Um Aperto de Mão
Esta semana, ao ler o artigo do Expresso e ao assistir aos vídeos da sessão solene que evocou os 50 anos do voto universal para as mulheres em Portugal, não pude ignorar a forma como tudo se desenrolou. Era inevitável que esta crónica fosse sobre este tema.

O que deveria ter sido uma celebração solene de uma conquista histórica transformou-se num reflexo de como o progresso das mulheres continua a ser tratado com indiferença. O Presidente da República e o Primeiro-Ministro não estiveram presentes. O Governo fez-se representar apenas por dois secretários de Estado. As galerias de honra estavam vazias.
E ali, no plenário, as deputadas que tomaram a palavra sentiram a mesma realidade que tantas mulheres enfrentam diariamente: o desconforto de perceber que a nossa luta nunca é tratada como uma prioridade.

“Foi uma solenidade menor”, disse Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda. E foi. Não menor no significado que tem para nós, mas menor para aqueles que podiam ter demonstrado, com a sua presença, que esta não é uma questão secundária.
Foi uma sessão sem pompa nem circunstância, sem as figuras de Estado que estiveram presentes noutras homenagens. Mas, para além das ausências, foi também um espaço de afirmação.

“Submissas nos querem, rebeldes nos terão”, disse Mortágua, lembrando que a luta pelos direitos das mulheres não foi um presente, mas uma conquista arrancada a ferros, e que hoje há forças que tentam, de novo, reduzir-nos ao silêncio.
E não é uma questão de opinião, é um facto. As estatísticas da violência doméstica, da desigualdade salarial, da sub-representação política gritam-nos essa verdade todos os dias.
“Estamos ao nível que estávamos em 2002”, lamentou Teresa Morais, do PSD, lembrando que há mais de vinte anos foi confundida com a esposa de um deputado porque era a única mulher numa delegação parlamentar. “Acabe-se com a conversa estafada de que é difícil trazer as mulheres para a política”, disse. Não há falta de mulheres preparadas, há falta de vontade para mudar o sistema.
Alexandra Leitão, do PS, foi mais longe: “A misoginia está a crescer, e o Parlamento é palco disso mesmo.”
A líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, questionou o óbvio: “Porque é que a agenda não foi logo organizada com o Presidente da República e com o Governo para estarem presentes?” Porque é que não foram convidadas “todas as associações e entidades que lutam diariamente pelos direitos das mulheres”?
“Os números aterradores da violência doméstica mostram que ainda não existe uma verdadeira igualdade”, disse Mendes Lopes, cravo na mão, lembrando que há homens que ainda controlam o voto, as finanças e a vida das suas mulheres.
“19 mulheres foram mortas em contexto de violência doméstica no ano passado”, recordou Inês Sousa Real, do PAN.
E Mariana Leitão, da Iniciativa Liberal, fez um alerta que não podemos ignorar: “Hoje deve ser mais do que um dia evocativo, deve ser um dia de reflexão sobre as ameaças concretas que, em diversos países e contextos políticos, colocam em risco a liberdade das mulheres.”
Porque não estamos a falar de um problema do passado. Estamos a falar do que acontece agora, em 2025.
Estamos a falar de países onde as mulheres perderam direitos que já tiveram. No Irão, nos anos 70, as mulheres eram livres. Hoje, não são. No Afeganistão, meninas iam à escola, mulheres trabalhavam, havia liberdade. Hoje, não há.
Olhamos para estes exemplos e achamos que são distantes. Mas o que nos garante que a nossa realidade não mudará? Que o que foi conquistado não nos será arrancado? Nada.
Porque, se há algo que a História nos ensina, é que o que é conquistado pode ser perdido.
E não apenas pode , é perdido!
A geração das Três Marias – Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa – enfrentou a censura, desafiou um sistema que queria manter as mulheres caladas. E abriram caminho para que hoje possamos estar aqui, a falar, a escrever, a votar.
Mas não basta. Hoje, precisamos de mais do que três Marias. Precisamos de todas as mulheres de A a Z, de todas as que recusam assistir, de braços cruzados, ao retrocesso dos nossos direitos.
E se hoje, em 2025, as mulheres ainda têm de lutar para que a sua presença política seja reconhecida, então que não haja dúvidas: não há luta mais urgente do que esta.
Não estamos a falar de uma luta por privilégios – estamos a falar de mantermos o que conquistámos e continuarmos no caminho que traçámos.
O caminho que nos leva ao destino certo: sermos senhoras de nós mesmas, ocuparmos os espaços públicos que nos pertencem e garantirmos que não nos sejam proibidas palavras como pensamento e poder.
Que este texto vos inspire ou vos provoque. Não procuro (E) concordância, mas romper as correntes da apatia.
Por Marisa Monteiro Borsboom
