EXCLUSIVO
Entre Portugal e Bruxelas distancia-nos 2 horas de viagem de avião. Para quem vive na Bélgica, tem a facilidade de em pouco tempo estar em Portugal. Estivemos à fala com Susana Pratt que nasceu em Lisboa, e aos 18 anos mudou-se para Bruxelas para continuar os seus estudos. “O início foi muito difícil”, referiu-nos Susana, pois não falava nem Neerlandes nem Francês, “e as pessoas não ajudavam muito”. Concorreu para a Comissão Europeia e conseguiu entrar em 2002, onde continua a trabalhar, sempre na área da comunicação, nas mais variadas Direções-Gerais.
“Nasci em Lisboa até quase aos 18 anos vivi sempre em Benfica e tirei o 11º ano antes de ir para Bruxelas” começa desta forma Susana Pratt.
Como o sistema de ensino é diferente em Bruxelas, conseguiu inscrever-se na Escola Europeia, fez os dois últimos anos na Escola Europeia, na primeira secção portuguesa, porque “quando cheguei em 1988, Portugal tinha acabado de entrar na Comunidade Económica Europeia (CEE)”. Entrou para a primeira turma de português da secção portuguesa, como se designa na escola europeia. Esses anos são de Baccalauréat. Depois foi para a Universidade na Bélgica, a Universidade Lovaina a Nova. Uma universidade moderna, completamente nova, não muito longe de Bruxelas, “estudei Inglês e Alemão, Literatura e Linguística, sempre gostei muito de ler e escrever, e de anotar tudo o que lia, gosto muito de estudar textos, sejam eles quais forem, e era isso que eu queria estudar, e penso que isso foi importante, porque estar a estudar num país que não é o nosso, é muito mais difícil e requer mais esforço. E como era aquilo que eu gostava mesmo de estudar, ajudou-me a alcançar o fim do curso.”
A procura de emprego
Depois da Universidade procurou emprego, mas foi muito difícil porque na altura não se aceitava muito bem os portugueses, e não havia muita oferta de emprego, para o seu perfil.
O que encontrava eram contratos muito instáveis, mas foi mudando, “trabalhei em empregos de bases de dados, páginas da internet que existiam em várias línguas e que requeriam uma pessoa que conhecesse várias línguas”, porque o objetivo dessas empresas era ter, se possível, uma pessoa que soubesse várias línguas. Trabalhou sobretudo em empresas que falassem várias línguas, e também deu aulas de Português, de Inglês, fazia traduções, e depois a pouco e pouco foi trabalhar para as Instituições Europeias.
No princípio apenas com contratos temporários, até passar num concurso, “e pronto há já uns anos que sou funcionária Europeia, é um emprego estável, estou na Comissão Europeia”. O seu cargo foi sempre com comunicação, em geral, criar todo o tipo de material para comunicação. Comunicar sobre o trabalho que faz a Comissão Europeia nos seus diferentes departamentos.
Iniciou na unidade de comunicação da agricultura, depois esteve noutras Direções Gerais. Cada Direção Geral da Comissão Europeia é como se fosse um ministério, tem uma política específica, “gosto muito de transferir esta linguagem mais administrativa e mais complexa para uma linguagem que seja para comunicar para as pessoas no exterior, para explicar o que a Comissão Europeia faz”, de uma maneira para que as pessoas possam compreender no seu contexto nacional e mesmo pessoal.
No setor da agricultura e no emprego, era uma preocupação de todos nós, como cidadãos, é importante saber o que nós comemos, é importante ter um emprego, e foi “muito interessante” trabalhar nessas Direções Gerais, porque descobriu todas as políticas que são organizadas a nível da União Europeia, e o diálogo que existe entre os variados países, para encontrarem soluções e trocarem experiências. Agora está a trabalhar na Direção dos Consumidores, “todos nós somos consumidores”, diz Susana, e está especificamente a trabalhar no serviço que gere a informação que nos enviam as atualidades de cada país sobre produtos perigosos que se encontram no mercado.
Todos os países trocam informação sobre produtos perigosos que encontram a nível nacional. Todos os dias recebem esta informação, é circulada por todas as autoridades ao nível da União Europeia e também na Islândia, para todos os países estarem ao corrente dos produtos que não devem estar no mercado, porque são perigosos para a nossa saúde, e segurança.
Muitas vezes quando se ouve falar da União Europeia, fala-se sobretudo de divergências de opinião entre os Estados Membros, mas há muitos projetos. A maioria dos projetos que trabalha a Comissão Europeia, são projetos em que todos os países colaboram juntos, para melhorar, quer seja no emprego, quer na política de consumidores em vários campos. “É muito gratificante estar a trabalhar num serviço em que se vê que há países diferentes, 30 países que trabalham para um objetivo comum.”
O mercado único onde há países que não fazem parte da União Europeia como a Noruega e a Islândia e Liechtenstein, que fazem parte deste mercado único, não são membros, mas também colaboram. Se um produto está à venda num país deste espaço único, é muito provável que esteja noutro país, também.
Ano em que começou a trabalhar na Comissão Europeia
Em 2002 “entrei na Comissão Europeia”, há 21 anos, os primeiros portugueses a chegar aqui foi a 1 de janeiro de 1985, para preparar a adesão.
Nesta altura “já sou sénior da Direção Geral de Justiça e Consumidores, porque já cheguei ao topo da minha carreira. Sou (Policy Assistance), Assistente de Comunicação, preparo, redijo documentos e organizo eventos, e preparo as páginas da internet, no fundo, preparar eventos e redigir documentos.”
A Bélgica antes da entrada, tal como Portugal, era um país “fechado”. Desde que cheguei em 1988 as coisas mudaram muito porque, é verdade que quando eu cheguei ainda havia muita desconfiança em relação a portugueses e não só. Chegavam à Bélgica, procuravam emprego, era muito difícil. Eu também não falava francês quando cheguei, e as pessoas também não faziam muito esforço para me ajudar.
Na altura sentia-se essa frieza, se não tivesse uma comunidade portuguesa aqui que pudesse ajudar
Na altura era fundamental, para arranjar emprego, falar Francês e Neerlandês, eu não falava Neerlandês. Na Bélgica há três línguas oficiais: Francês, Neerlandês e Alemão, mas o Alemão está limitado a uma região da Bélgica e não insistiram muito para aprender Alemão. Mas, “se queríamos trabalhar em Bruxelas era obrigatório saber essas duas línguas.”
Mas estes últimos anos mudou muito, sobretudo com a entrada da União Europeia, dos países de Leste, a sociedade abriu-se muito mais, e começou-se a falar mais o Inglês, e agora, em Bruxelas é muito mais fácil encontrar emprego, e é uma cidade muito cosmopolita, e com as pessoas vindas de leste que vieram trabalhar para cá, não só para as instituições Europeias, mas também para outros órgãos e associações e representações aqui em Bruxelas, a variedade de nacionalidade de línguas é muito maior.
Agora é muito mais importante saber falar Inglês do que Neerlandês. Em qualquer lugar fala-se Inglês e ninguém insiste em falar Neerlandês, nem Francês, toda a gente fala em Inglês. “Mudou muito desde que cheguei.”
Adaptação na Universidade
“Criei um circulo de amigos Belgas e não senti essa exclusão da língua, mas também porque – os portugueses é que se adaptam à língua estrangeira e não o contrário”. Mas isto mudou muito nos últimos anos, há muito interesse na língua portuguesa atualmente, por Portugal, as pessoas quando ouvem que “sou portuguesa”, dizem: “Portugal é tão bonito, já lá fui.” E isso “enche-me de orgulho, fico muito feliz em ver as pessoas interessadas no nosso país. Gostarem de Portugal, falarem positivamente do nosso país, e acho que é uma transição muito agradável”. “Aqui em Bruxelas abri uma livraria portuguesa que está também online em lapetiteportugaise.eu.”
Um regresso a Portugal? Algum dia pensou?
Sim, “quando me reformar vou voltar para Portugal”, não se sente Belga, não tem nada que a prenda a Bruxelas, o seu objetivo é voltar para Portugal. Apesar de tudo, “quando vou a Portugal e falo, as pessoas pensam que eu sou estrangeiras porque falo com sotaque. Sinto-me essencialmente portuguesa, é o país onde me sinto melhor, porque a verdade é que vim para Bruxelas, continuo a trabalhar em Bruxelas, porque tenho boas condições, a vida aqui talvez seja mais fácil, mas há muitas coisas que são melhores em Portugal. Sinto muito a falta da maneira como os portugueses tratam as pessoas, falam com as pessoas, o contacto com as pessoas, e sobretudo a luz de Lisboa. Sinto muita falta da luz, aqui há muito pouca luz, e sobretudo em Lisboa a luz é muito especial.”