Foto da visita de John Dos Passos à Ponta do Sol em 20 de julho de 1960 (ele está ao centro). Esta foto é do acervo do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s (MFM-AV) e está no Arquivo e Biblioteca da Madeira (Direção Regional do Arquivo e Biblioteca da Madeira (DRABM)), ambas na tutela da Secretaria Regional de Turismo e Cultura (SRTC), Governo Regional da Madeira.
EXCLUSIVO
John Dos Passos é neto de um emigrante da Madeira e ficou conhecido pela sua sua “trilogia” U.S.A. Em entrevista ao Jornal Comunidades Lusófonas, o Coordenador Bernardo de Vasconcelos, referiu a obra deste homem, que fez de tudo um pouco ao longo da sua vida. Andou em Harvard em 1916, e também foi voluntário durante a Primeira Guerra Mundial, como condutor de ambulâncias. Foi correspondente de guerra “nos anos pós-guerra”. Escreveu vários livros, de destacar o seu romance “Manhattan Transfer de 1932”, entre outros.
Nascido a 14 de janeiro de 1896 em Chicago, Illinois, nos Estados Unidos, neto de um emigrante madeirense com origens na Ponta do Sol, John Dos Passos ficou conhecido, sobretudo, pela sua trilogia U.S.A., que lhe angariou a reputação de historiador social e de crítico radical do modo de vida americano, pese embora o valor indubitável do conjunto da sua obra.
Licenciou-se em Harvard em 1916 e fez o percurso de muitos dos escritores da sua geração, tendo sido voluntário na Europa durante a Primeira Guerra Mundial como condutor de ambulância para cumprir serviço em França em Norton-Harjes. As suas frequentes viagens à Europa, nomeadamente Espanha, e a outros países enquanto correspondente nos anos pós-guerra, permitiram-lhe um sentido histórico alargado e aguçaram a sua perceção social, levando, ainda e nessa fase da sua vida, à confirmação das suas simpatias com um veio mais radical.
O seu romance Manhattan Transfer (1925) confirma a sua técnica narrativa modernista, que se torna ainda mais pronunciada na mescla de técnicas narrativas da trilogia U.S.A, composta por The 42nd Parallel (1930), 1919 (1932) e The Big Money (1936), obras que percorrem as três primeiras décadas do século XX e onde Dos Passos oferece um retrato dos Estados Unidos da América como um país dividido, como “duas nações” – a dos ricos e privilegiados e a dos pobres e impotentes.
Centro Cultural Jonh Dos Passos
Dos Passos escreveu e publicou inúmeros outros títulos. Ao todo, a sua vida dedicada quase em exclusivo à escrita, resultou em 48 obras publicadas em seu nome entre 1920 e 2007, 41 até à data da sua morte, a última das quais The Portugal Story: Three Centuries Of Exploration And Discovery, e 7 a título póstumo.
Em 1957, recebeu a Medalha de Ouro na categoria de Ficção na cerimónia anual conjunta da Academia Americana e do Instituto Nacional das Artes e das Letras.
Faleceu aos 74 anos, a 28 de setembro de 1970, em Baltimore, Maryland.
Feitos pela comunidade portuguesa à sua época
Apesar de neto de um emigrante madeirense, John Dos Passos teve uma educação e contexto de vida eminentemente americano e, pese embora a sua ligação à Madeira através do seu pai, consolidada depois por si, Dos Passos nunca viveu de modo próximo com comunidades portuguesas, pese embora o enfoque na temática das migrações na sua obra, tendo ele também sido migrante em grande medida durante os seus tenros anos.
Com amigos portugueses em Portugal, sobretudo depois da sua visita de 1960 e estada no continente em 1967 para fazer investigação, e também no Brasil (que visitou três vezes e onde também tinha familiares), o contacto mais estreito e duradouro com elementos da comunidade portuguesa foi talvez aquele que manteve com a comunidade piscatória de Provincetown, Cape Cod, durante os muitos verões que lá passou nas décadas de 30 e 40, em especial com o pescador Atkins Mayo Jr. (cuja mãe era do Faial, Açores), e com quem manteve uma amizade duradoura, partilhando a ascendência portuguesa e interesses nas áreas da política, escrita e pesca.
Relação com a Madeira
John Dos Passos iniciou o contacto com a ilha que viu o seu avô nascer em 1905, acompanhado pelo pai e ainda criança. Tinha, na altura, nove anos de idade e veio convalescer de uma cirurgia, ficando na ilha durante uma semana. Esta visita deixou uma marca indelével no então rapaz, marca essa que o acompanhou por toda a vida. Recordava sempre os sons, os cheiros e as vistas dessa visita à Madeira, celebrada no ensaio ‘Madeira’ que produziu para uma cadeira enquanto aluno em Harvard.
Visitou a Madeira novamente em 1921, desta feita por algumas horas quando em escala na passagem de New Bedford para Lisboa e na companhia de E. E. Cummings, um outro escritor da sua geração.
Mas é em 1960 que, com a esposa, Elizabeth Hamlin Dos Passos e a filha Lucy, visita a ilha da Madeira pela última vez, tendo com ela um contacto mais próximo e consciente. Hospedam-se no Reid’s Hotel e, para além de passeios pela ilha, visitam a Ponta do Sol, onde são recebidos por parentes e pela edilidade, sendo Dos Passos homenageado nos Passos do Concelho.
Homem do conhecimento, gostava muito de aprender, tinha muitas qualificações, qual delas se destacou mais…
Dos Passos era um apaixonado pela escrita e foi nela que se destacou. Foi correspondente de guerra, mas foi, naturalmente, enquanto modernista que deixou marca com os seus romances, os seus ‘Contemporary Chronicles’, como apelidou a sua ficção.
Para além da prosa, experimentou e publicou outros géneros. Ao nível do texto dramático, publicou, em 1934, Three Plays, que, tal como o nome indica, contém três peças – The Garbage Man, Airways, Inc. e Fortune Heights (duas delas já publicadas isoladamente antes).
Adaptou, igualmente, com Paul Shyre, o seu U.S.A., que resultou no texto dramático USA: A Dramatic Revue (1959), que se estreou em palco pela primeira vez no Martinique Theatre, na cidade de Nova Iorque, a 28 de outubro de 1959, e teve mais 256 sessões.
Publicou um volume de poesia, A Pushcart at the Curb (1922), embora tivesse, em início de carreira, já participado com poemas no volume coletivo.
Foi ainda responsável pelo guião para o filme The Devil is a Woman (1935), de Josef von Sternberg, com Marlene Dietrich no papel principal, adaptação do romance de Pierre Louÿs de 1898, La Femme et le Pantin.
Foi também pintor, tendo levado a efeito exposições e ilustrado as capas de algumas das primeiras edições das suas obras.
Era igualmente um apaixonado pela natureza e atividades ao ar livre. Fazia caminhadas, nadava e pescava por onde quer que andasse e que o permitisse e, na sua quinta em Spence’s Point, Viginia, não abdicava da jardinagem.
O Centro Cultural de John dos Passos (…) o que se pode encontrar no Centro Cultural
O Centro Cultural John Dos Passos na Ponta do Sol foi inaugurado a 20 de setembro de 2004, também com a presença da filha e neta do escritor, e é constituído por um imóvel da primeira metade do século XIX, a Villa Passos, adquirido pelo Governo Regional da Madeira em 1996 e reabilitado. Dessas obras, resultou o atual Centro Cultural, com dois núcleos museológicos e vários espaços de múltiplas valências, incluindo um auditório, estando, em alguns deles, sediadas associações culturais e outras entidades do Concelho.
Ao longo de todo o ano, o Centro Cultural promove e acolhe atividades diversas ligadas à música, dança, teatro e cinema, seminários e conferências (individualmente ou em parceria com outras entidades públicas e/ou privadas) e, ainda, exposições de pintura e de fotografia e também visitas guiadas à casa mãe. Em parceria com a Startup Madeira, alberga também nas suas instalações, desde janeiro de 2021, o projeto Digital Nomads Madeira.
Na casa mãe, para além da Biblioteca Dra. Carmo da Cunha Santos, onde se fomentam atividades de Serviço Educativo, o Centro conta com a Sala de Reservados que concentra o espólio monográfico mais importante do Centro Cultural, doado na sua quase totalidade pela impulsionadora deste, a Dra. Carmo da Cunha Santos, mas também pela família Dos Passos Coggin. Este acervo é composto por cerca de 400 títulos, entre eles todas as obras de John Dos Passos e outras que a elas fazem referência. Aqui é possível encontrar títulos de John Dos Passos traduzidos em 18 línguas, entre elas o português, inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, húngaro, polaco, russo, servo-croata, finlandês, japonês, esloveno, sueco, romeno, grego, dinamarquês e holandês. A Sala de Reservados é de acesso restrito e de consulta presencial.
Dos Passos foi um verdadeiro cidadão do mundo, um homem viajado que visitou trinta e seis países diferentes e atravessou o Atlântico por mar e ar quarenta vezes. Observador atento do outro, foi um verdadeiro humanista que sempre prezou a liberdade individual acima de tudo, rejeitando qualquer limitação dessa liberdade fosse de que quadrante fosse, ideológico ou económico.
O Centro Cultural é muito visitado (…)
Sediado no concelho da Ponta do Sol, o Centro Cultural John Dos Passos assume-se como um hub cultural na zona oeste da Madeira, servindo não só os concelhos vizinhos da Ribeira Brava e Calheta, como toda a ilha da Madeira. Em 2022, e em franca recuperação após o período pandémico, “tivemos quase 22 mil entradas no auditório (teatro, música, cinema, conferências e exposições) e na casa mãe, entre ações do Serviço Educativo e visitantes, locais e do restante espaço nacional, bem como de estrangeiros, cerca de mil entradas. Esta forte afluência mantem-se no corrente ano.”