No menu items!
8 C
Vila Nova de Gaia
Quarta-feira - 13 Novembro 2024

Nós temos guerras, violência e tendências autocráticas demais

Destaques


ONU News – Volker Turk diz estar muito preocupado com a erosão do direito internacional


Entrevista da ONU News com o Alto Comissário de Direitos Humanos, Volker Turk. Em Nova Iorque, ele pede que autoridades olhem para a estrutura de direitos humanos como uma inspiração para lidar com as desigualdades.

UN News: A situação dos direitos humanos está a deteriorar-se à volta do mundo. Quais são, na sua opinião, as principais causas dessa tendência alarmante?

Volker Turk: Muitas vezes ouvimos que os direitos humanos estão em crise, mas é muito importante deixar bem claro que não são os direitos humanos que estão em crise, mas sim a sua implementação, e é a liderança política necessária para garantir que essa implementação realmente aconteça.

ONU News – Alto comissário declarou que direitos humanos consistem em aplicar a lei e ser igual na aplicação

Temos guerras demais, violência demais, tendências autocráticas demais, e nós precisamos exatamente do oposto disso.

Temos muitas guerras, temos muita violência, temos muitas tendências autocráticas ao redor do mundo. E temos uma repressão ao espaço cívico, o que é, no mundo de hoje, realmente muito estranho porque precisaríamos exatamente do oposto.

ONU News: Então, quão eficazes, na sua opinião, os atuais mecanismos internacionais de direitos humanos? Mencionou que esses instrumentos ajudaram a prevenir guerras e atrocidades no passado. Mas há algo importante que poderia ser feito para acompanhar o mundo em mudança?

Volker Turk: É muito importante que esses mecanismos de direitos humanos sejam usados. O Conselho de Direitos Humanos, meu Gabinete, os relatores especiais [especialistas independentes nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos] e os Órgãos de Tratados, porque eles colocam os holofotes em questões de direitos humanos, tanto em conflitos quanto fora deles, e garantem que ninguém escape do escrutínio.

E isso é realmente fundamental em todo o nosso trabalho, porque se as pessoas escapam do escrutínio, temos um problema.

ONU News: Passando para situações de crise à volta do mundo: Médio Oriente. Vamos começar com essa evidência de supostas violações dos direitos humanos e do direito internacional. O que mais o preocupa nessa situação e que impacto isso pode ter no futuro?
© Ohchr/Pierre Albouy – Turk destacou seu dever exercer publicamente para garantir que o mundo saiba que temos uma preocupação com direitos humanos

Volker Turk: Uma coisa que realmente me preocupa muito é que parece que todos caem no extremismo e na ilógica da escalada. Não se fala mais sobre como fazer a paz. O que vemos é escalada após escalada, após escalada, como se a violência fosse a resposta, como se uma solução militar fosse a resposta. Não, é exatamente o oposto.

É preciso haver um cessar-fogo, libertação incondicional de reféns. É preciso haver um fim para esse ciclo violento constante que vemos. E é preciso haver negociação de um processo de paz que, em última análise, leve a uma solução de dois Estados, onde israelitas e palestinos possam viver lado a lado em paz.

É preciso pôr fim a este ciclo constante de violência que vemos.

ONU News: Acha que os eventos atuais podem ter impacto no futuro dos direitos humanos?
Ohchr/Anthony Headley – Volker Türk esteve em Bucha, na Ucrânia, durante o conflito

Volker Turk: Temo que a maneira como o direito internacional, a aplicação da lei e o direito humanitário são atualmente pisoteados seja uma grande preocupação, porque o mundo está a observar. Alguns podem tirar vantagem, dizendo que se isso acontece nesta parte do mundo, também pode acontecer em outros lugares.

Então, estou muito preocupado com a erosão do direito internacional no que diz respeito às regras fundamentais que devem orientar as nossas interações, que também devem orientar a guerra e que devem orientar como interagimos com as instituições do Estado.

ONU News: Na Ucrânia, há pelo menos duas missões atualmente, elas registam violações em andamento. São, claro, as missões de monitorização do seu Escritório e, em seguida, a Comissão Internacional Independente de Inquérito. Quão importante é esse trabalho na sua opinião? E quão difícil é reunir informações verdadeiras nesta situação atual?

Volker Turk: Os mecanismos de direitos humanos, tanto o que meu Gabinete faz quanto o que a Comissão Internacional Independente de Inquérito faz, são baseados numa metodologia muito rigorosa. É preciso haver uma verificação de cada fato, e é por isso que às vezes verá que os nossos números ficam atrás dos números reais, porque temos que verificar cada incidente quando fazemos o registo de vítimas, por exemplo, ou quando olhamos para a infraestrutura civil que é danificada.

ONU Direitos Humanos – Volker Turk em primeira visita ao Iraque como alto comissário da ONU para os Direitos Humanos

Então, os nossos relatórios sempre demoram um pouco para serem escritos porque precisamos fazer um trabalho muito rigoroso para poder estabelecer os fatos, aplicar a lei e garantir que as histórias individuais não sejam esquecidas no ambiente atual e muito desumanizador que vemos, que infelizmente acontece na guerra.

Os direitos humanos consistem em aplicar a lei e ser igual na aplicação.

ONU News: Algumas pessoas, especialmente na Ucrânia e em outras partes do mundo, dizem ‘aqui está outro relatório e ele pede que você não tome uma medida, tome uma atitude para parar a tortura’, coisas assim. Realmente uma violação grave dos direitos humanos. Mas nada muda. O que diria sobre isso?

Volker Turk: Para mim, direitos humanos são sobre fatos, estabelecer os fatos. É sobre aplicar a lei e ser igual na aplicação. Porque a lei é a lei de direitos humanos. É a lei de monitorização internacional. Então, é uma medida a partir da qual analisamos os fatos e então chegamos a conclusões. Mas também é sobre compaixão.

Ohchr/Anthony Headley – Volker Türk esteve em Bucha, na Ucrânia, durante o conflito

Precisamos trazer à tona a dor e o sofrimento das pessoas para que elas entendam que a guerra é absolutamente horrível. Ela significa morte, destruição e toxicidade que precisamos absolutamente prevenir em primeiro lugar. Precisamos evitar e precisamos encontrar uma maneira de sair disso. É disso que se trata.

ONU News: No Sudão a violência sexual em larga escala é descrita como uma das características desta crise. Qual é o papel da ONU na prevenção da impunidade neste contexto?

Volker Turk: O meu Gabinete, mas também o meu Perito Designado e a Missão Internacional Independente de Investigação que foi criada pelo Conselho de Direitos Humanos estão lá para monitorizar, documentar e relatar o que está acontecer.

E para nós, é realmente crítico que o que costumava ser uma característica da impunidade do passado nesta situação, que a impunidade seja combatida, que haja mecanismos de responsabilização para que o Tribunal Penal Internacional, TPI, estenda a sua cobertura da situação, não apenas Darfur, mas toda a situação, e que quando identificarmos os perpetradores, eles sejam responsabilizados.

É fundamental que a impunidade seja combatida, que existam mecanismos de responsabilização.

ONU News: No Haiti, gangues continuam a aterrorizar a população. Defende o aprimoramento do trabalho da missão internacional. Como podemos garantir que as ações tomadas pela missão não contribuam para violações de direitos humanos?

Volker Turk: A situação de segurança é de extrema preocupação. Mais de 3,9 mil pessoas foram mortas este ano. Centenas de pessoas foram sequestradas.

Então, está claro que a Missão Multinacional de Apoio à Segurança que foi implantada atualmente é crítica para dar suporte à polícia haitiana para fazer o seu trabalho. Ao mesmo tempo, temos que parar as armas que fluem para o país. Elas não são todas produzidas no Haiti. Elas vêm de outro lugar.

E precisamos garantir que os indivíduos que estão por trás dos gangues sejam realmente sancionados. Então, precisamos de uma abordagem abrangente e urgente. E os direitos humanos são parte disso porque precisamos garantir que, seja lá o que for que a força policial esteja a fazer, incluindo as forças internacionais, que haja estruturas de conformidade em vigor para os direitos humanos.

ONU News: Informou os Estados-membros sobre o trabalho incrível e a cooperação que seu Escritório tem com eles no combate à desigualdade de renda. Por que isso é importante e há alguma história de sucesso que queira compartilhar?

Volker Turk:  É realmente importante quando se olha para a falta de implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS. Uma das principais características que vemos são precisamente essas enormes desigualdades que vemos em todo o mundo. Quero dizer, a América Latina é um dos continentes mais desiguais, mas também se vê isso agora na Europa. Tem partes na Europa, em que se vê isso na América do Norte,  no mundo industrializado onde a lacuna crescente entre os pobres e os ricos está em crescendo, e isso é uma receita para o desastre.

Os governos e os partidos políticos devem olhar para o quadro dos direitos humanos como uma inspiração para abordar as desigualdades.

Então isso significa que os direitos humanos são sobre igualdade. Eles são sobre garantir que todos tenham direito, possam exercer o seu direito à alimentação, moradia adequada, à educação. Mas se a educação e a moradia se tornarem inacessíveis, isso significa que as pessoas ficarão muito, muito deprimidas. Elas ficarão frustradas. Às vezes, elas também irão para as franjas dos extremos políticos.

Então, é muito importante que os governos, que os partidos políticos olhem para a estrutura de direitos humanos como uma inspiração para lidar com as desigualdades. E isso significa lidar com a moradia, lidar com o acesso total à educação, lidar com o acesso à saúde.

ONU News: Sobre cooperação com Estados-membros, pode explicar-nos esse processo? O que acontece antes e depois de emitir uma declaração sobre um assunto específico?

Volker Turk: Sempre que monitorizamos uma situação e riscos emergentes de direitos humanos, sempre que nos envolvemos com o governo. Nós nos envolvemos com a sociedade civil, tentamos abordar a questão. Mas há um ponto em que o governo não reage ou, por causa do debate político, não quer lidar com a questão, com a qual temos uma obrigação.

É meu dever apontar que as coisas estão indo mal, e esse é um dever que tenho que exercer publicamente para garantir que o mundo saiba que temos uma preocupação com direitos humanos num contexto específico ou na situação de um país específico.

ONU News: Eu também gostaria de saber em sua opinião sobre o aumento do populismo, discriminação e desinformação, todo esse fenómeno nas democracias desenvolvidas. Como isso torna seu trabalho mais difícil?

Volker Turk: Este ano é o mega ano das eleições. Temos cerca de quatro bilhões de pessoas indo votar. E eu fiz um apelo, um apelo público a todos aqueles que votam para analisar programas políticos da perspetiva dos direitos humanos. Eles promovem a proteção dos direitos humanos de todos e cada um, ou marginalizam, estigmatizam, transformam certas partes da nossa sociedade em bodes expiatórios.

Por exemplo, ouvimos muita conversa sobre refugiados e migrantes, frequentemente em termos muito diretos e depreciativos. É inaceitável porque é fazer do outro um bode expiatório. É desumanizar o outro.

O meu apelo a todos os eleitores: se isso acontece com uma parte da sociedade, pode acontecer com você. E precisa ter muito cuidado. Pprecisa cortar o mal pela raiz porque não é aceitável que as pessoas sejam marginalizadas, estigmatizadas e transformadas em bodes expiatórios.

ONU News: Vamos falar um pouco sobre as novas tecnologias e como elas afetam a vida moderna no contexto das situações de direitos humanos à volta do mundo.

Volker Turk: É claro que os desenvolvimentos digitais, os desenvolvimentos tecnológicos, são uma grande vantagem. Eles podem ajudar-nos a implementar os ODS. Eles podem ajudar-nos até mesmo a abordar alguns dos grandes desafios do nosso tempo. Mas, ao mesmo tempo, e certamente aprendemos as nossas lições com as grandes plataformas de media, eles também podem levar a enormes riscos.

A Inteligência artificial, a IA generativa, por exemplo, carrega riscos se não formos cuidadosos e se não regularmos os direitos humanos, que é a estrutura normativa que se aplica nessas situações. É uma estratégia de mitigação de risco olhar para os direitos humanos.

Estou muito feliz que o Pacto Digital Global tenha uma linguagem muito forte sobre direitos humanos, e forneceremos serviços a países e empresas à volta do mundo para que eles possam cumprir as suas obrigações de direitos humanos quando desenvolverem inovações tecnológicas muito importantes.

ONU News: Ainda acha que é possível manter essas tecnologias sob controlo?

Volker Turk: Precisamos ter muito cuidado porque os direitos humanos serão massivamente afetados se esses desenvolvimentos tecnológicos não considerarem os riscos que eles geram. Ainda temos tempo, mas é como com as mudanças climáticas, temos que ser rápidos e velozes, e agir.

ONU News: No mês que vem será a COP29, a Conferência do Clima da ONU. O que espera que seja alcançado?

Volker Turk: Quando olhamos para a nossa relação com a natureza, com o meio ambiente, com o planeta, isso faz parte também da narrativa dos direitos humanos que temos, porque sabemos e fizemos muitos estudos, que senão abordar a mudança climática, certas partes do mundo se tornarão inabitáveis. Já sabemos disso agora. Então, significa que as pessoas terão que se mudar.

Os mais vulneráveis ​​serão afetados. A pobreza aumentará e haverá uma competição massiva por recursos escassos. Isso levou a conflitos no passado.

Então, esperamos que o mundo acorde para a urgência da tarefa de abordar as mudanças climáticas, tirando-nos da indústria de combustíveis fósseis e garantindo que possamos realmente fazer a transição adequada para um sistema económico que seja viável e que promova todo o progresso de que precisamos e também os direitos humanos.

Ver Também

Web Summit: Pharrel Williams destacou-se e a inteligência artificial deu os seus “primeiros passos”

Ontem, 11 de novembro teve inicio o Web Summit 2024, que completa este ano os seus quinze anos de...