Esta semana, deparei-me com uma notícia do Expresso que me prendeu a atenção. A manchete questionava: “O que acontece aos deputados mal-educados noutros países da Europa? Corte no salário, suspensões ou até mesmo a expulsão.” A imagem que acompanhava o texto mostrava parlamentares em gestos desrespeitosos, sorrindo enquanto quebravam as regras básicas de civilidade. Não pude deixar de refletir sobre a mensagem por detrás dessa fotografia, uma metáfora perfeita para a erosão da urbanidade na esfera pública.
Foi este momento que inspirou a minha crónica de hoje e que é de certa forma a continuação da semana passada . E será sempre assim que pretendo construir esta coluna, caro leitor, ou seja : partindo de notícias, imagens ou episódios que surgem no nosso quotidiano, mas indo além dos títulos. Quero trazer aqui uma reflexão mais profunda, um convite a olhar para além do óbvio e pensar sobre o que estes acontecimentos revelam sobre a nossa sociedade e sobre o nosso quotidiano.
Urbanidade. Uma palavra antiga, que muitos já tratam como obsoleta, mas que permanece essencial. Em tempos, nas terras mais humildes, usava-se simplesmente o termo “boa educação” — uma expressão clara e acessível que traduzia o respeito pelos outros e por nós próprios. Mas urbanidade é mais do que cortesia: é o fio invisível que mantém a ordem social, permitindo que o diálogo, mesmo em situações de forte discordância, se mantenha dentro dos limites da civilidade.
Quando penso na imagem daquele parlamento e nos gestos captados pela lente do fotógrafo, lembro-me de que a urbanidade não é apenas um dever para com o outro — é também uma forma de respeito próprio. Ao ceder à grosseria, à provocação ou ao insulto fácil, não estamos apenas a atacar alguém. Estamos a perder algo de essencial em nós: a dignidade, o autocontrolo e a integridade.
Como advogada, aprendi desde cedo a importância deste princípio. O Código Deontológico da nossa profissão, um decreto-lei vinculativo, impõe o dever de urbanidade entre colegas. Não se trata de mera formalidade, mas de uma regra que reconhece que mesmo em confrontos judiciais — por vezes intensos e emocionais — o respeito deve ser a base. Se esta exigência é feita a advogados, como não a aplicar aos nossos representantes políticos?
A pergunta que a manchete do Expresso levanta é legítima: por que não existem em Portugal mecanismos semelhantes aos de outros países europeus, onde deputados mal-educados enfrentam multas, cortes salariais ou até a expulsão? Num contexto em que os nossos representantes são eleitos para zelar pelo bem público, a ausência de consequências para comportamentos indignos é preocupante.
Mas esta reflexão não se esgota no parlamento. O declínio da urbanidade alastra-se por toda a sociedade — das redes sociais às ruas, das escolas aos locais de trabalho. Vivemos tempos em que o ruído se sobrepõe ao diálogo, onde o insulto rápido vale mais do que o argumento ponderado. E isto levanta questões profundas sobre os valores que estamos, ou não, a transmitir.
Recordo-me das antigas aulas de Religião e Moral, onde se falava de valores, caráter e bons costumes. Embora compreenda a necessidade de separar religião e ensino público, temo que nesse processo tenhamos perdido discussões importantes sobre ética e convivência social. A moral não pertence apenas às religiões , pertence à própria humanidade. Sem princípios básicos de respeito mútuo, não há espaço para uma sociedade civilizada. Aquelas aulas tinham por isso um valor muito grande para mim. Era ali que que explorava e discutia os conflitos morais que iam surgindo numa mente de adolescente. E hoje onde criamos os espaços para tal ? Falamos de moral onde ? E de boa educação ?
A urbanidade deve voltar a ser discutida e defendida. Não como uma relíquia antiquada ou um capricho elitista, mas como o alicerce fundamental da convivência social. Resgatar o respeito, a empatia e a dignidade no discurso público é urgente. Não podemos normalizar o insulto ou o desrespeito apenas porque se tornaram frequentes.
Esta coluna nasceu do desejo de ir além das manchetes. De questionar, refletir e convidar à introspeção. E se a imagem do Expresso me trouxe a ideia de escrever sobre urbanidade hoje, certamente outros temas surgirão, conforme o mundo me inspire ou me provoque. Mas a mensagem que deixo hoje é clara: sem urbanidade, perdemos o fio condutor que nos permite coexistir em harmonia. E sem esse fio, corremos o risco de cair no caos, um caos onde o ruído se sobrepõe ao diálogo e onde o respeito se torna uma raridade.
Que este texto vos inspire ou vos provoque. Não procure concordância mas romper as correntes da apatia .
