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Terça-feira - 11 Novembro 2025

O colapso do último Homem

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“A dívida é a escravidão dos mais jovens.”; assim rematou François Bayrou, primeiro-ministro francês, à beira de ver o seu governo ruir, quando a sua moção de confiança for rejeitada, na próxima segunda-feira, dia 8 de Setembro. A França, símbolo da raíz democrática da Europa, é atualmente, também, um bom arauto da queda da Ordem europeia, onde o contrato social está em claro risco, quando o número de trabalhadores que descontam para o Estado Social é cada vez menor para os beneficiários do mesmo Estado. E, ao contrário do que é popular, a solução não passa pela revolta, pela manutenção, mas talvez antes, por encarar a verdade tal como ela é, fria e crua, como o Inverno que vem. Nada pode ser sustentado sem retorno, ou como postulou Laivosier, “na natureza nada se cria, nem nada se perde, tudo se transforma”, e, como tal, com a quebra grande da população ativa, e com o congelamento do crescimento económico, a conta não fecha e marchamos a passos largos para a falência generalizada de pensões públicas de reforma, de serviços públicos de saúde, e um ruir inevitável da oferta pública. Mais que um problema de natalidade, vivemos também a crise do último Homem, de Nietzsche, o homem que atingiu um tal ponto de satisfação consigo mesmo que perdeu o desejo de ser ativo na família, sociedade e sobretudo na sua responsabilidade. Se não queremos de facto abdicar do nosso conforto atual, se queremos de facto evitar a escravatura futura para cobrir a dívida que estamos a criar hoje, devemos desde logo deixar a postura de quem tudo sabe, tudo conhece, gravada nesse último Homem, e perceber que ao contrário do que Platão pensava, não será a educação que nos vai salvar, mas antes a dúvida. A dúvida sobre que sociedade queremos, de qual o papel do estado, se prestador e comparticipante terão de ser o mesmo, o que significa contrato e mobilidade no trabalho, como lidar com o envelhecimento, o que deve ser pedido a um beneficiário de um rendimento, qual a responsabilidade e o direito da família, o que é a autoridade e sobretudo onde começa a liberdade e onde acaba o dever. 

Hoje facilmente, achamos razões simples para justificar a queda desta Ordem que nos assola, quando antes devíamos achar que todo este cenário é muito mais complexo. A culpa é da imigração descontrolada, dizem muitos, como se ela por si só explicasse o facto de (dados Eurostat) Itália, França e Espanha, terem respetivamente, dívidas públicas que correspondem a 137.9, 114.1, e 103.5%, do seu PIB. A massa de população que veio para a Europa deve ser controlada no sentido de facilitar a sua inclusão e proteção face ao oportunismo de quem cá, os quer usar para lucrar com a sua habitação e com o seu trabalho, como aconteceu em várias explorações agrícolas ou em eventuais lojas de fachada, que não são mais do que fios de meadas de tráfico humano. Os estrangeiros, embora muitos deles possam vir de culturas cujo respeito pela Carta dos Direitos do Homem seja inexistente, não são de todo os principais responsáveis pela decadência da nossa estrutura pública. Esse definhar já advém de há décadas quando o crescimento afrouxou e achámos que não haveria problema desde que usássemos a capacidade industrial chinesa para reduzir custos para as nossas empresas, sem, no entanto, pensarmos num verdadeiro quadro de industrialização europeia. Afrouxámos também quando fechámos o nuclear e acreditámos que o uso 100%renovável seria suficiente para obtermos a nossa independência energética. Falhámos rotundamente quando não evoluímos como união política com o determinar de uma verdadeira eleição europeia direta, e mais ainda, quando permitimos existir na nossa União, países que constantemente se mostram como forças de bloqueio à tomada de decisão. Não só não estamos a pensar global, como também não estamos a pensar local, e se por um lado o poder europeu precisa de ser centrado, o poder em Portugal precisa ser deslocalizado. Como não achar que a desertificação não possa estar associada ao facto de os ministérios de governo, empresas públicas e agências de interesse público estarem sediadas junto a Lisboa e Porto. Recordar como caiu Carmo e Trindade caíram quando há uns anos se tomou a decisão de migrar o Infarmed de um pólo do país, para também outro polo. Acaso Portugal é um íman onde não existe mais nada. Talvez falte a coragem ao poder político de verdadeiramente descentralizar o seu poder, pensando em distribuir seus operacionais pelos seus 18 distritos e ilhas. Terá custos, sim! Mas a longo prazo não terá boas implicações? Se queremos que um êxodo quer social, quer laboral e, doravante, económico para o interior existam, o primeiro sinal terá de vir forçosamente do Estado. Descentralização implica também propriedade e responsabilização, e como tal, primeiro, mais ambição e limites temporais na aplicação do BUPi (o programa a partir do qual se pretende apurar os proprietários privados do interior do território português) deve existir, pois atualmente ainda estamos apenas em 30% de identificação deste território; e em segundo lugar, maior responsabilidade dos agentes políticos locais.  

Eis que a nível local, importa que dos munícipes comuns haja a assumpção de responsabilidade, e não a manutenção da tal postura de o “Último Homem” de Nietzsche de que eu escrevi logo no início, e como? A partir de um esforço perpetrado pelo cidadão que se quer cidadão em ler e se informar, pagando pela sua informação, participando a sua arte, escrita, voluntariado ou empresa, no tecido civil do seu bairro, freguesia e concelho, ambicionando participar em movimentos políticos locais, desafiando inclusive o mosaico partidário da região, promovendo não inimizade, mas uma escuta, colaboração e até oposição, seja no seio de uma assembleia municipal ou nos eventos comuns do dia-a-dia da vila ou da pólis que queremos também nossa, desafiando até o mosaico partidário local, que muitas vezes se mostra viciado e preguiçoso.  

O adversário é o que permite cada um crescer, e como tal é nossa responsabilidade, sermos adversários, não niilistas, não velhos do Restelo, nem conservadores ou revolucionários, mas antes agentes da dúvida. 

Autor: Pedro Miguel Santos

Pedro Miguel Santos
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