É significativo que o abandono da estrutura do romance como relato linear tenha coincidido com o questionamento da visão da vida como existência dotada de sentido, no duplo sentido de significado e de direcção.
Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direcção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma representação comum da existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa reforçar. Eis por que é lógico pedir auxílio àqueles que tiveram que romper com essa tradição no próprio terreno da sua realização exemplar.
Como diz Allain Robbe-Grillet “…o advento do romance moderno está ligado precisamente a esta descoberta: o real é descontínuo, formado de elementos justapostos sem razão, todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque surgem de modo incessantemente imprevisto, fora de propósito, aleatório.”
A invenção de um novo modo de expressão literária faz surgir “a contrario” o arbitrário da representação tradicional do discurso romanesco como história coerente e totalizante. (*)
CUSTOU MAS CHEGUEI LÁ ! procurei, procurei e encontrei ! Para sossego dos meus leitores, não haverá nunca um romance. Fazer um discurso coerente e totalizante é o oposto da representação que tenho da vida e aqui, sou, como me dizia uma Professora de Sociologia: “Sou muito bourdiano”.
Joaquim Silva Rodrigues
janeiro 2025
(*) Excerto de “L’illusion biographique” de Pierre Bourdieu, Junho 1986)