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Quarta-feira - 15 Janeiro 2025

História como Aprendizagem e não como Ego

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Todos nós temos uma tendência natural para formarmos grupos, para criarmos uma unidade e uma massa sob a qual nos vamos reunir tal qual um rebanho. Com a queda da influência do catolicismo na sociedade a partir do século XVIII, a política ocupou este lugar de cimento social e a ideia das pessoas unirem-se pela nação e não apenas pela sua família, aldeia e província foi ganhando força. Assim nasceu o nacionalismo.

Quando uma vez estava a ler António Damásio, ele, na sua explanação de “O Sentimento de Si”, fez uma diferenciação importante entre os animais com cérebro desenvolvido, em que a diferença, de o Homem para os outros animais mais próximos, reside pois, no facto, de nós apresentarmos um Eu autobiográfico e não apenas um Eu perceptual e que sente. Ou seja, temos a capacidade de criar e guardar História, e essa história, e o orgulho por ela, pode ser uma das forças motrizes que levou à instituição do nacionalismo.

O nacionalismo é portanto algo natural, mas isso fará dele algo bom? Pois bem, depende.

Identificarmo-nos com as nossas raízes, a nossa cultura e a nossa História é importante dado que, a partir dos seus factos mas também dos seus mitos, podemos encontrar uma certa empatia com os nossos antepassados pois muito do que procuramos é o mesmo, não obstante as circunstâncias. A existência humana tal como definiu Kierkegaard (filósofo e sacerdote do século XIX) está condicionada à constante mudança – e à ansiedade que ela provoca – e, como tal, termos uma base de preceitos passada pelo tempo pode ser importante para termos um guia para uma vida incerta. Por conseguinte, mesmo tantos séculos volvidos, ainda em parte, culturalmente falando, somos todos nós gregos neste velho Continente, inclusive a nossa própria diáspora. Quero crer que, tais razões, constituem também uma base para a existência, além do tal Eu autobiográfico, de um Eu ou Homem Histórico. Mas uma coisa é aprendermos o nosso lugar no tempo, como chegámos aqui e valorizarmos os símbolos e os legados, outra totalmente diferente é querermos fazer dessas heranças nosso mérito, como se os louros ou responsabilidades fossem trespassadas geração após geração.

 É com preocupação que vejo hoje muitos portugueses a falar de um tempo de outrora, supostamente mais solarengo, em que Portugal era grande, em que Portugal era uma potência técnica e militar, de uma era onde o português era como o inglês atual, uma língua necessária, até para falar no Japão entre os comerciantes europeus e japoneses. Parece nesse discurso, que teríamos de viver antes numa época na qual não vivemos e que tão pouco não conhecemos. E esquecemos que muitas vezes o relato histórico que nos chega não é mais que uma manta de retalhos de glamour. Tal como hoje, Portugal pecou e não foi por falta de oportunidades, mas de visão. Os Descobrimentos ou Expansão só foram bons para a Coroa, não para Portugal, o do português profundo. Não foi em Portugal que ocorreu a revolução industrial, não foi em Portugal que surgiram novos grupos sociais, Portugal está há muito sempre na perseguição, e não a tatear um caminho próprio. Portanto, qual o grande problema do nacionalismo? Ao apontar e enfocar o passado, essa ideia pode tornar-nos orgulhosos e pouco humildes, bastante confortáveis num passado que já não existe e poucos ativos num presente que está a ser construído. Não fui eu, nem tu, que assinámos o Tratado de Zamora, ou que lutámos em Aljubarrota, ou que tão pouco descobrimos o caminho marítimo para a Índia. Também não fomos nós que atribuímos uma escala mundial ao esclavagismo já existente em África, entre as suas tribos e reinos, ou que não desenvolvemos Portugal quando houve capacidade para isso.

 A nós não pode ser atribuída nem glória nem responsabilidade histórica pois cada indivíduo é apenas um ser lançado no mundo e no seu absurdo.

Portanto, como na filosofia de Camus (escritor e filósofo franco-argelino do séc. XX, importa antes aceitar a nossa realidade e fazer dela o melhor possível, mesmo que isso implique o empurrar eterno da pedra para o cimo do monte, não obstante o seu eterno deslizar de volta ao sopé, como se de um Sísifo* modernos nos tratássemos.

 Não escrevo para não lermos História ou Religião, não escrevo para não irmos a museus ou monumentos, não escrevo para não preservarmos as nossas estátuas e não, tão pouco, escrevo para não aplaudirmos os nossos conterrâneos quando conseguem feitos técnicos, artísticos e de liderança, em Portugal e lá fora, e inclusivamente quando nos regozijamos com os atletas portugueses e suas modalidades. Escrevo antes contra um discurso cujo único objetivo é enaltecer o ego, como se fizéssemos parte de uma linha genética de heróis, quando na verdade não escolhemos onde nascemos.

 Assim sendo, rejeito os discurso atuais (mas não de hoje) de rebanho em torno de uma nação histórica (nacionalismo) ou de política idealizada (comunismo e reescrita histórica) que em nada se afastam de ideias de sociedades guerreiras e laicas como o Irão ou de Estado sem Direito como uma Rússia. Chega de usarmos os símbolos históricos como um bastião de superioridade moral, intelectual e histórica para escondermos o nosso ressentimento. Eis que temos a responsabilidade de ser criadores e não apenas seguidores inflexíveis ou utópicos.

 Enfim, é época de sermos autores da nossa narrativa, escrevendo a nossa biografia e aprendendo com a História, pois a responsabilidade pela Visão e pelo Hoje somos Nós, seja na anonimidade, seja em público, não pelo coletivo ou nação, mas pela liberdade de cada um, em usar esse conhecimento.

*Sísifio era uma personagem da mitologia grega que várias vezes enganou os deuses a fim de escapar à morte e, que em virtude disso, foi castigado a rolar para a eternidade uma pedra para o cimo de uma colina, a qual retornava a rolar encosta abaixo. Esse conto surgiu de mote a uma reflexão sobre o absurdo da vida e em vivê-la em liberdade, apesar das circunstâncias, encerrada no livro “O mito de Sísifo” de Albert Camus.

Autor: Pedro Miguel Santos

Pedro Miguel Santos
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