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Terça-feira - 21 Janeiro 2025

EXCLUSIVO: Gilberto Fernandes: “As diásporas têm um impacto no mundo que passa às vezes por despercebido”

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Movimento Perpétuo” retrata 70 anos de imigração portuguesa no Canadá e de relações diplomáticas entre os dois países. O projeto lançado em 2023 pela embaixada portuguesa no Canadá foi realizado pelo historiador Gilberto Fernandes.

“Quando estava a tirar o meu curso de licenciatura em Lisboa sobre história moderna e contemporânea, só li um artigo sobre emigração. Praticamente não se falava de emigração ou da diáspora portuguesa. Mas o fenómeno de emigração em Portugal é um fenómeno social transversal e quase todas as famílias têm alguém que emigrou. Portanto a presença da emigração no país e a familiaridade com este fenómeno sempre existiu mas como tema de investigação não havia absolutamente nada” recorda Gilberto Fernandes. Anos depois, o historiador encontrar-se-ia com o presidente português e o primeiro-ministro canadiano para inaugurar uma exposição sobre a imigração portuguesa no Canadá e as relações diplomáticas entre os dois países.

Assim em Setembro de 2023, Marcelo Rebelo de Sousa e Justin Trudeau celebraram em Toronto os 70 anos de história que liga Portugal e o Canadá: um momento “surreal” para Gilberto Fernandes. “Nasci em Lisboa na zona de Loures e vim para o Canadá com 24 anos depois de acabar a minha licenciatura. Eu sou o que se pode chamar um emigrante romântico porque vim para me juntar com minha esposa que é luso-canadiana” conta.

Quando chegou ao Canadá em 2004, decidiu continuar os estudos na Universidade de Toronto e depois na Universidade de York onde é agora professor. Se no entanto já se falava de diáspora portuguesa em Toronto, as investigações eram poucas e refletiam estereótipos que a sociedade canadiana tinha sobre os portugueses.

“Quando comecei a ler as publicações sobre o tema, nomeadamente no que diz respeito à vida política e cívica dos imigrantes portugueses no Canadá, intuitivamente parecia-me estranho. Supostamente os portugueses eram apolíticos ou dóceis e a política deles era o trabalho. Eu lembro-me ter pensado: isto não é o Portugal e os portugueses que eu conheço” explica. Para ele, esta ideia parte da visão que os protestantes têm dos portugueses e sul-europeus como pessoas que fazem tudo o que lhe mandam. E foi a partir da sua intuição que Gilberto Fernandes começou a investigar sobre a diáspora portuguesa e à medida que foi investigando, foi-se apaixonando pelo tema.

Esses anos de trabalho acumularam-se e deram forma ao projeto “Movimento Perpétuo” composto de uma exposição e um site. Por exemplo, “The Portuguese Canadien History Project” criado em 2008 pelo historiador e três colegas foi usado para construir o site. “Apercebemo-nos que muitas pessoas tinham documentos em casa que reconstituíam a história da imigração portuguesa e que estavam em riscos de desaparecer porque as pessoas estavam a envelhecer ou havia organizações a fechar. E portanto o trabalho que fizemos chegou mesmo a um momento importante. Através deste projeto transferimos dez coleções de arquivos de diferentes organizações para os arquivos da Universidade de York. E posso dizer com alguma confiança de que é a maior coleção de fontes primárias relacionadas com os portugueses no Canadá e talvez a segunda maior na América do norte” relata.

Além desta base, Gilberto Fernandes também usou 70 pequenos documentários que tinha feito para o programa da RTP “A Hora dos Portugueses” no site. “Também pedi às pessoas que conheci através do meu trabalho para partilharem cinco artefactos que os permitissem falar da diáspora portuguesa. Foi a partir destes artefactos que fiz a curadoria das peças que foram para a exposição. Claro que algumas destas peças por falta de espaço não foram usadas na exposição mas foram digitalizadas em três dimensões para o site. E associado a cada artefacto fiz entrevistas às pessoas onde elas falam dos artefactos e contam as suas memórias” acrescenta. No final, uma grande parte do conteúdo vêm de matérias que recolheu ao longo dos anos ao qual ele juntou uma investigação especialmente para o projeto e uma cronologia interativa com mais de 300 entradas.

“Para além de ser historiador académico, também sou historiador público. Ou seja, tento quebrar os muros que existem entre o mundo académico e o resto do mundo e criar ligações entre estes mundos através vários trabalhos como exposições, artigos, livros, documentários, etc. E então com o projeto “Movimento Perpétuo” fiz isso mesmo. É uma democratização da história não só no seu acesso mas também na própria construção” explica Gilberto Fernandes. Uma visão e ética que foi apreciada não só pela embaixada que lhe lançou o desafio mas também pelo público que visitou a exposição ou o site.

Segundo o historiador, “as diásporas têm um impacto no mundo que passa as vezes por despercebido. No geral, a sociedade portuguesa não têm bem noção do que é a diáspora”. Ele próprio não fazia ideia da riqueza da história dos portugueses no Canadá antes de começar as suas investigações. Por exemplo, o Agostinho Neto, líder do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) estava no Canadá no dia 25 de Abril e proferiu a sua primeira declaração para felicitar o MFA (Movimento das Forças Armadas) e expor os termos para a trégua em Angola. Estas condições foram enviadas por emigrantes de Montreal que faziam parte de uma organização antifascista a Lisboa. O Mário Soares também esteve no Canadá em Setembro e, no mesmo mês, o Salgueiro Maia veio com uma delegação para perceber as preocupações dos portugueses no estrangeiro.

“Só nesse primeiro ano, imensas figuras de relevo portuguesas decidiram vir ao Canadá, especialmente quando eram bastante requisitadas. Ou seja, o que acontece na diáspora influencia o que acontece em Portugal e vice-versa. E os portugueses em Portugal não percebem a que ponto a diáspora pesa sobre si” acrescenta ele.

Mas ele acredita que há cada vez mais interesse da comunidade portuguesa em saber quem são os emigrantes. E através do nome do projeto, Gilberto Fernandes também oferece uma chave para compreender a diáspora. “Enquanto diáspora, uma das coisas que a identifica é a constante inconstância, a permanente impermanência, o estar aqui mas estar lá.

Ou seja, a constante mobilidade mesmo se não seja física pelo pensamento de participar em dois países porque somos coisas múltiplas, temos varias identidades que em certos contextos têm mais ou menos importância. Por exemplo, se há umas cheias em Portugal, membros da diáspora unem-se para fazer campanhas humanitárias” esclarece. “Movimento Perpétuo” também fazer referência à canção do Carlos Paredes e à identidade portuguesa em geral. Por exemplo, a ideia da saudade (ligada à identidade portuguesa) pressupõe a presença da ausência, segundo o historiador. “É como uma pegada na areia que está lá mas celebra a ausência de quem fez a pegada” descreve.

No site, a imagem das ondas também reflete o nome do projeto. “Fala-se de ondas de imigração e a praia também é o sítio de partida e de chegada dos emigrantes. Acho que está muito intimamente ligado à história e cultura portuguesa e à emigração em geral” explica Gilberto Fernandes antes de acrescentar em tom de brincadeira: “já agora, as cores do site (amarelo e preto) é o meu pastel de nata!”

Se a exposição já está arrumada, o site continua aberto para todos. O historiador está a trabalhar num portal dedicado aos estudos da diáspora portuguesa vocacionado à academia “mas sempre com conteúdos que venham a ser do interesse de um público generalizado” explica. Relacionado a este portal, ele também está a trabalhar num podcast para falar com outros investigadores sobre os trabalhos que estão a desenvolver.

Andreia Saraiva / Correspondente em Toronto (Canadá)
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