidadania: o bastonário da Ordem dos Advogados dizia que “tirar a nacionalidade é demasiado duro”. Talvez seja. Mas será mais duro do que ser privado de verdade, justiça e equilíbrio? O que é verdadeiramente “demasiado duro” nos tempos que correm?

Estamos a uma semana da Cimeira da NATO em Haia. E enquanto escrevo estas linhas, há uma espécie de silêncio antes da tempestade. Uma pausa inquieta. Todos esperamos o melhor, mas, secretamente, já antevemos o pior.

Na Unesco, onde estive esta semana, falou-se de futuro. Mas foi o passado que nos visitou. Vi projetada uma imagem de 1849, do Congresso para a Paz em Paris, o mesmo onde Victor Hugo discursou e defendeu uma “Europa unida”, um continente pacificado pela cultura e pela cooperação. Foi uma visão luminosa, quase profética. E, no entanto, apenas 65 anos depois, a Europa mergulhava na Primeira Guerra Mundial. O que falhou? Talvez aquilo que continua a falhar: a coragem de fazer o necessário, mesmo quando é impopular. A lucidez de olhar os ciclos da História sem ilusões. A firmeza para não deixar os vilões tomarem conta do palco, enquanto os homens e mulheres de bem hesitam no camarim da diplomacia. Não defendo a falta dela mas defendo que ela, a diplomacia, não basta! 

O mundo de hoje parece uma peça em três atos mal encenada, onde Trump, Netanyahu e Putin escrevem os seus papéis em simultâneo e ao improviso. Uns exaltam o medo como política externa, outros institucionalizam o ódio como defesa da pátria. E nós, os restantes, vamos assistindo, ora indignados, ora exaustos, ora resignados. Mas a História, essa não perdoa quem assiste. Só recorda quem age.

Foi também nesta semana que se falou da “geração 90”, no Jornal Expresso. Os que afirmando que têm mais competências que qualquer outra geração anterior. Talvez tenham razão. Mas não basta ter skills, é preciso ter valores. E coragem para agir em conformidade que tê-los na prateleira não basta. Porque saber mais e não agir melhor não é progresso, é falhanço, disfarçado de estatística.

No fundo, não é sobre quem são os aliados ou os inimigos. É sobre quem somos nós. Que narrativa escolhemos escrever. Se a de mais um ciclo de guerra mascarado de cimeira. Ou a de um novo início, mais corajoso, mais justo e mais lúcido. Para isso, talvez seja tempo de voltarmos ao essencial: ouvir o canário da mina. A História já está a cantar. Só não vê quem continua a tapar os ouvidos com bandeiras, dogmas ou medos.

E é aqui que Maquiavel entra, com a sua frieza desconcertante, mas inegavelmente lúcida:

“Muitos imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos ou conhecidos na realidade; porque há tal diferença entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandona o que se faz pelo que se deveria fazer caminha mais depressa para a sua ruína do que para a sua salvação.”

Hoje, muitos líderes fingem ser virtuosos mas não são. Outros assumem como nunca o seu papel de vilão. Mas o que é mais perigoso ? A virtude fingida, a benevolência que mascara cobardia ou conveniência. Quando se atribuem cidadanias com base em subterfúgios, sem verificação séria, quando se fazem leis para agradar a interesses obscuros sob pretexto de justiça histórica, quando se confunde bondade com permissividade. Foi neste “cadinho” que se veio a preparar que  deixamos de proteger os que devem ser protegidos e passamos a premiar os que sabem manipular o sistema.

Penso ainda no autor do Príncipe que dizia : 

“O povo deseja apenas não ser oprimido; a nobreza deseja apenas oprimir o povo.”

Hoje, em paralelo com a nobreza secular, há uma nova “nobreza” veste fatos, frequenta fóruns e diz-se democrática mas age com a mesma lógica de dominação: manter o povo calado, dependente, confuso. E quando se tenta corrigir erros, como os casos de atribuições abusivas de nacionalidade, falta coragem para dizer: sim, é preciso ajustar. Ajustar com equilíbrio, mas com firmeza. Sem cair na crueldade das ditaduras, mas também sem cair na passividade das democracias amedrontadas.

Porque a verdadeira bondade também exige dureza. A dureza da verdade. A coragem de contrariar os que se dizem moderados mas escolhem o silêncio. A integridade de enfrentar os que estão “no nosso lado” quando se desviam do que é certo.

Esperemos o melhor mas estejamos preparados para agir. O nosso tempo, a nossa responsabilidade ( a malta dos 90), está aqui. Não há como escapar. Espero estar à altura e que estejamos todos. 

Que este texto vos inspire ou vos provoque.

Não procure concordância, mas romper as correntes da apatia.

Por Marisa Monteiro Borsboom

Marisa Borsboom / Correspondente no BENELUX
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