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Domingo - 16 Fevereiro 2025

Guetos e habitação

Destaques

A história sempre nos ensinou: há que dividir para reinar. Tribos, etnias, grupos sociais, entre outros nomes, tiveram sempre em disputa. Essa disputa foi alvo de guerras, conspirações entre nobreza e clero, ideologias políticas e de identidade social, de raça, género. Se existe algo que devíamos aprender com a diferença, é que ela não é assim tão grande face à quase idêntica natureza que partilhamos entre todos. Um bom individualista deve, para lá de reconhecer a sua criatividade única, reconhecer que os outros indivíduos são como ele, praticamente iguais e igualmente responsáveis. Afinal a espécie é só uma e os desejos e pecados são partilhados entre todos, inclusive tu que lês (pressupondo que não és um psicopata).

Sempre houve uma espécie de histeria coletiva por ser especial, eleito, e que haveria um povo escolhido, moral, política e espiritualmente superior, o qual estaria escolhido pela Providência. Tal pensamento, na cultura na qual vivemos devia ter sido extirpado desde há muito, quando um dos pensadores ou profetas pais da cristandade cultural – apóstolo Paulo na Carta aos Gálatas – que nos embebe referiu que os gentios, isto é, os estrangeiros, tinham sido também abençoados com a mesma fé de Abraão. Isto mais do que religioso, inclusive para mim que o interpreto política e secularmente, devia ser um mote para não estabelecermos fronteiras entre indivíduos, mas antes por escolhas. Não interessa de onde se vem, se o indivíduo tiver em si a capacidade crítica para transcender as suas crenças identitárias e usá-la para expressar a liberdade das ideias. Mais que a cultura de origem deve-se antes exigir uma cultura de liberdade e responsabilidade e tal só é possível se cada pessoa for expostas a diferentes realidades e tribos, acabando com a política de guetos.

Cabe ao Estado uma política de bairros sociais, no sentido de integrar desfavorecidos, refugiados, etnias, etc. No entanto, essa política perde-se no seu ponto mais básico – um bairro não cria inclusão, antes permite segregação e instituição de guetos, onde o desfavorecimento cria a tentação para os mais jovens abraçarem uma cultura tribal de ressentimento, de negligência da escola e o convite à criminalidade dos que querem fazer desses jovens um nicho para o recrutamento para o tráfico e o terrorismo. Deviam antes os Estados apostarem em políticas de habituação que favorecessem o arrendamento deslocalizado, quiçá com parcerias com o privado a modos de garantir pelo menos por rua, a possibilidade de casa a um preço pagável a troco de um desagravamento dos pesados impostos inerentes à construção. Conseguir um pacto com o mercado de habituação a fim de reduzir preços para os seus destinatários pode ser o primeiro passo para destruir guetos e apartheids, e um caminho para algo que um liberal deve defender acima de tudo – o Estado existe não para defender a legitimidade original do cidadão, mas antes para lhe dar a ele a oportunidade de escolha, isto é, de o indivíduo, ele mesmo, criar o seu elevador social.

Autor: Pedro Miguel Santos

Pedro Miguel Santos
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