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Segunda-feira - 9 Dezembro 2024

EXCLUSIVO: Universidade de Guelph (Canadá) conta com a prestação de um lusitano

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Mário Monteiro, um Serrano de gema, fez o ensino básico numa escola primária na Serra da Estrela, numa aldeia chamada Aldeias, concelho de Gouveia, e assim que terminou a quarta classe emigrou para o Canadá. Fez a escola secundária em Toronto e depois doutorou-se em 1996 pela Universidade de York, em Bioquímica. Depois do doutoramento, foi trabalhar para o Governo canadiano em Ottawa, que é a capital do Canadá, para um instituto de pesquisas do Governo. A pesquisa laboratorial é uma das suas paixões, e segundo nos revela, as bactérias não conhecem os dias da semana, e nem os fins de semana lhe escapam para se dedicar à pesquisa. Vamos conhecer um pouco o mundo dos vírus e das bactérias, pelas palavras deste cientista português.

“Estive a trabalhar para o Governo Canadiano quatro, cinco anos e depois fui para os Estados Unidos para uma empresa que chamada Wyeth, que agora faz parte da Pfizer, confessa-nos Mário Monteiro. Depois de três anos nos Estados Unidos, regressou ao Canadá pelo convite do departamento de Química da Universidade Guelph. Que fica a uma hora de Toronto. A cidade não é nem muito grande, nem muito pequena. “Estou lá, já há 20 anos e é onde eu tenho desenvolvido o meu trabalho em vacinas”

As vacinas e o Covid-19 – Qual a relação?

Há dois, três tipos de micróbios, há os vírus, como os coronavírus, há as bactérias como a meningitidis, e também os fungos, mas geralmente há dois micróbios importantes, os vírus, e as bactérias. São as duas famílias, são micróbios diferentes, os vírus são simples.

As bactérias são mais complexas, “a minha especialidade são as bactérias, eu faço vacinas contra bactérias. “Fazer vacinas contra os vírus, nas universidades, é difícil porque para fazer as investigações com vírus é preciso ter laboratórios com uma segurança muito elevada e geralmente temos universidades em que isso não é possível, portanto, não, não estou envolvido com os vírus, primeiro porque não sou virologista, e também porque não sou perito, no material genético, o principal foco no estudo dos vírus, a minha especialidade são as bactérias, os carbo-hidratos na superfície das bactérias”. Explica-nos o Professor.

No entanto, “eu fiz estudos – nunca publiquei – para uma empresa que estudava a superfície do vírus do Covid, mas como se sabe, acho que a atenção dada às vacinas o Covid-19 já abrandou muito desde há um ano ou dois, e então já não há aquela atenção, porque não nos podemos esquecer que a atenção às vezes não é só, devido aos problemas de saúde, também tem a ver com o mercado. ”E isso é muito importante no mundo dos medicamentos e das vacinas também, portanto, se não há procura, não vai haver muita investigação com força, como houve há dois ou três anos. Portanto, “a minha especialidade, o que eu faço são vacinas contra bactérias que causam diarreia.”

E esta temática é muito importante, bem como outros problemas gastrointestinais. Nos últimos 20 anos, “fizemos três vacinas aqui que já atingiram ensaios em seres humanos, que é uma coisa muito rara, investigações feitas em universidades atingirem ensaios em seres humanos, portanto, nós temos três produtos, três vacinas em três ensaios humanos. Somos o único laboratório de uma universidade que tem três produtos diferentes em seres humanos a ser testados.”

“É muito importante não só para mim”, mas também para os estudantes que trabalham no laboratório a fazer o mestrado e o doutoramento. “Eu faço vacinas contra bactérias que causam diarreia, ingeridas em alimentos contaminados”, como a E. coli e a Campylobacter. “Com vírus, não tenho muita experiência porque não sou perito em vírus. A vacina contra o vírus que causa Covid-19 feita do material genético, que eu nem considero isso a vacina, a vacina é a proteína feita dentro das nossas células, codificada pelo material genético com que somos injetados. Existem vacinas contra Covid-19 que são compostas dessa dita proteína e não contêm material genético.”

Essa é que é a vacina, é a proteína que o nosso sistema defensivo vê e cria anticorpos contra, o material genético em si não é propriamente a vacina, “é só o código para produzir essa proteína dentro das nossas células. Mas a minha especialidade é a criação de vacinas contra bactérias patogénicas, particularmente, aquelas que residem no estômago e intestinos.”

Funções na Universidade

Na Universidade desempenha duas funções, 50% em aulas e outros 50% empenhado em pesquisas. Mas nunca divide o trabalho em percentagens, “dou aulas de Química aos alunos do primeiro ano universitário, e aos pós-graduados”.

É sempre mais do que 50%, “pois a ciência nunca para”. Os micróbios não sabem que é fim de semana. Tem dois laboratórios onde faz as pesquisas. Neste momento tem um projeto com que está bastante entusiasmado, tem a ver com uma família de bactérias problemáticas que são comuns nos intestinos de algumas pessoas, “temos muitas bactérias nos intestinos que, supostamente, afetam o sistema nervoso e a saúde mental.”

Estão a trabalhar com bactérias que estão associadas com estas patologias – e isto é importante frisar. Geralmente, teorias científicas demoram 10, 20, 50 anos a confirmar, mas estão agora com os projetos novos em que estão a criar vacinas contra bactérias, que estão presentes em crianças com autismo.

As crianças com autismo, 90% delas têm diarreia e prisão de ventre, sintomas dessa classe e muitas vezes, para os pais e para quem toma conta de crianças com autismo, “nem é necessariamente o autismo que requer mais esforço e energia, são essas condições intestinais.”

Essas crianças vão para a escola com 5, 6, 7 anos, com fraldas, por causa da diarreia “e eu não estava a par disso”. Mas como tinha desenvolvido aquelas outras vacinas contra diarreia, “aproximaram-se de mim a falar sobre o autismo. ”que também tinham esses problemas gastrointestinais, “e agora estamos a gerar muita atenção nesta área.”

No entendimento e do Professor e Cientista Mário Monteiro, é preciso ter cuidado com o que se diz, isto não é uma vacina contra o autismo, isso não existe. “Isto é uma vacina para controlar as bactérias prejudiciais nas crianças, porque estas bactérias não é só o caso de causarem diarreia, as bactérias expelem produtos tóxicos que entram na via sanguínea da criança e afeta o cérebro. ”Reforça o Professor. A principal causa, ou causas, dos sintomas associados ao autismo não está definida.

Há crianças que nascem com autismo e há outras que desenvolvem o autismo, que pode estar associada com estas bactérias, é mais em crianças com dois, três anos de idade, porque estes micróbios deitam fora as moléculas tóxicas, que vão interferir com o cérebro da criança ainda em desenvolvimento. E é essa a hipótese, somente uma hipótese presentemente, chamam-lhe a conexão ‘gut-brain axis’.

“Desenvolvemos uma vacina contra esta bactéria, que vai reduzir o número da bactéria na criança, e então possivelmente reduzir os produtos tóxicos que estão a ser produzidos pela bactéria. ”Diminuindo o número destes produtos tóxicos, talvez se possa melhorar, “talvez haja melhoramento da criança com problemas do autismo, a diminuição dos sintomas, em teoria, estou bastante entusiasmado, não só pela parte da ciência, mas também pelo impacto social que isto implica”.  Porque o autismo, como se sabe é incapacitante, e está a aumentar, aparentemente, “não sei se as formas de deteção melhoraram. Mas acho que todos os anos esta condição está a aumentar na população e então sim são esses os nossos projetos com mais sucesso em que o meu trabalho toca, foca-se nestas bactérias contra diarreia só que neste caso tem este ângulo da doença do autismo.”

Projeto avançado

Têm um ou dois artigos sobre este tema. Uma coisa que tem notado é que “na minha área sempre precisamos apoios de farmacêuticas para fazerem ensaios em seres humanos, nós na Universidades não temos possibilidades para fazer ensaios em seres humanos. Desenvolvemos a vacina e depois outros, as companhias farmacêuticas, é que vão testar essa vacina em ensaios clínicos.  “Se eles pensarem que a vacina vai ser importante no mercado, não é só clinicamente, mas também no mercado. Mas está a ser muito difícil convencer as companhias farmacêuticas, a entrar nesta área do autismo, é uma área muito sensível.”

E os pais têm um grande envolvimento nesta área – há por parte das companhias, e para mim também, muita cautela, é preciso muita atenção em não criar expectativas rápidas, porque a ciência é muito vagarosa. “Às vezes costumo dizer, a rapidez é um inimigo da ciência.” Quando as coisas são feitas à pressa, não resultam bem, a boa ciência é vagarosa, mas as famílias com filhos e filhas com autismo precisam de soluções, “percebemos que queiram respostas muito rápidas”. E quando leem estes artigos ficam expectantes, – “lembro-me que quando publiquei o meu artigo, há uns anos sobre esta matéria. Tive muitos e-mails de pais a pedirem para os filhos serem incluídos em testes- e nós só estávamos com ensaio em ratitos, só depois, ao fim de 10, 20 anos é que seres humanos podem ser testados. Por exemplo, só agora é que as minhas primeiras vacinas contra a Campylobacter estão em seres humanos, demoraram 10,15, 20 anos, é vagaroso, a ciência para ser bem feita tem que ser com muita ponderação.”

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