EXCLUSIVO
Em entrevista ao Arquiteto do Mercado do Bolhão, Nuno Valentim, a obra é uma mescla entre o mercado exterior e interior. Há uma correlação entre estes dois mundos, dentro de um só mercado. Conta com mais de 20 mil pessoas por dia e 5 milhões e meio no último ano. É um caso de superação e de todas as expetativas. Uma obra que teve os seus avanços e recuos, finalmente está disponível a todos os que o queiram visitar.
Nos anos 90 houve um concurso de ideias pelo então Presidente Fernando Gomes, na qual resultou uma proposta ganhadora que nunca foi construida.
Por força das mudanças políticas, primeiro para Nuno Cardoso e depois Rui Rio. O ex-autarca, uns anos mais tarde decidiu entregar o projeto a um consórcio Holandês, que propunha a reconversão do Mercado numa Galeria Comercial e em habitação – que deu uma reação muito negativa na cidade. E com essa reação negativa Rui Rio decidiu entregar o projeto à Direção Regional da Cultura do Norte. Em 2009, 2010, 2011, até 2014 foi feito um outro projeto com dois pressupostos, também muito transformadores do Bolhão – uma cobertura integral do mercado e vários pisos de estacionamento.
Rui Moreira quando ganhou as eleições em 2014, juntamente com a sua equipa, entenderam que não fazia sentido que o mercado fosse coberto e tivesse vários pisos de estacionamento. Discordaram, pois tínhamos visões diferentes e não chegaram a acordo com a DRCN.
“Fomos assim convidados para desenvolver um projeto, que partisse, por um lado do restauro do edifício, na sua forma, descoberto e sem estacionamento, por outro lado contemplando a modernização ou atualização do mercado de frescos municipal. “Desenvolvemos este projeto com a Câmara Municipal do Porto, em articulação próxima com a equipa da própria Câmara. Não sou propriamente o coordenador do projeto mas “apenas” o autor do projeto geral de arquitetura”.
“Quando me refiro nós, quero dizer o meu atelier que também que fez parte integrante da equipa de trabalho da Câmara Municipal do Porto, da Go Porto, e do gabinete que foi criado especificamente para acompanhar todo este processo de transformação – o gabinete do mercado do Bolhão.- liderado pela Arquiteta Cátia Meirinhos e pelo Dr Francisco Rocha Antunes, e uma equipa notável de pessoas que os secundavam, e que, em paralelo com “o nosso trabalho, foi trabalhando muito proximamente e articuladamente para o resultado final.”
Desafio do projeto
Não há exercícios de arquitetura simples, fazer arquitetura é sempre uma grande responsabilidade civil e patrimonial seja em que circunstância for. Julgo que o país vai ganhando consciência de que a nossa paisagem e o nosso “território é o nosso maior bem, e o nosso maior património”.
No Bolhão e nos monumentos históricos, há uma espécie de responsabilidade acrescida, porque “estamos a trabalhar com uma herança que nos deixaram. O exercício não se torna mais ou menos complexo, torna-se distinto, e tem especificidades que outro tipo de exercício não tem.” E uma dessas especificidades é conhecer muito bem a realidade sobre a qual estamos a operar, “e esta realidade tem um lado material, físico, e tem um lado imaterial – humano, funcional, de relação – e essa é a grande exigência deste tipo de exercício, a correta ponderação entre valores materiais e imateriais no processo de decisão de manutenção, de continuidade, de restauro mas também de transformação”. Era “importantíssimo atualizar o mercado com dignidade.”
A parte que não se vê, é toda a parte de modernização que é indispensável ao mercado de frescos atual – o mercado de frescos não pode funcionar se não tiver logística, cargas e descargas, câmaras de frio positivo e frio negativo, acesso de camiões de 19 toneladas, etc, e essa parte é um mundo subterrâneo que “conseguimos integrar de forma, muito discreta e funcional, sem prejudicar o espaço público na envolvente do mercado, encontrando uma outra rua à cota baixa, libertando as fachadas para serem penalizadas, para serem usufruídas e não serem sacrificadas pelas cargas e descargas.”
Bolhão exemplo de decisão política instruída de conhecimento e cultural arquitetónica
Foi, “no meu entender, uma decisão corajosa, a do presidente, em 2014, em manter o mercado de frescos municipal apresentado-o como restauro e modernização do mercado do Bolhão”.
Mas na prática fez-se muito mais do que um “restauro” – “na minha opinião” fez-se uma reabilitação, uma atualização e, no fundo, uma adequação do edifício existente a um programa muito exigente. Porque o mercado de frescos diário de uma cidade, nos dias que correm, é muito exigente – porque tem muitas infraestruturas, muita exigência de higiene, um nível elevado de acessibilidade (… ) é, por isso, muito complexo fazer um mercado (…) “eu chamar-lhe-ia uma intervenção de reconhecimento e de continuidade da matéria arquitetónica que o carateriza, e de restauro de elementos que tinham sido perdidos e que estavam degradados ou tinham desaparecido.” Há, de facto, uma continuidade do edifício, mas há também transformação na continuidade, “se eu tivesse que resumir, a intervenção arquitetónica. Usando as palavras do Professor Fernando Távora, seria “continuar-inovando” ou “transformar na continuidade”.
Projeto demorou cerca dois anos a ser elaborado
O projeto demorou cerca de dois anos a ser elaborado. O projeto de arquitetura e de todas as especialidades, muito complexas e necessárias numa situação destas. Foi entre 2014 e 2016, entre 2016 e 2018, houve todo o período de revisão do projeto, concurso público, adjudicação, consignação, preparação da empreitada, e entre 2018 e 2022 foi o período de construção, sendo que estava inicialmente previsto que a obra durasse pouco mais de dois anos e acabou por demorar quatro anos por causa da pandemia e das dificuldades internacionais que houve no fornecimento das matérias primas.
Classificação da Obra do Bolhão
“Eu diria que é uma reabilitação de um edifício histórico nas sua vertente material (arquitetónica, física, construtiva) e na sua vertente imaterial (humana, funcional e de relação).”
O mercado está hoje mais higiénico, mais acessível, mais funcional e recebeu uma grande atualização – “nós sabemos que os mercados de uma forma geral, nacional e internacionalmente”, tem área a mais e todos os mercados têm este problema, de gerir esta área a mais, que surge da concorrência das grandes superfícies e da consequente redução do número de vendedores. O Bolhão mantém um significativo número de vendedores no interior, mais de cem, e no exterior quase quarenta lojas. Os antigos talhos foram agora reconvertidos em dez restaurantes e a galeria em espaço público para eventos, feiras, acontecimentos temporários – “penso que esta mistura funcional que se encontrou no mercado do Bolhão é muito interessante”. Em síntese, o edifício foi transformado na continuidade ou atualizado em continuidade, “num respeito grande pela herança que nos foi transmitida.”
A inspiração
Para além do próprio Mercado do Bolhão, as nossas referências foram mercados como o Borough Market em Londres, ou mercados com uma intensidade de uso e de relação muito evidente como o mercado da Figueira da Foz, ou o mercado de Olhão. Mas sempre “acreditámos que o Bolhão tinha a vantagem de ter “o melhor dos dois mundos”, que é ser coberto e descoberto”, e essa é uma singularidade do Bolhão – tentar encontrar algo a meio caminho entre estes caminhos, um mercado que funciona parcialmente coberto e descoberto.
Em resumo
No geral o Bolhão, o Arquiteto Nuno Valentim termina dizendo que “parece-nos que é um sucesso enorme – mais de 20 mil visitantes em média por dia, ou seja, 5 milhões e meio, no último ano.
Isso só foi possível porque existiu um trabalho humano notável, de conhecimento e de acompanhamento dos vendedores, porque a Câmara sempre quis manter lá a maior quantidade e o maior número possível de vendedores históricos, reconhecendo que eles são a alma do Mercado.”
Penso que “o Bolhão foi exemplar nesse processo de transição integração e de vontade de manter os comerciantes originais.”