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Quarta-feira - 22 Janeiro 2025

Ode ao Liberalismo

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O tempo passa, mas a natureza humana mantém-se, porque a natureza precisa de séculos, milénios, e quiçá milhões de anos para se transformar. Daí ser importante olhar para a História e para os pensadores de outras épocas para intuir o que acontece hoje, pois afinal as grandes preocupações de hoje em pouco ou nada mudaram face ao humano primitivo, isto é, desde as origens até à atualidade se mantêm a busca por mantimento, lar, sexo, ajuda, reconhecimento e, em suma, dessa lida toda, encontrar algum nexo ou sentido.

Pois bem, a busca por sentido pode ser, tal qual a esperança, um dos principais bloqueios da civilização. E, desde os tempos da Antiguidade, esse mote está presente, sobretudo, nos mitos criadores. Lembremo-nos, pois, do mito de Pandora e da sua caixa (na verdade um jarro ou vasilhame) que Zeus lhe oferecera, a qual ela nunca poderia abrir e que, inevitavelmente, ela abriu, deixando escapar toda a doença, vício, necessidade e dor até que Pandora, arrependida, conseguiu num último tento fechar a caixa ficando apenas, atravessada, um último elemento – a esperança. Confrontado com tal relato proponho uma leitura simples e contundente – a esperança, ela mesma, constitui-se como um mal, porque remete para algo que se espera – a expetativa, o desejo, o porvir, um estado melhor – em contraste com o presente e a ação diária.

Da mesma maneira, o mito do jardim do Éden, mais que um arquétipo da desobediência a uma divindade, pode antes ser um aviso face à ingratidão por aquilo que já se tem, pela fantasia da possibilidade de um poder absoluto – o fruto da árvore da ciência do bem e do mal. O pecado sempre foi o futuro, não o presente; o pecado sempre foi o atalho, não o processo; o pecado sempre foi querer ser um deus – ou seja, ter poder e responsabilidade – sem, no entanto, entender o que isso significa. A esperança é um mal porque projeta um futuro que não se conhece, baseado num nós que ainda não existe e que, além de ignorar a mudança, ignora sobretudo a possibilidade de trabalharmos o nosso jardim.

A esperança é, portanto, a semente da utopia, e como toda a utopia, ela pode implicar sacrificar tudo o que não se identifica com ela, levando a um pensamento fechado, acrítico, arrogante. Schopenauer, no séc XIX, definiu a natureza bem como o Homem, como sendo, escravos de uma vontade geral na persecução do desejo que, uma vez alcançado, se torna banal perante a instituição de nova necessidade, novo desejo, novo alcance e, uma vez mais, tédio, num círculo de vício. Esse mesmo desejo com a esperança que o fomenta, quando não satisfeitos desembocam na frustração, sentimento que leva ao ressentimento em prol de um direito, futuro ou sentido que no entender do ressentido lhe foi negado.

O ressentido, tal como escreveu Nietzsche, é o niilista que abandonou deus e abraçou a utopia autoritária de ser o controlador dos outros, da moral, da ética, do costume, da Pátria, da Humanidade, constituído as fundações de um novo deus, não menos absoluto, não menos Pai, não menos Cobarde – o Autoritarismo. Todo o regime autoritário é, em essência, construído pelas vítimas do ressentimento, que iludidas pela esperança e engolidas pelo sofrimento inevitável sucumbem a atribuir a culpa das suas pragas aos outros – outras raças, outras nações, o capitalismo, o governo, o vizinho, a família, todos, mas todos, menos o Eu.

Quando Dostoievski na sua obra, Os Irmãos Karamazov, se refere ao Grande Inquisidor, uma tenebrosa figura que liderava uma farsa para manter as pessoas presas à Fé, creio que o principal objetivo do escritor russo, mais que um contestar do fanatismo religioso, seja uma exortação ao domínio da liberdade. A liberdade antagoniza a submissão. A liberdade não teme o desconhecido. A liberdade não se revê em fórmulas e, principalmente, é o exercício criativo do presente. E por medo da liberdade, aceitamos o pão quente de quem nos promete o que nos é agradável. Por medo da liberdade, procuramos o milagre e a esperança, em vez da ação e da criação de oportunidades por nós mesmos. Por medo da liberdade, queremos ser um só rebanho, unido na utopia, e colocar em xeque qualquer pensamento plural ou crítico que possamos ter. A liberdade não se coaduna nem com o ressentimento, nem com o autoritário, nem com o fanático.

E hoje, mais que nunca, quando o extremismo regressa (como aliás o faz ciclicamente) esses mitos e autores proclamam-nos a missão de exercermos a liberdade, abandonando quer o positivismo infundado, quer a esperança vã e ausente do chamado presente. Importa, doravante, deixar cair a existência de um sentido objetivo fora de nós e construirmos, como invocou Viktor Frankl – o psiquiatra sobrevivente do nazismo – o nosso próprio sentido.

É o que tentarei, a partir de hoje, com uma pequena pitada de pessimismo e uma grande vontade potência, fazer desse espaço uma porta à Liberdade – um Éden Jardim.

Autor: Pedro Miguel Santos

Pedro Miguel Santos
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