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Quarta-feira - 15 Janeiro 2025

EXCLUSIVO: Trinta anos ao serviço da Comissão Europeia

Destaques

Joaquim Rodrigues

O Jornal Comunidades Lusófonas esteve em entrevista com um ex-funcionário da Comissão Europeia em Bruxelas, Joaquim Rodrigues, estando envolvido em projetos, na Ásia Central e a Mongólia, para além de alguns dos países dos Balcãs (Kosovo e Albânia), nas Maurícias entre outros lugares. Foi “rapporteur” no âmbito dos Fundos Estruturais para Portugal. Foram trinta anos ao serviço da Comissão, e conhece como “ninguém” o funcionamento deste Organismo de Bruxelas deixando-nos testemunhos interessantes sobre o funcionamento da Comissão Europeia. Foi uma aula de Estudos Europeus, muito interessante, e para quem gosta de estar a par sobre estas matérias vale a pena aqui o registo.

Joaquim Rodrigues, explicou-nos como foi a sua presença na Comissão Europeia, e um breve apanhado sobre a sua carreira académica e profissional até chegar a este órgão da União Europeia. “A minha primeira atividade profissional (1974) foi a de técnico/calculador de segurança de estruturas (barragens) na Companhia Portuguesa de Eletricidade, mais tarde designada de (1976) Eletricidade de Portugal, EDP”.

A sua permanência durou até 1990. “Foi uma atividade muito estimulante”, onde aprendeu praticamente tudo o que se deve conhecer no ambiente de trabalho, em particular numa grande empresa como era a EDP. “Diria mesmo que aprendi a ser o que sou hoje graças aos grandes mestres que tive a felicidade de ter naquela que era uma das maiores empresas e das mais importantes em Portugal”.

Teve grandes mestres a quem presta permanentemente homenagem, assim como a todos os colegas e amigos desse tempo. Ao mesmo tempo que desempenhava as funções de calculador, era também estudante de Direito, tendo obtido a Licenciatura em 1984. Iniciou, sempre em paralelo com as funções na EDP, a atividade de advogado, com escritório no Porto, durante algum tempo.

Em 1986, logo após a adesão de Portugal à então CEE (Comunidade Económica Europeia), a família deslocou-se para Bruxelas onde iniciou, de 1988 a 1990, a pós-graduação em Direito Europeu no Institut d’Etudes Européennes (Université Libre de Bruxelles).

Entre os anos de 1990 a 1994 representou empresas e uma associação empresarial portuguesa na capital belga e no Benelux.

No ano de 1994, após ter sido selecionado num concurso para funcionários lançado pela União Europeia (UE), passou a fazer parte dos quadros efetivos da Comissão Europeia, numa das duas Direções-Gerais responsáveis pelas Relações Externas.

Nesse mesmo ano em junho de 1994 desempenhou funções relacionadas com a gestão de projetos internacionais na Direção-Geral das Relações Externas responsável pelas relações com os Novos Estados Independentes (NEI) da ex-URSS. Em 1992 a UE lançou um programa (TACIS) de assistência técnica a favor dos NEI, incluindo a Mongólia. “Foi nesse contexto que tive a oportunidade de trabalhar e conhecer, durante praticamente onze anos, um mundo novo e até então desconhecido, na gestão e coordenação de projetos de desenvolvimento internacional, nomeadamente nos países da Ásia Central, do Cáucaso e dos Balcãs”. Alguns destes países viviam muito próximos de conflitos potenciais ou reais, como era o caso do Tajiquistão e do Usbequistão.

Entre 1999 e 2000 esteve destacado durante alguns meses no Kosovo em funções relacionadas com o mandato das Nações Unidas atribuídas à União Europeia através de Resolução do Conselho de Segurança adotada na primavera de 1999. Tratava-se de levar a cabo tarefas no domínio da reconstrução das infraestruturas civis naquele território.

Nessa altura, o conflito no Kosovo e a sua reconstrução foram “o maior desafio para mim e para a equipa em que estive integrado”. O Kosovo foi o primeiro grande “laboratório” do que poderia ser a intervenção da comunidade internacional na gestão de problemas de grande dimensão.

Países em que esteve destacado

Os países da Ásia Central e a Mongólia, para além de alguns dos países dos Balcãs (Kosovo e Albânia) foram, seguramente, os países que mais marcaram a sua carreira profissional e que mais impacto tiveram. Conhecer “por dentro” o que foi a União Soviética, os seus povos, os seus quadros e dirigentes políticos e técnicos, as suas especificidades, os seus usos e costumes, a sua história, cultura, gastronomia, literatura, etc., “foi uma lição de vida, mas também de História, de geopolítica que não se aprende nos bancos da escola. Encarei sempre estas tarefas, estas lições e estes desafios com uma enorme humildade e respeito pelas pessoas com quem me cruzei ao longo de todo este tempo.”

O último país onde esteve destacado – durante quatro anos – foi a República das Maurícias. Foi, sem a menor dúvida, a experiência mais desafiante, relembra Joaquim Rodrigues, pela distância, pelo clima, pelo povo, pelo tipo de trabalho e de responsabilidades que, por ser o último, fica gravado para sempre. Ficou com muitos amigos de coração naquele país longínquo.

Quando trabalhava na Comissão Europeia: um emigrante, ou um deslocado?

Um funcionário da União Europeia não é, por definição do seu estatuto, nem um emigrante nem um deslocado. A independência das suas funções, não respondendo a pedidos do seu Estado de origem, mas apenas e exclusivamente da instituição que representa, faz com que seja uma figura algo híbrida, sem nunca perder a sua identidade. Desde junho de 1994, altura em que iniciou funções, até março de 2021, ano em que pediu para passar à reforma, sempre se sentiu independente – integrado num ambiente e num projeto de âmbito internacional.

Fez trabalho em Portugal ligado aos fundos Comunitários

De 2005 até 2015 foi “rapporteur” no âmbito dos Fundos Estruturais para Portugal, o que equivaleu a gerir programas que faziam parte de praticamente três Quadros Comunitários de Apoio. Nessas funções, “cobri, como “rapporteur”, todas as regiões portuguesas: as cinco regiões no continente e as duas regiões autónomas.”

Estas funções permitiram conhecer o país pelo prisma da política regional e de coesão, nomeadamente na coordenação de políticas de desenvolvimento regional, da sociedade da informação, da ciência e da reabilitação urbana. “Foram dez anos de enormes desafios, os mesmos a que Portugal teve de fazer frente, em especial durante o difícil período da crise financeira internacional que deflagrou em 2008 e que deixou marcas profundas em Portugal, na Europa e no mundo.

“Em geral, os fundos comunitários foram e têm sido bem aplicados. Portugal é hoje um país bem diferente daquele que era antes de 1986, ano da adesão à CEE, e a isso se deve o papel e a importância dos fundos estruturais”.

Podia ter-se feito mais e melhor? Claro que sim! Contudo, convém não esquecer que Portugal partia de uma base extremamente baixa, com níveis de desenvolvimento da sociedade e da economia extremamente baixos. Os níveis de literacia, de formação académica e profissional, quer dos trabalhadores quer dos empresários e quadros eram muitíssimo baixos. “Portugal precisava de praticamente tudo! Infraestruturas, formação, inovação, empreendedorismo, desenvolvimento da comunidade académica e científica, recursos básicos em questões ambientais, higiene e segurança, etc.” Foi necessário fazer um caminho. Esse caminho foi longo, tortuoso, difícil, semeado de obstáculos de todo o tipo: económicos, sociais, culturais, políticos, etc. Portugal estava a crescer numa atmosfera de jovem democracia; Portugal estava a aprender a estar na Europa e no mundo. O mundo e a Europa também evoluíram, mudaram, por vezes a um ritmo demasiado acelerado e que foi difícil acompanhar.

A título de exemplo, refere a significativa (mas pouco ou nada falada) mudança de paradigma ao nível da política regional europeia. Falando-se de política regional, tratava-se originalmente de comparar regiões com níveis desiguais e extremamente distantes de desenvolvimento.

Por exemplo, Hamburgo estava num extremo e o Alentejo no outro. O papel da política regional era, então, de aproximar estes dois extremos, como se tal fosse possível. Era uma utopia! O paradigma mudou quando se passou a discutir a política de coesão.

Em Portugal, as assimetrias passaram a ser vistas a nível mais próximo da própria região, por vezes valorizando as diferenças, transformando-as de aspetos negativos em vantagens, e passou a dar-se mais importância e relevância à coesão no interior dessa mesma região sem, contudo, querer (por não ser possível) colocar em paralelo o que nunca podia estar em paralelo. Esta mudança de paradigma foi pouco percetível para o cidadão comum (até mesmo para a classe política nacional), mas foi crucial para a interpretação das necessidades e a avaliação dos recursos disponíveis.

O país está desconectado com a União Europeia; somos uns “leigos” em matéria de conhecimento comunitário, mesmo ao nível da comunicação Social? O que propunha se tivesse alguma influência no país?

Joaquim Rodrigues não considera que sejamos um país “desconectado” da UE. Antes pelo contrário! Facilmente se atribui as culpas do que vai mal a Bruxelas e “guardamos o que de bom fazemos para nós”… É a ironia das coisas que, especialmente um advogado consegue perceber muito bem… “Há alguma, muita, iliteracia e desconhecimento em matéria de políticas comunitárias e do próprio “projeto europeu”.

A comunicação social não tem ajudado muito neste capítulo. Dir-se-ia que não tem vontade de aprender, de seguir de perto por ser, ou demasiado técnico ou então pouco “vendável/rentável”. “São raros os jornalistas que têm formação adequada em assuntos europeus, em política e geopolítica internacional. A classe política portuguesa, em geral e infelizmente, segue o mesmo caminho.

Se eu pudesse influenciar diria que a formação, a informação e a cultura europeias e internacionais deveriam começar desde logo na escola, em particular na universidade. O Programa Erasmus tem tido um papel preponderante no abrir dos olhos a jovens universitários, o que é amplamente reconhecido.

“Se eu pudesse tomar decisões, criaria um equivalente do Programa Erasmus para empresários, para dirigentes autárquicos (sobretudo para estes!), para quadros políticos, obrigando-os a sair do seu “casulo” e a ver e experimentar o que se faz de bom e de mau no mundo das empresas, da academia, da política, da gestão, etc”.

Iriam fazer experiências “lá fora”, mas com a obrigação formal de voltar para cá e aplicar e disseminar, divulgar, reproduzir, multiplicar o que vivenciaram durante o seu período de formação fora do país. Infelizmente, esta é outra utopia… “Mas temos de viver e de continuar a acreditar em algumas utopias.”

No que toca à missão como funcionário internacional “está cumprida!” Poderia ter feito muito mais, não sei; não dependia tudo de mim.” Resta uma obrigação imperiosa: transmitir aos concidadãos a sua experiência, e conhecimentos. “Esta parte ficará sempre por acabar; nunca será completamente realizada por ser interminável.” Finaliza Joaquim Rodrigues.

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