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Segunda-feira - 9 Dezembro 2024

EXCLUSIVO: Uma visita à Livraria Lello é um regresso ao passado

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Teve o seu início no século XIX, mas foi em 1906 que abriu portas na Rua das Carmelitas no Porto. A sua história vem acompanhando os tempos, ora mais fáceis, ora mais turbulentos. Na década de noventa do século passado, teve dificuldades financeiras muito severas, mas foi em 2015 que a Livraria comprometeu a sua continuidade. De repente, como que por arte mágica dá-se o “Boom” de turismo no Porto, e a Lello não escapou à onda de visitantes, pensando-se na altura, que teriam cerca de 5000 por dia. E esse foi o clique necessário para retomar a Livraria Lello à cidade, ao mundo e projetá-la mais além, tendo sido considerada há pouco tempo a “Livraria mais bonita do Mundo”.

Estivemos na Livraria Lello em entrevista com a Diretora-Geral, Andreia Ferreira, que fez as odes à casa, que data de 1906, tendo sido projetado por Francisco Xavier Esteves, um Engenheiro e um homem muito importante para a cidade.

Foi o primeiro Presidente Republicano em 1910, mas a livraria abrira em 1906, estiveram em obras dois anos, que há época foi muito rápido, e abriu com os irmãos Lello, que já tinham a livraria próxima, tendo sido aberta a atual na Rua das Carmelitas.

A história da livraria Lello começa no século XIX, em 1881, por causa de um homem chamado Ernesto Chardron. Se nos atendermos na fachada ainda se pode ver em letras garrafais a Livraria Chardron. E quem foi este homem? Foi um francês que veio viver para o Porto aos 18 anos para trabalhar numa livraria Moré, e que era do amigo de um tio dele.

Veio como caixeiro, aprender, mas como era um homem muito inteligente, tornou-se gerente da livraria, num editor e um livreiro mais importante do século XIX. Tendo editado todos os grandes autores portugueses, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, que ainda hoje são importantes, conhecidos e representam a literatura portuguesa.

Morreu no século XIX, muito jovem, aos quarenta e cinco anos, não tinha descendentes, não tinha filhos, e o espólio de edição, – tinha um catálogo com 600 títulos – “estamos no século XIX”, a maioria da população era analfabeta, e não tinha dinheiro para comer, quanto mais para comprar livros.

Mas ele teve o “arrojo de editar 600 títulos”, que ficaram para os herdeiros. Os irmãos Lello de forma muito inteligente, compraram esse catálogo de edição, e ficaram com a edição de todos esses grandes autores.

O catálogo ainda faz parte do espólio da Lello. “Quando abriram esta livraria em 1906, fizeram-no com essa credibilidade e pujança que o nome Chardron lhes trazia.” Refere Andreia Ferreira. “E passados 118 anos ainda está na fachada Livraria Chardron, e “se olharmos para os catálogos da Livraria Lello das primeiras décadas do século XX, nos anos cinquenta, sessenta, diz sempre: Livraria Internacional Ernesto Chardron e em baixo, de Lello e Irmão. Esta é a história resumida da livraria Lello, inclusive, deste edifício que data de 1906.” Como nos esclarece a Diretora-Geral.

A importância do Voucher e porque surgiu

A Livraria Lello e tudo que ela representa, era conhecida como Livraria Chardron, e teve um papel fundamental na exportação da cultura nacional para países de língua portuguesa, nomeadamente para África, mas sobretudo para o Brasil, durante estes anos, os representantes, os donos da Livraria Lello, entravam no Brasil sem passarem na Alfandega, tinham um canal direto.

Ainda há recortes de jornais, em que eram recebidos com pompa e circunstância, e havia festas de receção.

Anos mais tarde (no século XX), o estado financeira da Livraria começa por passar por dificuldades económicas e financeiras, em 2015, a Lello estava num momento de bastante crítico. O edifício estava degradado, havia muitos visitantes na altura, porque houve um “boom” turístico no Porto, e a Livraria recebeu muitas pessoas, diz-se que recebia 5000 pessoas por dia, mas “nós não temos a certeza porque não eram contabilizadas. Sabemos que essas pessoas entravam e menos de 10%, cerca de 8% compravam livros, era muito pouco.”

Entrava muita gente para visita, e isso provocou ainda mais uma degradação da livraria. Chovia dentro, havia baldes em cima das mesas, e as pessoas que visitavam a livraria não compravam livros, o que significa que por arrasto estivesse a passar por sérias dificuldades financeiras.

Até que em 2015, a família Pedro Pinto, comprou a maioria do capital social, 51%, na altura, hoje já detém os 100%. E transformou o negócio, perceberam, “se nós queremos continuar a ser livraria, ou se podemos optar por ser um local turístico” basta ter um Stock, e seria um museu. Mas surge a ideia da compra de um bilhete, e capitalizar as entradas.

Optaram por voltar às origens, e ser livraria. Tinham que arranjar uma solução para tornar o negócio viável e para incentivar à compra de livros. Então tiveram a ideia, “que eu acho genial”, diz a Diretora-Geral, de implementar o voucher de desconto. No fundo “a pessoa compra uma nota. Que neste momento são oito euros, que é o valor do Voucher, podendo utilizar esses oito euros, integralmente, na compra de livros. Este Voucher transformou completamente a livraria.” Deu folgo financeiro, que permitiu fazer obras profundas de restauro e conservação entre 2017 e 2018.

Foi limpo o Vitral, havia peças partidas no mesmo que fazia com que a chuva entrasse, e teve de ser tudo restaurado. O chão da Livraria estava degradado, a escadaria, as prateleiras, a fachada. “Se olharmos para fotos antes de 2015, ela estava amarelada, bege, porque tinha 12 camadas de tinta por cima, foi descascada, até chegar à cor original, que é o que se vê hoje, na rua das Carmelitas.”

Fizeram profundas obras de restauro e conservação, que conseguiram através do voucher, depois olharam para as origens da Livraria, e em 2018, a Livraria nasceu como editora, que tinha deixado de o ser nos anos noventa, quando se separou a editora da livraria. Em 2018, voltaram a apostar na editora, hoje “nós temos edições da Livraria Lello das mais diversos tipos de literatura.” Desde os clássicos da literatura, infanto-juvenil, alguns livros institucionais, culinária,etc, foi uma aposta que começou a ser feita em 2018 e que está a continuar, e em 2024 vão editar muito mais, é uma das grandes apostas.

No fundo tiveram: obras de restauro e conservação, editora, programação cultural, que começou também em 2018, sempre gratuita. Para se aproximarem e trazerem pessoas da cidade novamente à livraria, “toda a nossa programação cultural é gratuita, e depois a internacionalização que começamos a apostar fortemente a partir de 2018/19, com parcerias internacionais de grande relevância, a livraria está cada vez mais dinâmica e atrativa.”

Há pisos em que têm nomes, como a Tamme no primeiro andar, a Pantone, a fundação José Saramago, a Casa de Fernando Pessoa, etc.

Esta internacionalização foi um caminho tão bem trilhado, que a partir de um momento, “já não fomos nós a contactar as marcas internacionais – continuamos a fazê-lo” – mas a tendência é tendencialmente inversa, e “são elas que nos contactam”.

Foram contactados pela Inditex, pela Zara, que fez uma coleção com a imagem da Livraria Lello. Vão estar com o Le Bon Marché, em Paris, foram convidados a ter lá um espaço (corner), durante dois meses. “Foi isso que sendo sido feito durante todo este tempo”. Tendo sempre como foco o livro, “é sempre o nosso foco principal”, a missão arrojada, é por mais pessoas a ler, mas também levar os autores portugueses para fora, e daí “nós termos a nossa coleção de clássicos, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Fernando Pessoa, entre outros, traduzidos em vários idiomas, porque nós queremos que as pessoas levem literatura portuguesa, é esse o caminho que temos feito sempre como tendo no centro, na base, a literatura, a cultura, porque se lermos mais, vamos ser pessoas mais cultas, pessoas tolerantes, e mais felizes.” Evidencia Andreia Ferreira.

O “armazém” da livraria (sala Gemma)

“O Chão é do tempo de abertura”, continua A Diretora-Geral, e durante as obras de restauro ficaram intactos. Demos uma volta à livraria e fomos ao rés-do-chão, na sala Gemma, “jóia preciosa”, com livros de primeiras edições, muito especiais e valiosos .A livraria tem a primeira edição do “Princepezinho”, do Antoine de Saint-Exúpery, a primeira edição de “Alice no País das Maravilha”, primeira edição do “Pinóquio”, a primeira edição da “Madame Bovary”, do Moby Dick, etc.

Na coleção de clássicos da literatura têm cerca de 50 livros editados em vários idiomas, e a estratégia é comprar as primeiras edições desses livros. Alguns são difíceis e até mesmo impossível, como é o caso do D. Quixote. Mas sempre que possível estão atentos a leilões internacionais, e contam com os parceiros internacionais, a adquirem relíquias.

Hoje têm uma coleção vasta de primeiras edições, dos clássicos, e livros antigos. Estão numa sala onde “nós vendemos, e que só é possível visitar e entrar acompanhado pelo livreiro e com marcação.” E onde contam a história e mostram o espólio, que querem que cresça cada vez mais, porque os livros são um ótimo investimento, “além de um objeto cultural, que valorizam ao longo do tempo.”

Quantas pessoas visitam a livraria por dia?

Andreia Ferreira, responde que depende da época, neste momento, na época baixa, “estamos a falar na ordem das 1500, 1600 pessoas por dia”. Na época alta, que é muito alargada, vai desde a Páscoa até outubro, tem alturas em que recebem 4000 pessoas por dia, mas andam à volta das 3000, 3500 pessoas diariamente.

O ano de 2023 foi o nosso melhor ano de sempre, melhor do que 2019, “ainda não fechamos as contas que encerram em março, e em termos de volume de negócios foi o nosso melhor ano.” Também foi o ano em que venderam mais livros, melhor que em 2019, venderam cerca de 700 mil livros, ano.

Vão fechar o ano de 2023 com uma venda de cerca de um milhão de livros ano. “Sentimos que estamos a contribuir a cumprir a nossa missão, que é pôr o visitante a ler.”

Têm parcerias internacionais que os colocam ao nível mundial. O ano passado foi considerada como “a Livraria mais bonita do mundo”. Mas há por trás uma grande equipa de 50 pessoas a trabalhar nos vários departamentos, quer no gabinete de comunicação e marketing, no sentido de dar maior visibilidade da livraria no mundo.

O Turismo do Norte e o Turismo de Portugal fazem um trabalho notável na divulgação do país e dos seus principais ativos. Quantos aos emigrantes não temos dados que possamos aferir, mas no top 10, temos Portugal, e isso é gratificante, pois a livraria é portuguesa e para os portugueses. Além de Portugal está, o Reino Unido, a França, Alemanha e Itália, Estados Unidos da América, Brasil, Coreia do Sul, e China. Vários da Europa, dois da América e dois da Ásia.

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