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O Jornal Comunidades esteve no Atelier de Nuno Baltazar, o criador de moda muito conhecido e reconhecido no mundo da moda, e não só. No seu Atelier, no Porto, respira-se criatividade, arrojo e fantasia pelas cores dos tecidos que pelas paredes desfilam. Dou uma pequena espreitadela, vejo a arte a olhar para mim, ou melhor, eu a olhar para o cabide cheio de peças, que só se via o volume dos tecidos nobres apertados uns sobre os outros, num pérola de não querer desviar o olhar. Falou-nos da sua vida e do seu modo de ver e viver a moda. “Sou um criador de moda”.
Nuno Baltazar começa por revelar como foi o início da sua carreira. “Conto com 24 anos de carreira, a minha experiência com o meu primeiro desfile na moda Lisboa, sem contar com os concursos. Começa na minha vida académica em 1994, mas só conto a partir de 1999, que se concretiza um sonho de adolescente. O seu primeiro sonho em criança era ser bailarino, mas “o desenho levou a dianteira”.
Começou de uma maneira muito pouco consciente, mas muito paradigmática da importância que um professor pode ter na vida de alguém. Quando passava férias na casa “da minha avó, via revistas femininas”. Na altura nem eram revistas de moda, dos anos 50, as páginas de moda eram feitas de ilustrações e desenhos, não eram em fotografias como são hoje em dia.
“Eu gostava desses desenhos, comecei a fazê-los, mas sem me aperceber o que estava a fazer, a copiar. Até que um professor meu de desenho viu e começou a direcionar para fazer mais, depois começou a retirar-me as revistas e pediu para começar a imaginar, foi meu professor durante dois anos, e ao fim desses dois anos disse-me: “Isto que tu fazes é uma profissão”. “E falou-me o que era o estilismo, palavra que já não é adequada hoje em dia, sou criador de moda, e decidi o que queria estudar e evoluir. Não foi de imediato, ainda fui fazer o secundário e só depois fui estudar moda. Estudei moda no Citex que agora se chama Modatex”.
Frequentou o Citex, e ainda dentro do Citex, participou em todos os concursos que apareciam, é algo que é muito importante no desenvolvimento de um estudante e de um jovem profissional, porque “é o primeiro contacto que temos com a exigência, e com a competição, que penso ser muito importante no nosso desenvolvimento enquanto profissional, principalmente quando se quer fazer moda de autor, como é o meu caso”. Ganhou alguns concursos, isso também o ajudou a ser reconhecido pelas pessoas que fazem a gestão da Moda Lisboa e do Portugal Fashion.
Após acabar o curso, abriu logo um pequeno Atelier, “estava numa fase da minha vida que fazia tudo que aparecia, dava aulas, fazia styling, fazia ilustração, fazia atelier, e fui convidado passado um ano e pouco para apresentar a coleção Moda Lisboa, nessa altura ainda trabalhava com o Paulo Cravo, que à época ainda se chamava Paulo Cravo e Nuno Baltazar, e assim foi durante cinco anos, em outubro de 2003 apresentei a primeira coleção a solo. Só Nuno Baltazar.”
“Cresci numa altura em que já havia a Moda Lisboa, porque a geração anterior à minha, são contemporâneos da Moda Lisboa, todos cresceram em simultâneo com a Moda Lisboa. Lembra-se que quando a Moda Lisboa apareceu, foi ver em que escola cada um dos participantes estudou. Também teve peso. A minha estreia na Moda Lisboa aconteceu quando eu tinha 22 anos, era muito novo, mas agarrei a oportunidade com toda a força e determinação, e lá continuo até ao presente”, salienta Nuno Baltazar.
Trabalho no Estrangeiro, e os Emigrantes
Ainda com Paulo Cravo, “apresentamos algumas coleções nas semanas de moda de Paris, mas isso no início. Tenho clientes no estrangeiro e emigrantes, ainda há pouco tempo tive uma cliente da Suíça que veio especialmente para fazer um vestido comigo, para mim a única diferença que faz é a gestão da agenda, mas hoje em dia, e com uma loja online é mais fácil chegar a qualquer pessoa e que não seja ninguém excluída. E que goste da marca.”
A inspiração para criar vem de muitos sítios, “e aquilo que eu costumo dizer, e que é muito importante para qualquer jovem criador, ou para qualquer criador no ativo há vinte e tal anos, como é o meu caso, é que tenha o universo o mais amplo possível. Eu tento ao máximo fazer tudo aquilo que posso para acrescentar à minha vivência diária, algo que me enriqueça, eu vou ao teatro, ao cinema, exposições, tento ler o máximo que posso, vou ver espetáculos de dança, gosto muito. As viagens, a poesia, a minha inspiração já vem de tantos sítios, a atualidade. A última coleção tinha muito a ver com a questão da igreja, e por vezes pode ter um carácter mais político ou mais fantasioso, mais romântico, onde me vem a inspiração de facto é de tudo isto que compõe o meu imaginário. E que depois se relaciona de alguma maneira, é quase como se fosse um filtro, que absorvo aquilo que vejo e reinterpreto ou sinto de uma maneira diferente, mais pessoal e isso traduz-se nas minhas coleções”.
O lado competitivo da profissão
O mundo da moda não foge muito à regra de outras profissões, é um mercado muito competitivo, e ambicioso, Nuno Baltazar sente que há competição e acontece em todos os países, e em quase todas as profissões. Há pessoas com muito talento e mérito, e chegam lá, e há outros com menos capacidades, que chegam ao topo porque sabem movimentar-se no mundo da moda. “A maneira como se manuseiam as redes sociais é muito importante”. Há pessoas que conhecem “a minha marca e não têm que conhecer a minha cara, isso para mim não é importante, enquanto que há colegas meus que privilegiam mais essa exposição e tornam-se figuras públicas, mas isso acontece em todos os lados, no cinema, no teatro, em muitas áreas. E depois há pessoas que são muito talentosas, mas ou são um pouco desorganizadas e não conseguem focar e acabam por não conseguir atingir os objetivos. Porque esta profissão exige muito de nós, de muito trabalho, de muito foco. Vi pessoas que não eram da minha turma que eram muito talentosas mas que não vingaram.”
Personalidades que mais aprecia cá dentro e lá fora
Como outra arte, a moda precisa muito de pessoas que inspirem em coleções, há sempre ídolos que os criadores acompanham, que são as suas musas inspiradores e Nuno Baltazar não é a exceção. As pessoas “que mais admiro no mundo da moda e foram uma referência para mim já estão quase todas mortas”. Ives Saint Laurent, Alber Elbaz, Madeleine Vionnet, Christian Dior, Cristóbal Balenciaga. Em Portugal, Eduarda Abbondanza e Mário Matos Ribeiro (já não trabalha), Dino Alves, Maria Gambina e Luís Buchinho. Tem referências nesta área, o que eu espero, é que as pessoas da minha geração e imediatamente a seguir, consigam, deixar o universo da moda de autor em Portugal melhor do que o que encontraram, é um grande objetivo meu. Estamos a passar por um momento crítico. Gostava que houvesse alguma mudança nesse sentido. Deixar um legado melhor, daquilo que recebemos.
A moda também é isso, é o futuro, é pensar que a seguir a mim vêm outras pessoas. Se a luta já não for possível, para mim, pelo menos deixar alguma coisa para os outros, principalmente o que diferencia, os autores da sua marca são as pessoas, é a marca, e ao mesmo tempo empresários, e que em regra geral são muito frágeis”.
Made in Portugal 50% / 50%.
As matérias-primas mais usadas nas peças são maioritariamente tecidos nobres como as sedas, sendo que 50% destes tecidos são de Portugal e a outra metade, os restantes 50% vêm do estrangeiro, e isto porque o seu segmento de mercado é fazer vestidos de gala e noite, maioritariamente, sendo as suas necessidades os tecidos muito à base das sedas e outros materiais mais complexos, pois em Portugal já deixaram de fabricar esses tecidos, mas disse-nos que prefere usar matérias-primas nacionais.
No que diz respeito às peças que mais gostou de fazer confessou-nos “que é sempre ingrato escolher uma peça. A peça que mais “prazer me deu fazer foi uma peça que desenvolvi para o verão 2021, durante o ano 2020 estávamos confinados devido à pandemia, e tive muito mais tempo, como a maioria das pessoas. Estive a olhar o arquivo, e estava a olhar para algumas peças, as que eu gostava menos do meu passado e encontrei um vestido, que já tinha há 13 ou 15 anos e deu-me imenso gozo”, talvez tenha sido a peça mais importante nesse sentido, pegar numa peça que tinha quinze anos, e que “achava que não tinha sido bem-sucedida”. E revitalizá-la, transformando-a numa peça nova, que é muito moderna, muito atual e que no fundo essa peça significa “que a minha história não se apaga, que consigo reinterpretar a minha estética com outra contemporaneidade. Foi um exercício, mais do que a peça em si, foi o prazer especial, e foram várias peças dessa coleção, pegar em peças que já fiz, olhar com outra perspetiva e transformá-las, desde então é uma técnica muito presente no meu trabalho”.