Unicef/Vlad Sokhin – Uma menina da comunidade Iñupiat está num bloco de gelo na costa do Oceano Ártico em Barrow, Alasca, nos Estados Unidos
Com o rápido aquecimento do Ártico, bactérias e vírus congelados há séculos podem ressurgir; região abrange 14 milhões de quilómetros quadrados em oito países; casos recentes de infeção por antraz na Sibéria e perspetivas de aumento de transporte e mineração reforçam alerta sobre contaminação de seres humanos.
No verão excepcionalmente quente de 2016, uma bactéria que causa o antraz matou mais de 2,5 mil renas na remota Península de Yamal, na Sibéria, de acordo com um estudo científico.
Normalmente preso numa camada de terra permanentemente congelada, chamada de pergelissolo, o patógeno outrora adormecido acabou por se espalhar aos humanos. Um menino de 12 anos morreu e dezenas de pessoas adoeceram.
Bactérias e vírus presos no gelo há séculos
Alguns pesquisadores acreditam que este exemplo é um sinal do que está por vir. À medida que a mudança climática aquece rapidamente o Ártico, os cientistas alertam que isso pode libertar uma onda de micróbios potencialmente mortais, que estão há séculos presos no gelo.
A cientista-chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, Andrea Hinwood, afirma que “há razões para se preocupar”, ressaltando que é difícil dizer o quão difundido ou perigoso esse problema pode ser.
O Ártico, que se estende por 14 milhões de quilómetros quadrados em oito países, é coberto por uma camada espessa de pergelissolo, composta por uma mistura congelada de solo, rochas, gelo e material orgânico.
No entanto, a região está aquecer quatro vezes mais rápido do que o resto do globo, aumentando o risco de que o derreter do gelo liberte bactérias e vírus antigos.
Quatro sextilhões de micróbios libertados anualmente
De acordo com um estudo publicado na revista “Environmental Sustainability”, estima-se que quatro sextilhões de micróbios, ou seja, quatro seguido por 21 zeros, são libertados anualmente devido ao degelo do pergelissolo.
Alguns investigadores estão especialmente preocupados com o degelo de animais do Ártico mortos há muito tempo, cujos corpos podem abrigar micróbios adormecidos. O surto de 2016 na Sibéria foi atribuído a um cemitério de renas, onde havia muitos animais que morreram há mais de 70 anos de antraz.
Hinwood explica que o que está acontecer no Ártico ocorre em climas mais quentes há séculos, com patógenos pulando entre pessoas e animais, muitas vezes com resultados mortais.
Ela ressaltou que “este não é um fenómeno novo, mas está acontecendo em um novo lugar.”
Perigos do aumento de transporte e mineração no Ártico
À medida que o aquecimento abre o Ártico para o transporte marítimo, a mineração e outras indústrias, Hinwood alerta que isso pode colocar mais pessoas próximas ao pergelissolo descongelado e os seus micróbios.
A especialista afirmou que “uma mudança completa” no uso da terra no Ártico está em curso e que isso pode ser “perigoso”.
Mas a propagação de doenças não é o único problema relacionado ao degelo do Ártico. O pergelissolo do mundo contém cerca de 1,5 mil gigatoneladas de carbono, cerca de duas vezes mais que a quantidade atualmente presente na atmosfera.
Com o derretimento dessa camada, o carbono é decomposto e libertado na atmosfera como dióxido de carbono ou metano.
Esses gases de efeito estufa aquecem ainda mais o planeta, derretendo mais pergelissolo em um ciclo potencialmente catastrófico.
Mapeamento dos microorganismos
Para evitar mudanças climáticas descontroladas e surtos de doenças, a cientista-chefe do Pnuma diz que o mundo deve controlar os gases de efeito estufa que impulsionam o aquecimento global.
Ela defende ainda que os países continuem monitorando o recuo do pergelissolo e invistam no mapeamento dos tipos de micróbios que residem lá.
Para Hinwood há muita incerteza e o melhor que pode ser feito é usar as ferramentas e a ciência para gerar informações.
A ameaça dos micróbios congelados é uma das muitas citadas no relatório “Navigating New Horizons”, produzido pelo Pnuma em parceria com o Conselho Internacional de Ciência. O documento explora os desafios emergentes para a saúde planetária e o bem-estar humano.