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Terça-feira - 13 Maio 2025

Narciso

Destaques
Narciso – a história do jovem que se apaixona pela sua própria imagem e que, enlouquecido, morre afogado no lago cujo reflexo ele nunca poderá alcançar –  Porquê esse mito hoje? Mais do que se referir a orgulho, esta história fala-nos de obsessão, a loucura pela imagem, que hoje vivenciamos, e que o marketing troveja e que ela, sim, é a principal responsável pelo aumento dos casos de depressão, ou como eu gosto de chamar, da morte da alma.
Quando o mundo do trabalho está cheio de ditos de que podemos ser o que quisermos, ter o nosso próprio negócio, e criar a nossa própria marca, ou que, como diria Steve Jobs “Have the courage to follow your heart and intuition”, na verdade esse marketing laboral apenas está a inchar o ego – aquele caprichoso ser que nos anima a consumir e a produzir, fazendo de nós animais, que em vez de se degladiarem por comida ou por sexo, se degladiam na criação de narrativas e auto-imagens narcísicas de sucesso e de compra de felicidade. Se não tens narrativa ou ‘tesão’ por vencer não és ninguém. E se por um lado, quem abraça esse discurso de que tudo vai correr bem e de que se é um Alexandre, o Grande, em potência, por outro temos aquele que treme face a essa responsabilidade e medo de não ter vigor, nem inteligência, nem dinheiro, nem coragem para lá chegar. Indubitavelmente, cairão os dois, o primeiro porque se deparará com a terceira lei de Newton, na qual o seu coração e intuição esbarrará em grande velocidade e força com os fatores que não controla; e o segundo, porque face à exigência deste marketing que, mais faz lembrar “O Admirável Mundo Novo” de Huxley, sucumbirá ao medo e ao rancor que tentará disfarçar com um pouco de ‘soma’ – a droga com a qual, na obra que citei, as pessoas anestesiavam o seu mau-estar, pois ser infeliz era considerado errado.
Quero, portanto, notar que ser feliz é errado ou que procurar ter resultados é mau? Não de todo! Antes quero afirmar que toda a decisão que tomamos deve ser feita, não pelos resultados, autoimagem, publicidade ou moral, mas simplesmente porque nos aparece para ser feito. Isto é, o certo não é uma simples narrativa ou fantasia, mas aquilo que deve ser feito para fazer face à situação real perante a qual estamos defronte. Se num artigo anterior escrevi que existe falta de convicção na sociedade ocidental, agora também escrevo que falta igualmente um certo pragmatismo com pitadas de humildade. Narciso não morreu porque foi orgulhoso. Narciso morreu porque confiou em demasia na sua imagem, no seu espelho de superioridade, e simplesmente não olhou para o lago, este sim, verdadeiro, diante do qual estava. Narciso foi sobretudo descuidado, e à conta disso desapareceu.
Não seremos nós, europeus também narcisos e, por conseguinte, igualmente narcisística a Europa que estamos a construir?
Eu acredito que sim. A Europa ainda está muito presa à crença de que é necessária e que, portanto, será sempre central no eixo Estados Unidos – China. No entanto, o mundo atual mostra que não. Pois os Estados Unidos já perceberam que não podem ser a bengala da Europa e a China, enquanto estávamos a admirar a nossa imagem, já é detentora da maior parte dos portos da América Latina, isto em pouco mais de uma década, e já há muito tem sido a grande máquina de infraestruturas em África. O polo América – Ásia parece aos poucos contar cada vez menos com a participação europeia, que tal como escrevi outrora, parece mais burocrática do que efetiva.
As pessoas tal como a Europa podem chorar pela descoberta da sua irrelevância, no entanto, isso não pode justificar a inoperância quer das primeiras, quer da segunda. Acho que mais do que lutar por vencer, se deve simplesmente lutar e se ocorrer perder, que o seja, sem grande alvoroço. Em vez de marketing de poder, sugiro que tenhamos um certo caganismo, isto é, se é possível fazer algo, façamos já, se não, porque não temos controlo sobre o que acontece, devemos simplesmente deixar cair, e centrarmo-nos, em ter algum papel na História, mesmo que não seja o mais importante, porque na escrita dos acontecimentos, tal qual como na escrita de um texto, todas as palavras contam.
No que concerne ao indivíduo e à estrutura política local (partidária ou não) prometo pontuar acerca, na reflexão da próxima semana. Até lá sejam caganistas e como Diogénes rematou uma vez lembrem-se de que, é concedido aos deuses o privilégio de nada querer, ou puxando a brasa à minha sardinha, o foco existe não tanto em se ser protagonista do mundo, mas em, no mundo, se ser dono do seu próprio querer.

Autor: Pedro Miguel Santos

Pedro Miguel Santos
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