Joaquim é natural de Lisboa, e fez a escola
toda na capital, mais concretamente na Academia de Música de Santa Cecília. O secundário, fê-lo na Escola Secundária
da Cidade Universitária. Tendo entrado em Direito na Universidade de Lisboa, preferiu antes dar o seu primeiro passo académico na
Universidade Católica, em Comunicação Social e Cultural. Ainda assim, não sabia muito o que é que queria fazer.
Estava na área das ciências sociais, tinha boas notas, mas não era bem a comunicação só por si que o chamava. Ainda assim, terminou o curso, que na altura era uma licenciatura de 5 anos e bastante abrangente, e que o preparou bem para a interdisciplinaridade que iria marcar a sua carreira daí para a frente. Insistiu ainda que a mesma saída profissional de grande parte dos seus colegas também poderia ser a sua, e era interessado por informação e jornalismo. Mas era o cenário internacional, a União Europeia e as Nações Unidas, sem saber muito bem de que forma, que na sua mente surgiam como pano de fundo do futuro.
A licenciatura começou em 2000 e terminou-a em 2005, com um ano de Erasmus (2003/2004) na Universidade de Leuven, na Bélgica, pelo meio. A partir de certa altura, decidiu que queria mesmo entrar na senda do jornalismo, o que acabaria por acontecer brevemente, no final do curso. Este seria o primeiro de muitos caminhos que iria percorrer até chegar onde se encontra neste momento. Afinal, os sonhos sempre se podem concretizar, e o seu acabou, duma forma ou de outra, por se realizar. É um homem feliz, no trabalho e na vida, apesar de, como muitos profissionais dedicados a assuntos internacionais, ter tido de abdicar de muitas coisas ao longo do caminho. Sinal disso é as muitas, malas carregadas de vinhos e queijos portugueses, um pedaço de casa que ajuda a matar saudades quando as vindas a Portugal não acontecem com muita frequência.
“Licenciei-me em Ciências da Comunicação, como se designa agora, e fiz um estágio na Sábado no final dos cinco anos de licenciatura. “Eu gostava, claro, da missão, mas entendi que o jornalismo é realmente uma missão nobre, de grande responsabilidade e sacrifício pessoal, da qual não se pode gostar “um bocadinho”. Eu que sempre tive esse pendor para a dedicação máxima às coisas que me inspiravam, e senti que aquele ofício não me motivava dessa forma, não era bem esse o meu lugar, pretendia uma coisa mais específica.” Explica Joaquim Torrinha, numa conversa sempre muito sorridente, com quem se sente bem na sua pele.
As boas notas em História que sempre teve e o contacto académico com as Relação Internacionais, a Ciência Política e outras cadeiras relacionadas durante os estudos em Lisboa e em Leuven; foram cada vez mais dando cor ao que chamou de“o meu caminho”. Os estágios de jornalismo na Sábado e na Agência Lusa foram escolas de vida, não deram frutos para além deles mesmos. Dessa época, o Joaquim recorda também uma altura complicada em Portugal para os jovens profissionais com formação parecida com a sua, algo que lhe parece que está hoje melhor, mas que “infelizmente ainda é muitas vezes assim”. Havia trabalho em comunicação e na área mais generalista, mas quase sempre na forma de, estágios não remunerados, pautados frequentemente por episódios menos proativos. Ainda assim, não deixa de se mostrar agradecido por estas oportunidades iniciais e formadoras. Decidido a procurar outros caminhos, foi freelancer durante um tempo e encontrou, de forma inesperada, uma oportunidade no setor cultural e no Clube Português de Artes e Ideias (CPAI). Aí, encontrou novo fôlego, continuando envolvido na comunicação, mas também na produção cultural. Foi também aí que percebeu que era feliz a trabalhar na gestão de projetos e em relações institucionais.
“Fazíamos a implementação da ação de inserção profissional de jovens artistas do Instituto Português da Juventude (IPJ), que confiava praticamente tudo nessa área ao CPAI. “Eu fazia um pouco de tudo, era uma espécie de coordenador adjunto com muitos chapéus.” Para ele, uma experiência que recorda com ternura, pelo sentido de missão que disse sentir ao trabalhar para apoiar jovens da sua idade, com os mesmos desafios daquelas fases de transição dos estudos para o mundo do trabalho. Aí, pode também experimentar um pouco também o palco Internacional. “Para mim, o Clube foi uma ponte importante, porque me colocou diretamente e surpreendentemente a fazer relações internacionais.” Nessa época, liderou a conceitualizacão e ser um chefe da delegação portuguesa em Bienais de Jovens criadores da Europa – Bari e Macedónia – e da CPLP, por exemplo. “Deu-me a oportunidade de experimentar o que era a cooperação internacional e o trabalho num contexto multicultural. De repente, trabalhar com um colega Checo e uma colega Italiana num projeto, perceber sensibilidades entre o colega Francês e o Britânico, reunir numa qualquer capital da Europa central. Tudo isso foi bastante determinante para a minha atração, a partir daí, para o trabalho internacional.”
Em Itália, em Barim além disso, mencionou também as dinâmicas das relações institucionais, no contacto com o IPJ, a Presidência da República, a Comissão Europeia, entre outros; e também o ter sido Presidente do Conselho fiscal do Conselho Nacional de Juventude. Sublinhou então que a cultura e o associativismo, nessa pequena, mas, diz, unida organização cultural; onde se trabalhava muitas horas e com muitos meses de salários em atraso sempre com o mesmo espírito de missão, foram escolas importantes. “Sinto que, sem conhecer nada do mundo cultural no início, acabei por aproveitar bem a confiança e a autonomia que o diretor me deu na altura, que me permitiu aprender a gerir, a liderar, a ser rigoroso, a entregar resultados, assumir derrotas, ser diplomático; e, enfim, a formar o caráter que me define hoje como profissional.”
E daí veio a questão, e agora? Já sabia que queria mais, fazer a diferença, seguir o rumo dos assuntos internacionais e políticos. União Europeia e Nações Unidas, sonhos longínquos. Mas havia que dar um passo. “Eu sabia que o que tinha feito até agora não chegaria. Já tinha 28 anos, tinha feito já coisas muito relevantes sim, mas não era formado no curso certo, não tinha estagiado em Bruxelas nem em Genebra, e oportunidades no nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), nem pensar. Sabia, pela competitividade que marca as carreiras nas instituições internacionais, que tinha que me qualificar mais, encontrar uma bolsa e “fazer um outro curso pós-Graduado”. Concorreu, em 2011, a duas escolas, entrando nas duas, no Hertie School of Governance em Berlim; e Varsóvia, na Polónia, que estudou o mestrado, com especialização em Governação da União Europeia. “É uma escola muito difícil de entrar, o concurso é feito através do MNE. Felizmente, sem vir da área, acabei por ultrapassar a concorrência de licenciados da Nova, do ISCSP, e de outras escolas de referência na área das relações internacionais e estudos europeus. No meu ano, foram só 6 os portugueses para os dois campus.”
O Colégio da Europa é a escola por excelência, de funcionários da União Europeia. Depois do curso, a maioria ingressa nas competições para entrar na carreira europeia, na Comissão, Conselho Europeu, e Parlamento normalmente.
Joaquim lembra um ano de formação muito intenso, um abordagem académica extremamente exigente, o regime presencial interno de um ano”.
“Era muito intensivo, mas aprendendo de grandes nomes dentro dos Assuntos Europeus em geral. Da Economia, do Direito, das Relações Internacionais e Diplomacia, mas também a governação interna, que me apaixonou. Fiz a minha tese na área das políticas europeias de migração e asilo”. “Na altura não era um assunto muito em voga, estamos a falar no período sobre a Comissão Barroso 2, e os temas prioritários eram mais a relacionados com o mercado único, coesão, alargamento. Já tinha trabalhado com muitos migrantes e refugiados e com o Alto Comissariado para a Integração, o ACIDI, em algumas atividades quando estava no CPAI.”.
“Fui para a União Europeia, fiz o estágio “Blue Book”, em Bruxelas na Comissão, mas entretanto e como a vida tem destas coisas, a minha namorada, atual esposa, teve uma proposta para ir para Singapura.” Foi convidada para ser gestora de contas, por sinal bem sucedida em Portugal, foi Gestora de Contas Global numa agência de publicidade de renome, para uma companhia aérea comercial de nível mundial.
“Éramos ainda novos e eu decidi largar tudo e fui para Singapura, sem trabalho. Foi aí que a nossa aventura Asiática começou. Singapura é um país muito competitivo e eu trazia uma série de aptidões que não são a prioridade do Governo Singapuriano que pretende atrair, técnicos de outras áreas. Mas, ainda assim, fazendo voluntariado, networking, acabou por conhecer bastante. Passado poucos meses, já era associado de investigação freelancer para o Centro de Estudos Europeus da National University Singapore (NUS) e acabou por entrar da NUF National acabou por entrar como Gestor de Programa na Fundação Konrad Adenauer. Aí, esteve a gerir um programa regional de formação de jovens políticos de muitos países – de Taiwan à Índia – em gestão de projetos públicos e desenvolvimento. Durante alguns meses, fez várias atividades na região, sobretudo na Malásia e no Myanmar. Na altura, o Myanmar estava a passar por uma transição política e essa foi uma experiência que o marcou por ter treinado diretamente os jovens do National League for Democracy, que mais tarde viriam a ocupar cargos governamentais no governo de Aung Saan Suu Kyi em 2015. “
Ter esse contacto com tantos jovens políticos e poder trabalhar em tantos países no Sudeste asiático foi o início de uma aventura, numa região onde “acabei por ficar 6 anos e meio.” Singapura, seguiu para Jacarta, Indonésia, para trabalhar num projeto da União Europeia em política comercial. A EU-Indonesia Business Network era um projeto que visava abrir corredores de investimento para, pequenas e médias empresas europeias, numa lógica de cooperação e boas práticas.
Era um projeto regional, da Comissão Europeia, que lhe permitiu continuar a ter contacto com a UE, agora de fora da Europa, e sentir que tinha um papel a desempenhar na sua diplomacia e relações com a região. “O programa que eu geria tinha também equipas-irmãs no Camboja, Vietname, Tailândia, Malásia, e Laos. Eu liderava a parte da Indonésia. Trabalhei muito com setor privado e comercial, acesso ao mercado política de investimento, coisas que não tinha muita experiência, mas acabei por gostar muito.”
Gostou do lado de apoio a o Governo indonésio a falar uma “língua” mais para a UE, por outro lado também “vender” um bocado da União Europeia, à Indonésia, e vice versa. Fez muitas viagens de trabalho pela Europa, falando com pequenas câmaras de comércio regionais em vários países, a Croácia a Lituânia. Tudo foi novo, mas a escola que já tinha da União Europeia serviu-lhe.
Esta experiência também lhe permitiu consolidar a gestão de projetos europeus, como Gestor do Programa, acabando por ficar 2 anos e meio em Jacarta. “Trabalhava também de forma próxima com 16 embaixadas, entre as quais a portuguesa.” Era muito próximo do Embaixador.” De jovem Gestor de Programa no Grand Arquipélago. Seguiu depois, com 34 anos, para o Vietname, já com mais conhecimento das relações regionais, ASEAN e política comercial, para o cargo de Diretor Adjunto e para a Câmara de Comércio Europeia no Vietname. “Era e é uma e associação Empresarial com muito peso no Vietname. “Eu ocupava-me do apoio a gestão geral da organização, focando-me ainda, nas partes de advocacia regulatória, mas também da promoção das convenções internacionais e proteção de direitos humanos nas relações comerciais entre UE e o país.”
São mercados muito grandes, às vezes com pouca concorrência, setores muito específicos. E há empresas portuguesas também, nomeadamente, nas energias renováveis onde se podem realizar bons negócios nesses países, devido à dimensão dos mercados.
Aí, esteve outra vez intimamente ligado à União, trabalhando próximo da Delegação Europeia no Vietname, Europeia. A Comissão Europeia, Parlamento Europeu, onde apresentou um Relatório sobre o impato do futuro Acordo Comercial UE-Vietname, que viria a ser adotado em 2019.
“Mas em todas estas aventuras, o longíquo sonho das Nações Unidas nunca morrera.”
“Gostava daquilo que fazia, mas o meu sonho continuava a ser Nações Unidas e a migração. Fiz um exame para o YPP em Kuala Lumpur, mas para entrevistas nunca me chamaram.” E eis que, em 2018, em plena Cidade de Ho Chi Minh, alguém que conhecia indicou que precisavam de alguém para a OIM local, que pudesse fazer a ponte entre o setor privado e em situações análogas: a escravatura moderna na sua cadeia de valor transnacional. Eles queriam trabalhar com o setor privado, mas eram pessoas da ONU com uma linguagem muito “ONU”, e precisavam de uma ajuda de alguém de conseguir traduzir entre os dois “mundos”. E foi assim que “comecei a trabalhar como consultor na OIM. Despedi-me do trabalho que tinha, fiquei entusiasmadíssimo com esta possibilidade e atirei-me um bocado de cabeça.”
“Sempre gostei de Migrações, fiz uma tese com nota final de 17 valores, e o meu orientador era o Reitor do Colégio da Europa na altura. O caminho foi longo, mas quando menos esperava, cheguei finalmente a uma área com a qual sempre sonhei trabalhar.” ”Do Vietname e da migração laboral saltou, em 2020 e na pandemia, para a resposta a emergência devido ao fluxo migratório venezuelano na fronteira a norte do Brasil.
“Foi uma oportunidade muito boa, porque me atirou para um novo contexto e trabalho que me atrai até hoje. Aí, ajudei a gerir uma operação de 120 pessoas quatro escritórios, e num ano a minha vida realmente mudou muito.”
Atualmente na Guatemala, desde 2022, trabalha no desenvolvimento de capacidades e políticas públicas, tendo liderado a proposta da OIM para a primeira Política de Migração Nacional do país, adotada em 2023. Entre outras vitórias e trabalho com impacto, segue na missão de ajudar as populações em movimento, mantendo contacto com a pequena comunidade portuguesa na Cidade da Guatemala. Está, desde o passado junho, a cumprir uma missão temporária, como coordenador da resposta a emergência devido as cheias no sul do Brasil, liderando a construção de uma operação de 150 pessoas.” Assim segue um caminho trilhado há muito, que deu muitas voltas, mas que, segundo ele, pela oportunidade de poder ajudar os mais vulneráveis e a autoridades de vários países a dar-lhes a melhor atenção possível, “valeu tudo a pena”.