Fotografia: Caixa para Guardar o Vazio @ Bruno Fernandes
Estivemos em contacto com a artista plástica Fernanda Fragateiro, que nos contou a sua história, “que se confunde com a pessoa”. No que se refere ao apoio por parte do estado, revela que todos nós temos responsabilidade nesse campo, a procura e investigação fazem parte do seu trabalho, que já se encontra um pouco por todo o mundo.
Jornal Comunidades Lusófonas: Como artista plástica, quando surgiu a sua carreira e como surgiu? Quer contar-nos um pouco da sua história?
Fernanda Fragateiro: Não vejo o meu trabalho como uma carreira: entendo-o como uma prática, que tem tido vários momentos, que começou muito cedo quando eu era estudante na Escola António Arroio e onde fiz os primeiros projetos em colaboração com outros estudantes e professores. A minha prática artística tem mais de 40 anos e absorve grande parte do meu tempo e da minha vida. Envolveu a rutura com a Escola de Belas Artes de Lisboa, foi marcada pela ausência de espaço para o trabalho de uma jovem mulher artista e revela também uma resiliência que me trouxe até aqui. Existe desde sempre um interesse em trabalhar uma relação entre escultura e arquitetura, um interesse no espaço urbano e o lugar público e uma decisão clara de trazer para o meu trabalho questões sociais e políticas. Vejo o meu trabalho como uma tarefa infinita, muito exigente e absorvente, mas que transporta uma energia muito positiva sempre em revolução.
JCL – Ser artista plástico não é fácil, especialmente em Portugal, pois os sucessivos governos negligenciam um pouco a cultura, como faz para ultrapassar esses desafios?
FF– Não acho que em Portugal sejam só os governos que negligenciam a cultura. Somos todos nós. Não podemos fazer uma separação entre nós e quem nos governa. Se existir pensamento crítico e exigência em cada um de nós, as políticas vão ter de surgir. Portugal é um país com recursos muito limitados, com poucos colecionadores de arte e com poucas instituições que promovam a produção e mostra do trabalho dos artistas. É essencial diversificar a nossa atividade e trabalhar com outros mercados. É importante colaborar, criar redes, não ficar sozinha.
JCL – Onde vai buscar a sua inspiração, na natureza, nas cidades por onde passa, em Portugal? Onde vai buscar a sua inspiração?
FF – Não sabemos de onde vem a inspiração. Ela existe antes da obra de arte e depois da obra de arte. Mas trabalhar ajuda. Pensar, pesquisar, querer ter um papel ativo na sociedade, querer participar na construção de um mundo melhor, desejar lutar pela igualdade e pela justiça e saber que um mundo melhor é possível é, talvez, a melhor fonte de inspiração. A Natureza, da qual sou e somos parte, é também uma grande fonte de aprendizagem. Mas também a História, com todas as brechas e ausências que transporta.
JCL – Qual é mensagem que pretende deixar como artista e pessoa?
FF – Não se pode separar a artista da pessoa. Ser artista é ter um compromisso com a liberdade. Um artista transforma o desejo de construir e de transformar em responsabilidade. Da mesma forma que um médico tem uma ética, o artista também a tem. Não existem artistas que pactuem com regimes totalitários, regimes não democráticos, ou que tenham como prioridade o lado comercial. Uma artista trabalha como cientista, tem um trabalho laboratorial, de experiência e de descoberta. O seu trabalho pode ser mais ou menos solitário, mas é feito para os outros. São os outros que ativam as obras pensadas pelos artistas.
JCL – Viaja com muita frequência, pode-se afirmar que é uma artista do mundo? Ou vai lá chegar?
FF – Os artistas estão sempre a viajar. O Fernando Pessoa é um exemplo da possibilidade de viajar sem sair do mesmo lugar.
O meu trabalho é representado por diversas galerias: Lisboa, Madrid, Bruxelas e Nova Iorque, viajo para esses lugares frequentemente. Este mês vou inaugurar uma exposição na Galeria Valerie Traan, em Antuérpia e uma exposição no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Em Junho abro uma exposição na Zet Gallery em Braga e em Julho na Kestnergallerie, em Hannover. Para além das exposições individuais existem ainda exposições coletivas, projetos de arte urbana, residências artísticas, conferências; aulas etc, que me levam a viajar frequentemente. Mas a maioria do tempo é passado em Lisboa no meu atelier.
JCL – Qual é o seu trabalho mais expressivo e o que teve mais sucesso e gosto em fazer?
FF – O meu trabalho é bastante multifacetado. Trabalho com diversos materiais e com diferentes escalas. Muitas vezes o meu trabalho cruza-se com outras áreas do pensamento, como a arquitetura; a arquitetura paisagista; a performance; ou a literatura, etc. Vou referir duas obras: o “Jardim Das Ondas”, construído em 1998 para a Expo 98 como um jardim efémero e que se tornou numa obra permanente, entre o Oceanário e o rio Tejo, no Parque das Nações, em Lisboa. Embora concebido como uma escultura, esta obra convoca as pessoas a usarem livremente. Outra obra de que gosto muito é a ” Caixa Para Guardar o Vazio”, criada em 2004 para o Teatro Viriato, em Viseu. É uma escultura performativa que atua como um espaço de aprendizagem para grupos de crianças em idade escolar. Esta escultura tem sido apresentada em vários espaços culturais, desde museus, a teatros, bibliotecas, festivais, etc. Ambos os projetos que referi foram usados por muitas pessoas com as quais estabeleceram uma forte relação de transformação das experiências com questões de espaço e de arquitetura.
Foto de destaque: Caixa para Guardar o Vazio @ Bruno Fernandes